Bill Clinton

Bill Clinton

“O que é a felicidade senão a harmonia entre um homem e a vida que ele leva ?”.

Albert Camus, Ensaios, pg. 101.

Continua. O desfile convencional democrata. Ontem, foi a vez de Bill Clinton. William Jefferson Clinton, 78. De um pequeno estado do Meio Oeste americano: Arkansas. Que, ao se eleger presidente, surpreendeu a todos. Menos a ele próprio. Autoconfiante. E trazendo, debaixo do braço, um imenso talento político.

Ele ingressou no palco da Convenção com o meio sorriso de sempre. Quase um flaneur. Como se estivesse passeando nos Champs-Élysées. Quem assistiu, na noite de terça feira, a chegada de Barack Obama, percebeu a diferença. Com calor de entusiasmo, a plateia abraçou o ex-senador de Illinois. Diferentemente, acolheu Bill. Bem. Numa temperatura morna.

Os dois momentos talvez reflitam a geologia partidária. Um Partido político são camadas. Que se superpõem. Uma depois da de outra. Clinton mora em Nova York. E frequenta a elite da cidade mais importante dos Estados Unidos. Já Obama, em Chicago, primeiro presidente negro, identifica-se com a classe média. Outro círculo. Ecologias diversas. Os aplausos dados a Obama e que faltaram a Clinton, no final, caminham todos para Kamala Harris.

Inteligente, ligado, ali estava Bill Clinton. A neve do tempo pousada nos seus cabelos brancos. Mas, a voz, rouca, pausada, a mesma. O brilho de orador, o mesmo. O que é do homem o gato não come. No seu discurso, Bill acentuou quatro pontos:

1 Começou agradecendo a Joe Biden os serviços que prestou à nação. Seu espírito de renúncia. E lembrou que, gesto semelhante, somente George Washington foi capaz de praticar.

2 Destacou que a presidência é uma tarefa digna e provisória. Com prazo marcado. O presidente foi capaz de unir o país? Atendeu as necessidades da população? Se não, vai embora.

3 Pediu que os eleitores observassem o discurso de Trump. Ele só fala nele próprio. Me, me, me. Não contem quantas mentiras ele disse. Contem quantas vezes ele fala sobre si mesmo. Ególatra, afirmou Clinton. E arrematou: Kamala repete, o que posso fazer por você?

4 Ressaltou que os Estados Unidos precisam de um governo mais alegre e mais inclusivo. Como anuncia Kamala. E enfatizou: ela acertou na escolha do vice. Porque ele teve a coragem de dizer que os americanos não precisam de armas para se defender. Precisam de educação. Ele foi professor do ensino médio.

A obra mais importante de Clinton foi além das fronteiras americanas. E findou inconclusa. Os Acordos de Oslo, na Noruega. Trata-se de conjunto de entendimentos havidos entre, de um lado, Israel, representado por Yitzhak Rabin, e, de outro lado, a Organização para Libertação da Palestina – OLP, representada por Yasser Arafat. Mediados por Bill Clinton. E assinados na Casa Branca, em 13 de setembro de 1993.

Os Acordos previam os seguintes itens:

  1. Retirada das Forças Armadas israelenses da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, com direito aos palestinos de auto-governo nas zonas indicadas:
  2. O governo palestino, interino, duraria cinco anos, durante os quais seu status seria negociado;
  3. Seriam também discutidos os temas de Jerusalém, refugiados, assentamentos israelenses em territórios ocupados, segurança e fronteiras;
  4. O auto-governo seria dividido em três áreas: controle da autoridade palestina, controle civil palestino e militar israelense e controle total israelense.

Em 1994, o governo norueguês concedeu o prêmio Nobel da Paz, daquele ano, a três figuras: o primeiro-ministro israelense, Rabin; o ministro de Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres; e o presidente da OLP, Yasser Arafat. Pelos esforços para promover a paz no Oriente Médio. Os acordos, até hoje, não foram implementados. Impedidos pela intolerância política.

Ao ver Bill Clinton retirando-se da cena, após seu discurso, enxerguei corpo e espírito. Carne e flama. Um homem. Alma maior que matéria. Certamente, pouco presidentes tenham deixado o legado de paz (não efetivada) que Bill deixou. Porque, a qualquer momento, em que a lucidez dos insensatos prevalecer, mãos de compaixão apanharão os Acordos. E os transformarão em caminhos de concórdia.

E vi, igualmente, naquela despedida, um saxofonista. Bill, tocando seu saxofone, há meio século. Num comício da sua campanha presidencial. Sim, um homem de bem com a vida. Com dignidade para buscar convergências acima da guerra. E também sensível. Capaz de extrair harmonia nas notas de um saxofone. Esta é a imagem mais humana que guardo dele: o saxofonista que ganhou sua paz.