“Preciso não dormir, até se consumar
O tempo da gente. Preciso conduzir
Um tempo de te amar, te amando devagar
E urgentemente”.
Chico Buarque, Todo o sentimento, 1987.
O Brasil é um país em trânsito. Terra em transe. Com o sentido lúdico vindo da África. Reformas institucionais, suavemente, em andamento. Superávits fiscais, obstinadamente, em ritmo andante majestoso. Com uma ponta, oculta, de relação laboral ao modo de trabalho escravo. E outra ponta, brilhante, de tecnologia aeronáutica. Para quem quiser. Embraer.
De um lado, o setor público com degraus variados. Desigual. Operando sem avaliação de desempenho. Com baixa eficiência nos investimentos. De outro lado, o setor privado, aquele competitivo, qualificando recursos humanos. Ativando sistemas funcionais. E alcançando graus de produtividade europeus.
O Brasil é um país em estado de esperança. Nessa viagem, elegeu presidente três vezes. Que estendeu um estandarte com profecias: pactuar, pacificar e governar. No atual mandato, o pacto eleitoral lhe foi oneroso. Com minoria no Congresso, o governo sua para aprovar. E gasta mais para evitar aprovação.
Por sua vez, a pacificação política foi atropelada por improvável disputa interinstitucional. A Câmara dos Deputados repercute ecos de oligarquias aferradas a antigas práticas. E o Supremo Tribunal alargou o hábito do exercício de decisões monocráticas. Que não faz bem a ele, nem à democracia, nem aos suplicantes de Justiça.
Na sua canícula, o presidente Lula perdeu o tom do concerto. Esqueceu o adágio. E a governança tem sido empanada por infausta nostalgia. Lembranças do passado são seu consolo. Telebras. Quem já viu ? Intervenção nas estatais. A Vale cresceu e prosperou. A Petrobras penou e pagou. Mas, não se transforma em empresa energética. Como as europeias. Até como a Companhia Petrolífera Saudita – Aramco. Que vem investindo em novas tecnologias relacionadas com energia limpa. E buscando emissões zero de carbono. Enquanto isso, Lula busca mudanças na lei das estatais para facilitar influência política.
Direita e esquerda. De acordo com Norberto Bobbio, estes não conceitos absolutos. Nem ontológicos. São lugares no espaço político. O que interessa é que os lugares sejam bem ocupados. Avancem na direção da equidade e da eficácia. Isto é o que dá voto. E poder. A velha esquerda perdeu o discurso no autoritarismo de Putin, Daniel Ortega, Nicolas Maduro. E a velha direita perdeu a sensatez na falta de compostura de Trump. E seus admiradores ao Sul do Equador.
O nó do Brasil está no dilema entre o antigo e o novo. De uma parte, um olhar nostálgico, esconso. Com um presidente perdido nas brumas do clientelismo. De outra parte, lampejos de crença na inovação, na educação e na economia criativa. Lances dispersos sem força ou continuidade.
No Norte, ocorreu, pela biologia, uma transformação rara no processo eleitoral. E a entrada de Kamala Harris inaugurou uma não apenas perspectiva de vitória. Mas um horizonte azul, aberto, energizado, conectado com o futuro. Uma cena nova.
Como disse Paulo Mendes Campos:
“Da aurora do Brasil
Bezerra parida em dor
Apesar de tudo, quero
A promessa do parto
Um vagido de esperança”.
Os Novos-Reacionários
Em ciência política, reacionário é uma pessoa com opiniões políticas que favorecem o retorno a um estado político anterior da sociedade. Como adjetivo, a palavra reacionário descreve pontos de vista e políticas destinadas a restaurar um “status quo” do passado. Os novos-reacionários odeiam o futuro, a inovação, o aperfeiçoamento. Eles têm, em média, setenta anos e, em sua grande maioria recebem polpudas aposentadorias de dar inveja aos dependentes do INSS. Recheadas de quinquênios, decênios e férias prêmio, essas aposentadorias lhes permite passar o dia nas redes sociais defendendo escroques, ladrões e nazistas.
Felizmente, a garotada de hoje, que amanhã estará à frente dos destinos do Brasil, não dá a mínima bola para os conceitos ultrapassados de “direita”e de “esquerda”. Considera esses termos borocochôs, cafonas e boko-mokos! São conceitos superados, da Era Analógica. Fascismo (direita) e socialismo (esquerda) têm as mesmas raízes, as mesmas nojentas convicções totalitárias, como constatou e divulgou Friederich Hayek.
Hoje, nosso maior desafio é mobilizar a sociedade para construirmos uma alternativa a esses grupos superados e intelectualmente limitados, que querem nos manter aprisionados a essas formas autoritárias de pensamento.
E que nos ajude a encontrar meios e modos para escaparmos da ameaça sanitária e do caos ambiental.
Hanna Arendt lembrava que o pior legado daqueles anos de pensamento autoritário (primeiro de direita, durante a ditadura e depois de esquerda, em vinte anos deste século), não foi a tentativa de imposição de suas convicções estatais e totalitárias, mas nos terem retirado a capacidade de pensar com a nossa própria cabeça. De terem trabalhado para matar a curiosidade de nossa intelectualidade.
Mas, os novos-reacionários não vencerão.
Hoje, na Era Digital, vamos encontrar novos caminhos para reconstruir o Brasil porque, como ensinou Tom Zé, “O que salva a humanidade é que não há quem cure a curiosidade”… (Fernando Ribeiro de Gusmão).
Bonito artigo. Leve e profundo.
Muito bom.