Lula e Maduro

Lula e Maduro

“Ninguém vai ao Rubicão para pescar”.

Tancredo Neves.

 

Política é essencial. Aos fazeres da vida. E política são os Partidos. Partidos são a medula, os nervos e o sangue da política. É por intermédio deles que a política pensa. E age. Um antigo sertanejo de Serra Talhada, eleitor de Agamenon, repetia: “Política é ação”.

Um dos grandes teóricos dos Partidos políticos foi um francês: Maurice Duverger. Ele dizia que a construção política era obra dos Partidos. Que o pensar e o agir político são decorrência da atividade partidária. Desde as ideias liberais do Partido Conservador, na Inglaterra. Até os ideais socialistas de Antônio Gramsci, na Itália. Passando pela utopia socialdemocrata do alemão Willy Brandt, do austríaco Bruno Kreisky e do sueco Olof Palme. E do brasileiro, Mario Covas.

Os Partidos políticos, antes da má invenção do orçamento secreto, lidam com dois tipos de recursos: recursos primários e recursos derivados. Recursos primários estão na sua capacidade de atrair votos. E, dessa forma, criar força eleitoral. E a chance de chegar ao poder. Por sua vez, recursos derivados é a transformação do voto em poder. Em número de parlamentares, prefeitos, governadores. É a presença no Legislativo e no Executivo.

Um dos riscos dos Partidos é o que o alemão Robert Michels, em 1911, chamou de lei de ferro da oligarquia partidária. Segundo ele, há sempre a possibilidade de uma elite particular dominar o Partido. Refletindo a pressão de elites locais ou nacionais. E, daí, o Partido deixar de representar correntes de opinião. Deixando de ser um Partido. Para ser um gueto.

No Brasil, a experiência partidária é pobre. Sobressaem dois Partidos ao longo de setenta anos: nos anos cinquenta, o Partido Social Democrático – PSD. E, nos anos oitenta, o Partido dos Trabalhadores – PT. O PSD era o Partido de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Amaral Peixoto.

Foi uma escola política. Por sua inesgotável perícia em conciliar. E se manter no poder. Exerceu a função de Partido de centro. Conferindo equilíbrio ao jogo de extremos de esquerda e direita. Que agitou o país na segunda metade do século 20. Chegou a dar dois ministros de Estado ao governo udeno-peessetista de Jânio Quadros, em 1961. Que só durou seis meses. Findo no sonho (que virou pesadelo) de frustrado golpe.

O papel mais relevante de um partido de centro, como o PSD e, depois, o MDB, é evitar que uma crise política vire crise institucional. O PSD o conseguiu. Até a introdução do Parlamentarismo, em 1961. Mas não aguentou as reformas de base de Jango Goulart. Daí, 64.

O PSD era o Partido da classe média rural. A UDN era o Partido da classe média urbana. Getúlio Vargas, nos anos cinquenta, pressentindo o efeito político da industrialização, fundou o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Que se mostrou, nos albores da formação dos sindicatos, o prefácio do PT. Sem o ideologismo deste.

O PT, fundado em 1980, foi fruto da industrialização. E do consequente movimento sindical. Mas, foi mais do que isso. Porque o país vivia a ditadura de 64. Virou bastião em defesa da democracia. E botou verniz da classe média na tinta do operariado que aderiu ao PT. Entre seus fundadores, estavam intelectuais, artistas e religiosos: Sérgio Buarque de Holanda (pai de Chico), Hélio Bicudo, Antônio Cândido, Mario Pedrosa, Francisco Oliveira, Marina Silva, Luíza Erundina, Eduardo Suplicy.

Era o Partido que defendia a democracia. E sustentava o discurso da decência. Elegeu Lula presidente em 2002. E o reelegeu em 2006. Nas brumas do tempo, restaram rastros de mesadas. E pegadas de óleo. Vem uma sucessão de terremotos: Dilma , Temer e Bolsonaro. A nação olha, desolada, a política destruída. Com a chama da esperança no chão. Chama Lula. Terceiro mandato. Seria a chance de estadista.

Tinha uma pedra no caminho. Tinha um Maduro na frente. E o PT, olvidando Buarques de Holanda, Cândidos, Bicudos, amesquinhou a legenda. E assinou uma pérola adjetivada e enganosa. Passando pano gorduroso de cumplicidade no embuste eleitoral de Maduro. Entre outros truques, diz assim: “A eleição na Venezuela foi uma jornada pacífica, democrática e soberana”.                  

Prefiro João Cabral de Melo Neto, no Escola das Facas:

“Tu que conviveste o Sertão, quando no sim esquece o não,

E saber seu viver ambíguo, vestido de solas e de mitos,

A quem só o vê o retirante, vazio do que nele é cante,

Nos deste a ver que nele o homem não é só capaz de sede fome”.