Equlibrium

Equlibrium

“Há momentos em que o destino das sociedades se equilibra no limite entre a vitória e a ruína, a glória e a vergonha. Um indivíduo determinante pode ocupar o espaço surgido e guiar a sociedade no caminho da grandeza ou da decadência”.

Christopher Ferguson, Como a Loucura mudou a História, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2020, pg. 9.

 

Roma foi uma República séculos antes de se tornar uma autocracia. No início, os romanos derrubaram a monarquia dos Tarquínios. Os patrícios, aristocráticos, controlavam o poder. Os plebeus acabaram frustrados com a falta de mobilidade social. O conflito terminou com reformas que deram mais acesso aos plebeus. Roma também concedeu a cidadania romana aos derrotados. Tornando-os aliados.

Mas, a disputa entre as classes fragilizou as instituições romanas. E o controle político de Roma foi dividido num triunvirato. Formado por Pompeu, Crasso e Júlio Cesar. A unidade entre eles durou um sonho de verão. Cesar derrotou Pompeu. Que fugiu para o Egito. E Crasso perdeu condições de participar do poder. A República fragmentou-se. E Cesar empalmou o Império.

A queda da República de Roma é uma história de passionalismo, corrupção e ganância. O equilíbrio e a sensatez desapareceram. Engolidos pela insanidade. Com o tempo e a unificação de reinos latinos, a política batizou a Itália. Que virou fascista. Com Mussolini, nos de 1930. Mas, após a Segunda Guerra, estabilizou-se como país democrático. Parlamentarista.

No final do século 18, duas nações caminharam para a democracia: os Estados Unidos e a França. Na América, os colonos rebelaram-se contra o imposto do chá. Cobrado pelos ingleses. Deram o grito de independência, na Convenção da Filadélfia, em 1776. Sob inspiração de mentes equilibradas: George Washington, Thomas Jefferson, Franklin Roosevelt e James Madison.

Na França, o percurso foi diferente. A Bastilha caiu. Veio a Revolução de 1789. Com ela, o espírito jacobinista, feroz, fatal. Seguiram-se guilhotina, terror, caos. Insanidade. Danton, Marat, Robespierre. E o desvio napoleônico. Imperador auto-coroado.

Até o século 20, na França, foram instaladas cinco Constituições Republicanas. E a sensatez sedimentou a política. Caminhando de De Gaulle a François Mitterand. Com a inspiração intelectual de Andre Malraux. Vestida a marselhesa com o tricolor democrático.

No século 21, a contemporaneidade é confrontada por conflitos sectários. Extremados. Sem precedentes. O extremismo político afeta as relações pessoais e de poder. O tecido social parece se esgarçar.

Há um aspecto da política que merece ser desvendado. Na perspectiva das lideranças. De seu comportamento. Equilíbrio. Ou de seus contrários. Atitudes desajustadas. Insanas. Agressivas. Perversas. Autoritárias. São os chamados transtornos de personalidade. Que acentuam o narcisismo. Ações destrutivas para a sociedade, para os outros. E para si mesmo. Substituindo a prática política da negociação. Por voluntarismo amoral que leva à ditadura.

As perturbações mentais vão desde a demência, a senilidade, declínio cognitivo. Até a selvageria e o genocídio. De Adolfo Hitler, Joseph Stalin, Wladimir Putin, Donald Trump. Até Joe Biden. Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria – APA criou o Manual de Diagnóstico e Estatística – DSM. De lá para cá, os conceitos sobre transtornos de personalidade vêm evoluindo. E sendo pesquisados. Conforme o avanço da ciência. Para identificar e caracterizar os comportamentos políticos bizarros. E criminosos.

Hitler apresentava três tipos de transtorno comportamental: paranoia, falta de empatia e fascínio pela morte. Resultando em campos de concentração. E seis milhões de judeus mortos. Em cenário atroz de desumanidade. Por sua vez, Stalin exibia também paranoia, falta de empatia e violência. Um tipo de comportamento doentio próximo ao de Hitler. Um saldo mortífero de milhões de russos. Nos gulags siberianos de trabalho forçado. Onde os adversários eram perseguidos. E mortos.

Em 1991, a União Soviética desapareceu como país. Sucedida por uma dezena de nações. A principal delas, a Rússia. Nos anos que se seguiram, ocorreu a perestroika, processo de reforma institucional. E a glasnost, tentativa reformista do sistema político. A consequência foi funesta. Um presidente debilitado, Boris Yeltsin, convocou um ex-burocrata da KGB para dirigir a nação. Os fados acenavam para Putin.

Putin saiu do anonimato burocrático. E desenvolveu um projeto de tirania. Baseado em baixo compromisso com as instituições democráticas. E elevada ambição baseada em guerras separatistas. Entre antigas nações soviéticas. Começando pela Chechênia. Passando pela Crimeia. Até alcançar a Ucrânia.

Pura insanidade. Resultando em guerra com altos custos humanos. E graves riscos econômicos. Já se passam dois anos. Carregando um discurso inconsequente e ditatorial. Perigo abissal para o equilíbrio europeu. E para a paz mundial.

O que vemos são sinais. Gestos vazios de conteúdo. E cheios de ofensas. O discurso do ódio leva ao desespero. Aos escombros. É urgente redescobrir o modo humanista de pensar. E de fazer. Construir.

Porque o extremismo desperta improvável fascínio. Diante da angústia da pobreza. Levando a sociedade a votar em condutas desviantes. Próprias de transtornos de personalidade. O palco mais recente de iminente tragédia política é São Paulo.

Quando as brumas se avolumam, véu cinzento escondendo o azul, cria-se espaço de prata. Para ouvir os poetas. Sonhadores ? Sim. Em vão ? Não. Porque seus versos, sensíveis antenas do universo, pressentem o futuro. E sugerem caminhos desconhecidos. Que levam a um gesto, aberto, abraço, ao âmago da rosa.

Carlos Drummond de Andrade nos deixou A Rosa do Povo. Lá, está escrito:

“Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo,

Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopro aos exaustos,

Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,

Crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,

Ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e de esperança”.