Israel e Palestina

Israel e Palestina

Geralmente a gente comemora os aniversários e as coisas boas. É mais raro e ao mesmo tempo é triste lembrar desgraças e infelicidades.
Mas é o caso do 7 de outubro, data do ataque terrorista do Hamas a diversos kibutz, a jovens alegres que ainda dormiam depois de uma festa rave, todos desarmados, eram civis, ataque qualificado como um pogrom a cidadãos israelenses. Agravado com o sequestro de mais de duzentas pessoas transformadas em reféns, algumas delas já mortas.

7 de Outubro era sábado, cinquenta anos depois da eclosão da Guerra do Yom Kippur, no meio do feriado judaico de Simh’at Torá que encerra a semana do festival das cabanas, Sucot. Algumas horas depois do começo do ataque, por volta das 6h30, rádios e televisões noticiavam o ataque, com algumas cenas encontradas na mídia social russa Telegram, cujas redes sociais foram utilizadas pelos terroristas para enviarem aos parentes e amigos vídeos da invasão da qual participavam. Houve surpresa e espanto: pela primeira vez, os judeus foram vítimas de um pogrom dentro de seu próprio território.

Três dias depois, publicamos no Observatório da Imprensa, um comentário repercutido por diversas mídias, canais e redes sociais, centrado na implosão na união das esquerdas francesas, sob o título Esquerda dividida diante do massacre. Vamos fazer mais adiante uma releitura atualizada desse comentário.

As consequências do ataque de 7 de Outubro foram enormes com a resposta israelense, o envolvimento do Irã, os ataques ao movimento Hezbollah no Líbano e o risco atual de um conflito maior no Oriente Médio.

O movimento terrorista Hamas, cujo objetivo é a destruição de Israel e não a criação de um Estado Palestino, como queria a OLP de Yasser Arafat, é acusado de ter utilizado a população de Gaza como escudo e nega, mesmo diante das evidências de vídeos postados nas redes sociais, as atrocidades cometidas há um ano contra jovens, mulheres e crianças, mesmo bebês. E essa negativa é endossada por grande parte das redes sociais de esquerda brasileiras.

De todo esse caos desencadeado pelo Hamas e pela reação bíblica de Israel de não deixar pedra sobre pedra em Gaza, ressurgiu com força na Europa e na América Latina o antissemitismo, enquanto o wokismo e o Sul Global mostrou a adesão de grande parte da esquerda e de universitários americanos e europeus a uma islamização nas teorias sociológicas anti-imperialistas e pós-colonialistas.

Isso é evidente nas redes sociais brasileiras de esquerda. Essa islamização equivale a um retrocesso social e político, pois uma boa parte dos países considerados anti-imperialistas é composta de ditaduras e teocracias, onde, como simples exemplo, as mulheres são cidadãs de segunda classe e os homossexuais e trans são perseguidos e mesmo mortos.

O jornal Le Monde publicou um importante editorial, no qual defende a criação do estado palestino junto com o de Israel,(e não a criação de um Estado Palestino com a destruição do Estado de Israel), como a solução para a atual crise.

A respeito cito uma observação de Marcelosik, pseudônimo de um comentário publicado embaixo de um texto negacionista do Canal GGN, de Ana Gabriel Sales, no qual ele diz – “a luta a favor do estado palestino e contra o governo fascista de Netanyhou não pode se confundir com a normalização de uma milícia fundamentalista de extrema direita a partir do pensamento binário de setores de nossa esquerda.” Um texto bastante elucidativo diante da confusão atual da esquerda brasileira, apoiando o Hamas, ignorando ser um movimento islâmico fundamentalista.

UM ANO DEPOIS

Um ano depois do atentado do 7 de Outubro o que aconteceu com a união das esquerdas francesas? Assim como Judith Butler e Rui Costa Pimenta, o líder francês do partido França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, não condenou e nem considerou terrorista o ataque do Hamas, “mas uma ofensiva armada das forças palestinas”. A união Nupes, Nova União popular ecológica e social das esquerdas, implodiu.

Só em junho deste ano, com a dissolução da Assembleia Nacional francesa, os líderes de esquerda voltaram a se reunir e acabaram disputando juntos a eleição para o novo Parlamento. Entretanto, permaneceu a rachadura criada pelo apoio de Mélenchon ao Hamas e a resistência dos ecologistas e socialistas contra sua indicação a primeiro-ministro.

A reação de Israel ao ataque, considerada excessiva pela imprensa em geral, foi mudando a posição dos envolvidos – Israel foi deixando de ser vítima para ser considerado agressor. Com o decorrer dos meses, a causa palestina passou a ser confundida com o movimento Hamas, mesmo pelos que defendem dois Estados na região, numa contradição pouco percebida.

Ao contrário do movimento palestino Fatha, sucessor da OLP criada por Yasser Arafat, o Hamas é contra a solução Dois Estados e seu objetivo principal desde sua criação é a Destruição de Israel. Essa é a única consonância existente entre Hamas e Israel, pois o governo de Israel, a extrema-direita e os ultra-ortodoxos isrelenses também não apoiam a criação de um Estado palestino.

Ainda no começo da reação israelense ao Hamas com seus ataques destruidores a Gaza, envolvendo a população, houve dois cessar-fogo com troca de reféns. Entretanto, a partir de um certo momento, o Hamas deixou de facilitar as negociações feitas com Israel no Catar, mesmo porque Israel, sujeito às pressões dos familiares dos reféns e parte da população, queria a devolução de todos os reféns. Ao mesmo tempo, o crescente número de mortos nos ataques de Israel a Gaza, favorecia o apoio aos palestinos e indiretamente ao Hamas, provocando o retorno do antissemitismo.

Para diminuir o impacto negativo do Hamas, se fortaleceu um movimento negacionista com relação aos crimes cometidos pelo Hamas durante o ataque do 7 de Outubro. Breno Altman, no canal Opera Mundi, afirma haver um vídeo justamente da Al Jazeera mostrando isso. Paralelamente, o Tribunal de Justiça Internacional condenou Israel por genocídio, enquanto um inquérito da ONU acusa Israel de cometer crimes de guerra. E a África do Sul acusa Israel de apartheid.

Do lado do Hamas, a Suíça considera o movimento como terrorista e o Parlamento reduziu, e poderá anular, as subvenções concedidas à ação da ONU junto aos palestinos, UNRWA, sob a acusação de haver um grande infiltração do Hamas nessa entidade de ajuda onusiana.

Muitos acusam o primeiro-ministro Netanyahu de ter destruído Gaza para compensar a falha do seu serviço de informação, que não detectou o ataque do Hamas, e assim evitar uma destituição do cargo. Atualmente, com a liquidação dos líderes do Hamas e do Hezbollah, Netanyahou ganhou o apoio da população e não se baseia apenas nos ultra-ortodoxos.

O professor Sciences Po, Paris, escritor e ensaísta Gilles Kepel, acaba de lançar um novo livro, dedicado justamente às consequências do 7 de Outubro, Le Bouleversement du Monde. Grande conhecedor do Oriente Médio, mesmo porque aprendeu ainda jovem o árabe, Kepel, que tem alertado quanto à islamização do pensamento de esquerda, vê a possibilidade de grandes mudanças na região.

Para ele, isso pode ocorrer no Irã, onde o dirigente aiatolá Khamenei, idoso, iria ser sucedido pelo ex-presidente Ebrahim Raisi, defensor rigoroso da teocracia islâmica, morto num estranho acidente de helicóptero no retorno de uma viagem. O Irã, com sua cultura e tradição persa, na expectativa de uma resposta de Israel aos recentes ataques, talvez viva momentos de instabilidade, argumenta Kepel.

A resposta de Israel aos ataques do Irã seria principalmente a de destruir ou de esfacelar o Hezbollah, criação iraniana, para multiplicar as contradições internas iranianas, onde o próprio serviço de informação estaria contaminado. Dentro dessa lógica, Israel não atacaria nem as instalações nucleares e nem o Irã diretamente, a fim de evitar um conflito maior. Mas estaria apostando num esfacelamento interno do Irã, ou seja, da estrutura teocrática do país, para evitar que Khamenei e seus seguidores provoquem a destruição do país.