Religião Africana

Religião Africana

A Constituição brasileira afirma, no seu artigo 5º, que o Brasil é um Estado laico, não tendo, portanto, uma religião oficial, como o Irã e vários países árabes que se declaram Estados islâmicos. O Estado laico não pode ter ligação com qualquer religião e garante a liberdade total de manifestação de todas as religiões. Portanto, as instituições brasileiras não podem manifestar, por qualquer meio, ligação com religiões, independentemente do peso na sociedade e na história do Brasil. Então, o que dizer do crucifixo exposto na parede do STF, exatamente atrás da cadeira do seu presidente? O crucifixo é o símbolo do catolicismo (nem sequer do cristianismo, já que os evangélicos utilizam a cruz sem imagem) e, portanto, não pode estar dominando os trabalhos da mais alta corte de justiça. Ocorre que, na direção contrária ao texto constitucional, o STF-Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor do direito de exposição dos símbolos religiosos nos prédios públicos, “desde que a finalidade seja manifestar a tradição cultural da sociedade”. 

O crucifixo não foi colocado no plenário do STF para “manifestar a tradição cultural” do Brasil, representando, na verdade, a manutenção de um costume anacrônico (de quando o Brasil tinha uma religião oficial), que foi eliminado pela Constituição quando definiu que o Estado é laico. Desde 1988, quando aprovada a Constituição, o crucifixo deveria ter sido retirado de todas as instituições públicas do Brasil. Como diz o antropólogo Roberto da Mata, o “laico ou secular demanda um afastamento e uma isenção de costumes tidos como legítimos e naturais. No contexto do Estado Democrático de Direito, isso significa ser independente de influência ou determinação ideológica, afetiva ou religiosa”. A decisão do STF faz um jogo de palavras para defender o injustificável, violando os princípios constitucionais em nome da tradição e dos costumes. 

Para ser coerente, o STF deveria legitimar o apadrinhamento político, que é a maior tradição deste país desde Pero Vaz Caminha, e que continua dominando as instituições públicas brasileiras. Ao mesmo tempo, deveria permitir que símbolos de outras religiões ou crenças fossem expostos no plenário do Supremo. Se o crucifixo pode, os ministros do STF devem aceitar que os líderes de religião de matriz africana preguem na parede do plenário o Ogó de Exu, símbolo do Orixá que protege as pessoas, mensageiro que liga o humano ao divino, que poderia inspirar as decisões dos ministros tanto quanto o símbolo católico. Não. Não se pode cobrir um erro com outro. Num Estado laico, conquista civilizatória da Constituição de 1988, nenhum símbolo religioso deve ocupar espaços nas instituições públicas do Brasil, menos ainda, naquela que tem como missão defender a Constituição.