Numa cerimônia simples e de acordo com os ritos da democracia, Kamala Harris presidiu a sessão do Senado que certificou a eleição de Donald Trump como novo presidente dos Estados Unidos. No seu discurso, Kamala Harris disse que “hoje, a democracia da América prevaleceu”. Até quando? se perguntam os democratas em todo o mundo, considerando a posse próxima do autocrata e arrogante Donald Trump. A cena deste 6 de janeiro é radicalmente oposta aos violentos eventos registrados quatro anos antes, quando uma massa enfurecida de fanáticos, incitada pelo então presidente Donald Trump, invadiu o Congresso norte-americano para impedir a certificação de Joe Biden. Estranha democracia, que permite que volte à presidência, num pleito normal e inquestionável, o político que violou as regras básicas da alternância de poder, recorrendo à violência e agredindo as instituições democráticas do país. Confirmando seu desprezo pela democracia, antes mesmo de tomar posse, Trump já anunciou que vai decretar o perdão dos radicais que invadiram o Congresso norte-americano em janeiro de 2021.
Os eleitores dos Estados Unidos elegeram um monstro, um político descontrolado e agressivo, que vai assumir a presidência da maior potência econômica e militar do planeta, com maioria confortável no Congresso e simpatia da Suprema Corte. Donald Trump é uma grave ameaça à democracia norte-americana e, mais ainda, à estabilidade e à paz mundial e ao futuro da humanidade. No seu estilo falastrão e corrosivo, ele já está anunciando, antes da posse, as mais absurdas e perigosas intervenções em outros países, incluindo aliados tradicionais dos Estados Unidos. Sem esconder suas nefastas intenções, na verdade, propagando e reiterando, o plano de Trump leva à desagregação geopolítica, ao desequilíbrio econômico e ao desastre ambiental.
Como já fez na sua primeira passagem pela Casa Branca, Trump vai ignorar o Acordo de Paris e afastar-se das negociações globais para redução das emissões de gases de efeito estufa que, sabemos todos, estão provocando um rápido aquecimento do planeta, com graves consequências. Ele é um negacionista, que comandará o segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa, jogando lenha no forno para esquentar mais ainda o clima, prometendo desmontar o pouco que Joe Biden fez na direção de novas fontes de energia. Trump defende bravamente o combustível fóssil, e já anunciou que vai incentivar a exploração de petróleo e gás. Não adianta gritar que, em 2024, já alcançamos 1,5º celsius acima do nível pré-industrial, limite definido pela comunidade científica para evitar o desastre. Num momento dramático da civilização e da humanidade, um demolidor sem escrúpulos vai comandar a grande potência mundial.
O plano do futuro presidente dos Estados Unidos tende também a desmontar a economia mundial, pelo protecionismo frente aos principais parceiros comerciais, a começar pela China, com um intenso comércio e fluxo financeiro. A elevação das tarifas alfandegárias norte-americanas vai provocar uma corrida protecionista mundial, com forte retração do comércio, o que leva a uma provável recessão global. A China, país que foi a locomotiva econômica deste século, perde o impulso do seu principal mercado externo e, claro, vai retaliar, acentuando o desequilíbrio do comércio mundial. Os eleitores norte-americanos vão padecer também das consequências de uma retração econômica e da pressão inflacionária, desmoralizando o brutamontes sentado no Salão Oval da Casa Branca. Por outro lado, com a sabedoria e a paciência milenares e sem arroubos ou guerras, a China deve continuar com a estratégia de ampliação da Rota da Seda, consolidando a sua presença econômica e comercial em quase todos os continentes.
O slogan trumpista (Make America Great Again) é mais expansionista que isolacionista, como sugerido no primeiro mandato de Trump. Todas as suas declarações, já desde a campanha eleitoral e cada vez mais abertamente, são expressão da arrogância da grande potência hegemônica, e do desprezo de Trump pelo resto do mundo. Ele afirma que vai acabar com os conflitos militares, reforçando o apoio a Israel, para que Netanyahu vença sua guerra suja contra os palestinos e, em contrapartida, retirando o apoio à Ucrânia, entregando o país às pretensões expansionistas de Vladimir Putin. O discurso “pacifista” contrasta com as reiteradas promessas de desrespeito à soberania das nações. Ao longo da semana, o falastrão Trump ameaçou anexar o Canadá, retomar o controle do Canal do Panamá, que atravessa o país soberano da América Central, e incorporar aos Estados Unidos a Groenlândia, região autônoma do Reino da Dinamarca. O Canadá, segundo ele, deveria ser o 51º Estado norte-americano e, para isso, usaria o poder econômico para a anexação do país soberano, membro da Commonwealth e vinculado à monarquia britânica. Não foram gafes ou frases perdidas que escaparam do seu desprezível vocabulário, porque ele repetiu mais de uma vez suas ambições expansionistas. E ainda indicou que poderia utilizar a força militar para alcançar os objetivos de ampliação do território norte-americano, numa das mais assustadoras declarações de um chefe de Estado.
O futuro presidente dos Estados Unidos ameaça demolir as regras de soberania das nações e, de imediato, abre várias frentes de conflito com aliados europeus – Grã-Bretanha e Dinamarca – ao mesmo tempo que intensifica o confronto com China e o bloco do BRICS. No auge da sua arrogância, Trump “exigiu” que o BRICS se comprometesse a não criar uma moeda que substitua o dólar, lembrando as negociações no bloco para se liberar da moeda norte-americana no comércio interno aos seus membros. Recorrendo à chantagem, o seu principal instrumento diplomático, Trump afirmou que, se os países do BRICS criarem uma moeda própria, “sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”. A estupidez parece destruir a capacidade cognitiva do futuro presidente dos Estados Unidos, não percebendo o impacto na economia do seu país no caso de um corte dramático no comércio com os países que representam, juntos, 31,5% do PIB mundial, especialmente a China, com um PIB de US$ 19,4 trilhões. Enquanto Trump cisca e ameaça, amplia o leque de inimigos e se isola, a China vai ampliando sua influência no mundo, o que, no futuro, vai minar as próprias pretensões hegemônicas dos Estados Unidos.
A mistura explosiva de enorme arrogância, ignorância e voluntarismo de Trump é uma grande ameaça à prosperidade e à paz mundial, além de promover um desastre ambiental. As grandes lideranças mundiais parecem perplexas, silenciando diante de tanta barbaridade do futuro presidente dos Estados Unidos, como se considerassem delírios ou disparates de um homem doente. Mas este homem vai assumir a presidência da mais poderosa nação do planeta. Nos anos 30 do século passado, um outro homem doente à frente de uma forte nação europeia devastou a Europa com semelhante desprezo pela soberania das nações, com pretensões expansionistas de grande potência. O mundo demorou para reagir, e deu tempo para Hitler desencadear a mais brutal matança e destruição dos valores humanos.
Artigo impecável, bem fundamentado, sobre uma situação realmente assustadora. Quem o poderá contestar.?
Disse tudo, Mestre Sérgio!
Meu 👏 aplauso.
Abraço