
Trump e Putin
Putin está rindo à toa. O presidente dos Estados Unidos, maior potência econômica e militar do planeta que, até recentemente, era adversário da Rússia e aliado da Ucrânia, mudou de lado. Sem expor nenhuma condição aos russos, Donald Trump abriu negociações diretas com Vladimir Putin excluindo os ucranianos, vítimas da invasão russa, e ignorando os europeus, seus históricos aliados na OTAN. Mais ainda, Trump suspendeu a ajudar militar e o apoio da inteligência norte-americana a Kiev, deixando a Ucrânia vulnerável às tropas e aos bombardeios da Rússia, ao tempo em que exige a capitulação ucraniana diante da invasão russa. Sem que a Rússia pedisse nada, Trump já disse que a Ucrânia não vai entrar na OTAN e seu vice já afirmou que os ucranianos terão que ceder territórios já ocupados pelos russos. E, como mestre da chantagem, ele condiciona algum apoio impreciso e indefinido à Ucrânia à entrega da exploração dos minerais estratégicos do país aos Estados Unidos. Dando tempo para que a Rússia avance sobre o território ucraniano e intensifique os bombardeios com misseis e drones.
Nesta semana, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rúbio, negociou com o presidente da Ucrânia um acordo para o cessar fogo no conflito por 30 dias para iniciar uma negociação de paz. O presidente Zelensky concordou com os termos do acordo de cessar fogo, conseguindo que os Estados Unidos voltassem a compartilhar informações da inteligência com as trupas ucranianas. Ocorre que, alguns dias antes, o mesmo Rúbio afirmou que a Ucrânia teria que abrir mão de territórios ocupados pela Rússia e que não teria condições de forçar os russos a retornar à posição anterior a 2024. Por outro lado, tudo indica que a Rússia não está interessada num cessar fogo, entendendo que a suspensão do conflito dará tempo para a Ucrânia se reagrupar e rearmar. E Putin parece mesmo não acreditar num apoio de Trump ao governo ucraniano. O ministro das relações exteriores de Rússia, Sergey Lavrov, comentou, recentemente, que Trump não concederá garantias de segurança a Kiev enquanto Zelensky continue no cargo de presidente da Ucrânia.
Putin deve ter caído na gargalhada assistindo às grosserias de Trump e do vice-presidente dos Estados Unidos na reunião com Zelensky no Salão Oval da Casa Branca, humilhando o presidente de uma nação europeia invadida pela Rússia. Quase no mesmo momento, os Estados Unidos presentearam a Rússia votando contra uma resolução das Nações Unidas que culpava a Rússia pela invasão da Ucrânia, juntando-se à própria Rússia, à Coreia do Norte, a Belarus, Eritreia e Síria. Quando China, Nicarágua, Cuba, Índia, Irã e Iraque se abstiveram, os Estados Unidos votaram contra a resolução, o governo Trump sendo mais russófilo que alguns aliados próximos de Putin.
O que Trump pode ter combinado com os russos? Pode ser a divisão da Ucrânia sugerindo algo como: “Você fica com os territórios já ocupados, principalmente Donbass, e eu fico com as reservas de minerais estratégicos do que sobrar da Ucrânia”. De preferência, devem pensar os dois, sem Zelensky no poder. Mas, e a Europa? O movimento de aproximação da Rússia e afastamento da Europa indica que o inefável presidente dos Estados Unidos pretende provocar uma desorganização do jogo político global. Na verdade, a estratégia errática de Trump pode estar levando o mundo a uma profunda fragmentação geopolítica, com elevado risco de instabilidade e grande probabilidade de isolamento dos Estados Unidos. Nem bipolaridade – blocos dos Estados Unidos e da China – como se imaginava, nem multipolaridade, e com diversos blocos em negociação e articulação e com instituições multilaterais fortes.
Descobrindo que não pode contar mais com os Estados Unidos de Trump, a Europa reagiu e se uniu em torno de Zelensky (com exceção do governo autoritário da Hungria) decidindo reforçar sua capacidade própria de segurança e defesa. Além de oferecer apoio e informações da inteligência à Ucrânia, os europeus aprovaram um plano de investimentos de 800 bilhões de Euros em defesa. Talvez a Europa careça de uma grande liderança, como foi Ângela Merkel num certo momento, mas o entendimento entre Emmanuel Macron, da França, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, levantando inclusive o poder de dissuasão nuclear, sinaliza para a formação de um bloco que vai além da economia (até porque a Grã-Bretanha não é mais parte da União Europeia).
E a China? Por enquanto, a reação da China se concentra na resposta à guerra comercial aberta pelos Estados Unidos, devolvendo o protecionismo de Trump com tarifas retaliatórias sobre produtos norte-americanos e ampliando os controles de exportação para uma dúzia de empresas dos EUA. Atenta aos movimentos de Trump no âmbito internacional, o porta-voz do governo chinês, Lin Jian, afirmou que “se os EUA insistirem em travar uma guerra tarifária, guerra comercial ou qualquer outro tipo de guerra, a China lutará até o fim”.
Como Trump tem demonstrado que é um grande fanfarrão e que sua tática agressiva funciona como uma chantagem, ele pode mudar de posição na política externa e reavaliar as alianças estratégicas, a depender da intensidade e força das reações de outros conjuntos de países, como a Europa e a China e, também, por questionamentos internos nos Estados Unidos, com uma elite econômica e política que não deve se sentir nada confortável com a aliança que ele está construindo com a Rússia de Putin. O certo é que, com Trump na presidência dos Estados Unidos, o futuro do mundo tornou-se muito incerto, e com potencial de desagregação econômica e risco de escalonamento dos confrontos militares.
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