Já há alguns anos, a importância do Renminbi Yuan – CNY (moeda chinesa) vem crescendo no âmbito internacional, pari passu com a crescente participação da China na economia mundial. Em um movimento inevitável, o CNY vem ocupando espaços importantes, o que deverá levar-lhe a uma posição de protagonismo, assim como a China deverá cumprir papel de hegemonia na economia e na geopolítica mundial, em futuro breve.
Pretende-se, aqui, situar a questão da internacionalização do CNY, dentro de uma visão do que poderá ser a geopolítica global e a economia mundial em 2050, de maneira mais reflexiva, levantando questões e fatores correlatos ao tema, sem estatísticas e análise histórica. A ideia é apontar a situação atual dos avanços deste processo, suas tendências mais prováveis, e as incertezas inerentes em 2049, quando se completa um século da Revolução Comunista.
A tarefa não é simples, visto que suscita questionamentos ligados ao tema, como: a disputa geopolítica, com risco real de conflito armado entre EUA e China; sustentabilidade energética; segurança alimentar; distribuição desigual da renda; fragmentação social e riscos de instabilidade política, além da permanente revolução tecnológica com transformações provindas da Inteligência Artificial – IA e das mídias sociais.
Antes de citar os principais avanços do CNY no âmbito internacional, há que se relembrar as funções básicas da moeda, aliando-as aos fatos. São elas: Meio de troca, reserva de valor e unidade de conta.
Em sua relação econômica com os demais países, a China vem tomando uma série de medidas para facilitar os negócios, como acordos bilaterais de trocas diretas entre moedas locais, utilizando o CNY e a moeda daquele país (“currency swap agreements”) implementados desde 2009). Para isso, são estabelecidas linhas de crédito específicas, pelos bancos da China, facilitando o início deste fluxo inovador.
Atualmente, a China tem acordos de trocas diretas com cerca de 40 países, dentre eles: África do Sul, Argentina, Austrália, Bielorrússia, Brasil, Canadá, Catar, Cazaquistão, Chile, Cingapura, Coréia do Sul, UE, Hungria, Indonésia, Irã, Islândia, Malásia, Mongólia, Paquistão, Reino Unido, Rússia, Suíça, Turquia, Ucrânia e Uzbequistão.
Porque é mais vantajoso realizar trocas diretas entre o CNY e a moeda local do país? Um dos principais fatores é que se elimina a moeda Americana, USDollar, do meio da transação e, com isso, também o risco cambial. Menor risco representa maior competitividade para ambas as partes. Esta modalidade de troca direta entre duas moedas, ajuda a aumentar o volume de comércio da China.
Para operacionalizar este “swap agreements”, há bancos com câmaras de troca de CNY em 23 países, até o momento. E, há uma Câmara de Compensação Internacional do CNY em Londres (desde 31Mar’2014), onde se obtêm cotações diárias do CNY. Além disso, para conseguir realizar as transações bancárias há o Cross-Border Interbank Payment System – CIPS (desde 2015), que é o sistema Chinês, paralelo ao Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications – SWIFT (criado em 1977 pelos EUA e UE, entre outros). Para transações bancárias dentro dos EUA, há um outro sistema: Clearing House Interbank Payment System – CHIPS. Em outras palavras, praticamente eliminou-se a dependência do USD nas trocas internacionais chinesas.
Mais de 80 bancos centrais, dos mais diversos países, já utilizam o CNY como parte das suas Reservas. À medida em que os países firmam mais “swap agreements”, seus respectivos bancos centrais terão mais motivação para aumentar os respectivos volumes e proporção de CNY em suas reservas. Contudo, a posição relativa do CNY nas reservas globais ainda é tímida (5º. Lugar).No Brasil, o CNY está em 2º. lugar.
Em 2016, o Fundo Monetário Internacional – FMI, solidificou a posição do CNY como moeda de reserva, ao adicioná-lo como parte da cesta de moedas do Special Drawing Rights – SDR. Isto validou o CNY perante o sistema financeiro global.
Apesar destes fatos, a China não parece pretender que o CNY seja a moeda dominante como reserva em termos globais. Assim, o que se percebe é que a China promove a internacionalização do CNY, mas não para tomar o lugar do USD.
No conflito com os EUA, o Irã passou a sofrer sanções em 2018. A China não aderiu ao boicote e continuou importando petróleo do Irã, e conseguiu estabelecer um acordo em que o preço desta commodity fosse estabelecido em CNY. Foi o rompimento de uma seríssima barreira, deixando margem para a China ter a sua moeda como referência no mercado internacional do petróleo.O estabelecimento de mercados futuros denominados em CNY reforçam este processo. As sanções impostas sobre a Rússia, em guerra contra a Ucrânia, aumentaram a proximidade Rússia-China, com petróleo e gás sendo exportados em CNY.
Há possibilidade de a China aproveitar-se da sua política de multipolaridade global e apresentar seu CNY como alternativa para países expulsos da comunidade econômica internacional, como a Rússia. Assim, lamentavelmente, conflitos armados apresentam mais oportunidades à China para ampliação do uso do CNY.
A Iniciativa da Rota da Seda – Belt and Road Initiative-BRI demandaria um capítulo à parte para abranger todos os seus mais variados aspectos, em especial o de reforço da hegemonia da China em 2049. Uma das funções do CNY que a BRI fomenta é a de moeda de financiamento, como “offshore financial instrument”. É irrefutável a percepção de um quadro, em 2050, em que esta proporção da atuação do CNY será muitas vezes maior do que os níveis atuais.
O mesmo poder-se-ia dizer do volume, também crescente em larga escala, dos títulos de dívida denominados em CNY, atualmente em 7º. lugar no ranking financeiro internacional. Isto também é consequência da atuação da China através da BRI.
Para complementar, há que se mencionar uma tendência de enorme crescimento também do chamado “Trade Finance”, ou seja, o financiamento à exportação e importação denominadas em CNY, ocupando atualmente o 2o lugar no mundo.
Há obstáculos à expansão do CNY. Entre eles, a forma rígida que o Governo da China mantém no controle de capitais e a relativa falta de transparência nos mercados financeiros chineses. De qualquer maneira, em função do crescimento do comércio bilateral da China a tendência é que o sistema monetário internacional passe de bipolar (USD e Euro) para tripolar, incluindo o CNY.
Uma incerteza reside na ameaça da Inteligência Artificial. Ela irá energizar a rivalidade entre EUA e China. Muito antes de 2050, será fundamental que se encontre algum tipo de entendimento entre os dois.
Por todo o Planeta, a base tecnológica belicista e o equilíbrio do poder estão se transformando tão rapidamente que os países buscarão um acordo que servirá de base para o estabelecimento da ordem. Qualquer conflito armado na região do Indo-Pacífico trará prejuízos à China, e sua tentativa em internacionalizar o CNY.
Uma incerteza reside em torno de Taiwan (pivô da disputa entre EUA e China). Desde Mao Ze Dong, a China mantém a sua secular postura de paciência, esperando o momento correto para anexar definitivamente a ilha. Os EUA não compreendem a estratégica chinesa e insiste em imaginar uma invasão iminente. Este é um fator de risco e incerteza, com consequências de difícil previsão.
Outra séria incerteza e ameaça: a ordem internacional proposta pelos Americanos tenta impor regras contra o protagonismo Chinês. Enquanto prevalecer esta falta de sensibilidade quanto às diferenças de paradigma, não há como se fazer uma “guesstimation” do rumo da disputa.
A pressuposição (errônea) de que a China pretende dominar o mundo (no sentido clássico dos séculos XX e anteriores) constitui outro erro clássico dos Americanos. A insistência nesta postura é ameaça clara a uma ordem internacional pacífica, que permita a internacionalização do CNY.
A postura Americana de buscar uma mudança de regime político da China, tentando impor um modelo de democracia ocidental é um outro erro crasso. Um eventual colapso do atual sistema Chinês certamente ocasionaria uma guerra civil, com fortes conflitos ideológicos, acarretando sérias consequências à instabilidade global. Os EUA não percebem que a forma de governar da China é mais Confucionista do que Marxista. A internacionalização do CNY, sendo administrado por um regime de planejamento central comunista, como o Chinês, é menos ameaçador para os EUA se permanecer estável.
A recomendação prioritária para se conseguir evitar as ameaças que o Ocidente sente em relação à China, para os próximos 25 anos, é compreender a China. Só assim, será possível caminhar para a promoção de um equilíbrio global razoável.
Pode-se dizer que a maior fonte de esperança de se atingir, até 2050, algum tipo de equilíbrio é o medo da guerra. EUA e China percebem claramente que um conflito armado aberto e geral traz, no seu bojo, a ameaça da aniquilação mútua.
Um outro fator importante na construção de confiança mútua, seria dar protagonismo aos aspectos ligados às ameaças das mudanças climáticas. Objetivos comuns podem passar a prioritários, em contraposição aos conflitos. Desastres como os ecológicos, por vezes, levam à união e à paz entre adversários. A saúde do Planeta é fator prioritário para a paz em 2050.
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