Essa lei do Abuso de Autoridade é a revanche das elites. Para diminuir (ou evitar) os riscos de muita gente boa ir morar numa penitenciária. Reproduzindo o que aconteceu na Itália, com a Mani Pulite (Mãos Limpas). Lá, tudo começou no Caso Tangentopoli (algo como Cidade do Suborno). E findou com 3.292 presos – de ilustres parlamentares a ricos empresários. Já por aqui, com uma propina mixuruca nos Correios. E foram, até agora, só 211 presos. Sem sequer um deputado ou senador, é pena. Culpa do foro privilegiado. Não por acaso um dos autores desse projeto, senador Renan Calheiros, responde a 18 inquéritos no Supremo. E se comporta como se nada tivesse acontecido. Como era grande, o risco, seria mesmo natural a reação dos poderosos. Na Itália, como no Brasil, vale tudo. E muito bem orquestrado.
O pacote “anti-crime”, de Moro, dificilmente será aprovado. Em 15/07, o min. Toffoli proibiu o uso de dados do COAF para investigações de policiais. Em 14/08, nessa trilha, o min. Gilmar concedeu benefícios a membros do esquema de Sérgio Cabral, no Rio. Fosse pouco e, agora, temos dois tipos de brasileiros. Os fiscalizáveis por COAF e Receita Federal. Que somos nós. E os não. Do Supremo e do TCU A partir de decisões deles próprios. Protegendo seus Ministros, mulheres e agregados. Um escárnio.
Com essa lei de agora, fecha-se o cerco contra a LavaJato. Cristiano Zanin, advogado de Lula, já disse (JC desta quarta) que vai usar as gravações do IntercePT para pedir a absolvição do seu cliente. E o Supremo, anunciam os jornais, prepara a pá de cal na sessão marcada para próximo dia 27. Pelas mãos do min. Alexandre de Moraes. Com a criminalização apoética dos procuradores. E, por fim, Lula Livre.
Mas… “Mas há sempre uma candeia/ Dentro da própria desgraça”, palavras de Manuel Alegre (na sua Trova do Vento que Passa). E a luz que vem dessa candeia não é amigável, para os planos de alguns ministros do Supremo. Por conta de duas regrinhas da nova lei. O Art. 25, que considera crime “proceder à obtenção de prova… por meio manifestamente ilícito”. E o art. 41, segundo o qual é “crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática… sem autorização judicial”. Como as gravações da IntercePT. Considerando essas regras, cabe perguntar, como vai se pronunciar o Supremo? Se a lei afirma que é crime, dirá que não é? Terá coragem de ir tão longe? Vai ser complicado.
O Congresso aprovou a lei, basicamente, para proteger seus membros. E tantos mais, próximos, que sujaram as mãos. Ocorre que calcularam mal. E a própria lei finda por atrapalhar os planos de melar o jogo. Ao menos dia 27. Uma ironia. Talvez porque, assim dizia Fernando Pessoa (no Desassossego), “a ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente”. Em princípio perdemos nós, que desejamos um país mais limpo. E eles venceram, Mas…
José Paulo Cavalcanti Filho
Enfim, alguém de elevado nível de saber jurídico e insuspeito de qualquer conveniência partidária, vem levantar “o véu diáfano da fantasia” e expor “a nudez forte da verdade” sobre a famigerada lei contra abuso de autoridade, que aguarda sanção ou veto do presidente da República. Na verdade, a manobra vinha sendo arquitetada há alguns anos, logo depois que os procuradores da República mobilizaram a sociedade para, com mais de um milhão de assinaturas, encaminhar ao Congresso o projeto de lei de iniciativa popular de combate à corrupção. O projeto, vergonhosamente mutilado pela Câmara dos Deputados, dormia nas gavetas do Senado, enquanto se tramava o contra-ataque dos políticos corruptos, à espera do momento propício para desfechá-lo. Os projetos de lei anticorrupção do ministro Sérgio Moro sáo apenas uma nova versão do pacote anterior. E o momento chegou, com o aperto do cerco das investigações, ameaçando figurões dos três poderes da Repúbolica, por um lado, e a esperança de enfraquecimento da PF e do MPF, com a divulgação das gravações clandestinas, por outro. A grande meta almejada por vários partidos, e seus apadrinhados na Justiça, é a liberdade do ex-presidente condenado, e, para o futuro, a garantia de liberdade para corruptos de outros partidos. A lei de abuso de autoridade é puramente intimidatória da ação judicial, não tem outro objetivo prático. Se os seus autores vencerem mesmo, pobre do nosso país, onde tudo voltará a ser “como dantes, no quartel de Abrantes”…
Meus melhores cumprimentos ao autor do artigo, cuja colaboração honra a nossa revista.
Gostei muito do artigo “Sigilo da Fonte?” de José Paulo Cavalcanti Filho. Ao compartilhar o texto no Facebook, onde teve apoio respeitável (isto é, não foi apoio de nenhum fanático de um lado ou de outro), li na minha página elogios de verdade ao jurista por duas figuras pelas quais tenho imenso respeito: Everardo Maciel e Gustavo Maia Gomes. Essa introdução é só para dizer que li o artigo com predisposição altamente favorável. Mas… Acontece que eu li a Lei de Abuso da Autoridade recém aprovada no Congresso. E achei uma boa lei, de proteção à democracia. Quem pode ser a favor do abuso de autoridade? Ainda mais no contexto de um governo que tem deixado evidente seu viés autoritário? Não consegui encontrar no texto cláusula que mereça objeções. Poderão alegar que é porque não sou jurista. Então não posso julgar uma objeção que achei razoável, de que a Lei de Abuso da Autoridade apenas repete cláusulas pré-existentes na legislação brasileira.
Li o texto da lei tratando de separá-lo da exaltada polêmica em torno na Lava Jato ou das atitudes do Presidente do STF Dias Toffoli. Admito que o timing de aprovação da lei no Congresso não foi dos mais felizes. Mas o nosso Congresso poucas vezes tem o melhor timing, qualquer que seja o tema que destaquemos. Está havendo uma campanha, movida por juízes e procuradores – que são tudo menos corporativistas, é claro – para que o Presidente da República vete a Lei de Abuso da Autoridade. Parece que o Ministro Sérgio Moro (cujos argumentos já foram discutidos durante a aprovação da Lei de Abuso na Câmara) está recomendando o veto total ao Presidente. Qual é a lógica dos que estão se opondo à Lei de Abuso d Autoridade? O único argumento que vejo usado é que ela enfraquece a Lava Jato. Ora, mas isso não é admitir, implicitamente, que houve abuso de autoridade em procedimentos da Lava Jato? Ao menos essa é a lógica que aprendi.
A fina ironia de José Paulo Cavalcanti deixa a questão em aberto. Pois de início fica claro que a questão mais importante para que o combate à corrupção avance é acabar com o foro privilegiado. Questão que não está na Lei de Abuso da Autoridade. Em seguida mais um obstáculo: as manobras de enfraquecimento de funções fiscalizadoras, outra faca de dois gumes (se é que entendi as considerações de Everardo Maciel sobre sigilo fiscal e bancário, que precisa ser tratada sem politização, sem arbitrariedade e sem informalidade). O terceiro parágrafo eu li como uma caricatura: de que a nova Lei de Abuso da Autoridade vai levar a que soltem Lula e criminalizem procuradores. Parece-me exagero interpretativo. É o exagero interpretativo que está sendo usado para mobilizar manifestações de rua pelo veto. Prefiro ler como ironia do escritor. Como a irônica observação dos dois últimos parágrafos de que a Lei de Abuso da Autoridade, se é que foi feita para proteger corruptos, pode virar feitiço contra o feiticeiro. “E eles venceram. Mas…” Eu gostei da brincadeira. Mas eu sou a favor da Lei de Abuso da Autoridade. Sergio Moro defendendo o veto só confirma que continuamos vivendo sob o signo da “lavajatice” (ou “lavajatismo”, como prefere Luiz Alfredo Raposo). E eu acho inaceitável que os fins justifiquem os meios.
PS – Quanto à “Mani Pulite” prendeu 3 mil e tantos mas Betino Craxi (que conheci na ONU) escapou. E ajudou a introduzir Berlusconi (que não deixa de ter suas semelhanças com o nosso Bolsonaro, ainda que as taras pornográficas dos dois sejam diferentes).
É verdade, Helga: tudo o que está na LAA já existe na legislação anterior. Sua intenção é apenas de revanche, de intimidação, de tumultuar o devido processo legal.
Dois rápidos exemploe: 1) A prisão preventiva tem três exigências, impedir a fuga do acusado, a destruição de provas ou sua pressão sobre testemunhas. E a quem cabe o juízo dessas condições? Ao juiz, naturalmente. Contra um eventual erro dessa autoridade, cabe recurso à instância superior ou denúncia ao Conselho Superior da Magistratura. 2) O uso de algemas pela polícia recomenda-se para que o prisioneiro não reaja ou tente fugir. E a quem cabe a avaliação de tal possibilidade? Ao policial em ação, não poderia ser outra pessoa. Em caso de abuso, pode haver representação contra o policial, para sua evantual punição.
As circunstâncias em que a LAA foi concebida não deixam dúvida sobre a sua real motivação.
Desconfiar por desconfiar eu também desconfio da real motivação do movimento VemPraRua. E a aprovação na Câmara dos Deputados foi de 342 a 83. Acho exagero interpretativo esse de que 342 estão contra o combate à corrupção. É mais uma questão de equilibrar os três poderes.