Não era muito seu jeito de ser. É verdade que sempre foi detalhista e meticulosa. Mas, não se aventurava muito nas artes da culinária. No máximo um frango com molho de laranja ao forno no fim de semana. Ou, um vinagrete com o tomate bem miudinho que demorava a manhã toda para elaborar. Todos os pedaços deveriam ter o mesmo formato.
Durante 40 anos fomos contemplados com a magia. Devanilda, a querida Deo, nos acompanhou. Cozinheira de mão cheia, tudo fazia com perfeição. As comidas de panela, os guisados, os assados. Não tinha muita paciência para frituras, mas, no resto, era invencível na cozinha.
Tudo na vida tem seu tempo. E ela nos deixou. Aposentou-se e foi morar com a filha e a neta no Rio. Sentimento duplo caiu sobre nós. Felizes por ela procurar seu caminho, literalmente apavorados por perder os momentos de alegria quase diários. A mesa que era certeza de sabores inigualáveis deveria ser reconstituída.
Lúcia toma a dianteira. Assume a responsabilidade de nos prover. Os alimentos seriam preparados por ela, o cotidiano teria que ser recomposto. Muita ousadia dela, assumir a posição da maga no preparar de alimentos.
Três fontes eram as principais. O Google onde tudo se encontra, a Panelinha de Rita Lobo com dicas valiosíssimas e, evidentemente, Deo por ZAP e telefone. A consultoria se fez rotina.
Primeiros tempos nada tranquilos. O feijão que ficava ralo e claro, o arroz empapado, o sal que sempre faltava, ainda bem, os temperos desconhecidos, de uso imperceptível. O medo de arriscar, de se atrever um pouco. Nada era igual a antes. Eu, na torcida, ficava sempre incentivando, não podia desistir, parar no meio do jogo.
Os tempos passando e surpresas surgindo. Peixes maravilhosos, cozidos de grão de bico, à moda da casa de meus pais, muito bem feitos, tortillas espanholas tão boas quanto as da minha mãe. Tudo se encaixando.
Leon, o neto, vai passar o dia em casa. O capricho era redobrado. E ele um crítico implacável, mostrando detalhes, no alto da sabedoria de seus seis ou sete anos. A carne tem que ser menos passada, o arroz e o feijão estão bons, mas na minha casa é melhor. No entanto, reconhecia que a tapioca da avó era a boa, que o peixinho frito estava no ponto, que o frango era muito gostoso. Incentivos para o avançar no jogo.
Chegou à Pandemia e o confinamento foi necessário. Época de aperfeiçoar a técnica, de aprender pratos novos. Assim se passavam as manhãs. Novos molhos, miúdos como iguarias e até sobremesas eram testadas e eu muito agradecia. Percebia que o potencial existente estava se concretizando, que a messa estava voltando a ser o centro de um dos nossos principais prazeres.
Nove meses passados e resolvemos passar uns dias com toda a família na praia. Um teste para as qualidades culinárias da nova desbravadora. Pratos são testados e degustados.
No prato principal, um strogonoff de frango que ela diz à moda Deo. Espesso, com bastante champignon e um toque de especiarias. O vinho é moderado para evitar tomar conta sozinho do aroma e do sabor da comida. Uma verdadeira maravilha.
Uma torta de liquidificador, com queijo e ervas, que ela diz não estar boa. Não sobrou nem uma migalha para a contraprova. Estamos exigindo outra para fazermos a verificação.
A carbonata, com modificações, a beringela em cubos e ervas finas, fez nossa festa. Muito azeite para degustar e molhar o pão. Uma entrada sem igual, além de acompanhar bem os pratos principais.
Vai ter churrasco de peixe, um chutney de manga para acompanhar. Fomos presenteados com duas mangueiras que têm sido bem generosas. O gengibre que aromatiza e dá aquele sabor picante, na língua e nos lábios, inconfundível. Não sobra nada.
Nas saladas, uma de bacalhau com batatas cozidas, com muita cebola, azeitonas pretas e azeite, mais que divino.
No campo das sobremesas, uma mousse, evidentemente de manga, uma verdadeira iguaria. Um toquezinho de gengibre faz a diferença. Faz com que os sonhos doces se concretizem.
Sei que teremos outras surpresas. As aguardamos com muita ansiedade. Os dias ficam mais felizes.
Já foi reserva na área da cozinha, ganhou a titularidade, agora faz gol de placa!!!
Uma verdadeira Chef ???
Deu fome e inveja.