Retrato de Jorge Luiz Borges – autor desconhecido.

 

Os escritores jovens e os passáveis sempre poderão ficar mais aliviados em sua vaidade se souberem que os consagrados, um dia, já fizeram das suas. Aqui vão algumas historietas risonhas sobre o tema: umas citadas de memória, outras com sua fonte. (Deixemos, por breves momentos, a pandemia que nos humilha e amedronta e falemos um pouco da vaidade, que é sempre epidêmica, mas não mata ninguém!)

Quem imagina o sisudo e hoje clássico Jorge Luis Borges colocando furtivamente, quando jovem, um livro seu no bolso de paletós que jornalistas deixavam pendurados numa redação de Buenos Aires?  É o que nos conta o também argentino Alberto Manguel em seu livro “À mesa com o chapeleiro maluco”. Por ele também ficamos sabendo que outro clássico moderno, o poeta Walt Whitman, escreveu “resenhas entusiasmadas” sobre o seu próprio livro “Folhas de relva”…

Proust, na mesma linha de Whitman, também aprontou. Escreveu sobre si mesmo uma página crítica intitulada “A estética de Marcel Proust”, mas, claro, não assinou com o próprio nome. Mandou-a a um editor, que a recusou  dizendo que o “Senhor Proust acharia aquilo muito superficial.”! É o que nos garante Michel Schneider em “L’auteur, l’autre: Proust et son double”, sem tradução no Brasil.

Com Tolstoi (embora não sob a rubrica da vaidade) aconteceu algo parecido ao que ocorreu com o autor de “Em busca do tempo perdido”. Tendo enviado um conto para uma revista de Moscou, o gigante russo se esquecera de assiná-lo. O conto nunca foi publicado pelo periódico. Um dia, o escritor se encontra com o editor e, curioso, pergunta pela obra, e aquele lhe diz que jamais recebera qualquer texto de Tolstoi. O editor pede-lhe que diga o título, e então acham o conto entre os manuscritos… recusados. Mas o melhor vem agora: junto ao conto inédito, uma nota da redação esclarecia o motivo da rejeição: “Má imitação de Tolstoi. Não publicar”!!!

Otto Lara Resende, em seu belo livro de perfis, “O príncipe e o sabiá”, assegura-nos que “Guimarães Rosa gostava de tudo que escrevia. E gostava de elogios. Guardava com carinho os artigos laudatórios. Os que lhe eram contrários, ou lhe faziam restrições, guardava de cabeça para baixo. Era o castigo que impunha aos que não apreciavam a sua obra… E nunca mais os relia”. Fica a receita para nós outros: críticas negativas sempre devem estar de cabeça pra baixo.

Manguel, no mesmo livro acima citado, também lembra que o poeta romano Marcial (40 d.C.–104 d.C.), “gabava-se de que toda a Roma estava enlouquecida por seu livro”. A glória, pelo jeito, começa na própria cabeça dos autores. Outro poeta extraordinário, dessa vez da “nova Roma de bravos guerreiros”, Pernambuco, meu antigo e querido mestre César Leal, talvez tenha ido além de Marcial ao dizer, num fim de artigo, que só lia grandes poetas, dando como exemplo… ele próprio!!! Por sua vez, outra “descendente” pernambucana de Marcial, pesquisadora de uma instituição cultural, ao ser questionada sobre um pormenor técnico de seu primeiro livro, jogou esta pérola aos ouvidos dos editores: “Meu livro está fadado ao sucesso!”.

Sobre vaidade de escritores, ouvi de outro vaidoso, Ariano Suassuna, o caso que se passou com José Lins do Rego. Foi o seguinte. José Lins, como muitos outros escritores e eleitores, não suportava Ademar de Barros por sua fama de gestor corrupto, a quem agradava o tristemente célebre slogan “Rouba, mas faz”. Pois bem, tinha o autor de “Fogo morto” um amigo comum, um escritor paulista, com o então governador de São Paulo. Esse amigo insistia para que José Lins conhecesse Ademar, uma vez que o político paulista se dizia admirador do grande paraibano. Enquanto isso, o romancista só fazia invectivar contra o político.

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. José Lins terminou aceitando um convite para almoço ou ceia na residência de Ademar. Lá se foram os dois escritores ao encontro do governador. Recebidos com fineza e elegância, não tardou que ouvissem Ademar de Barros dizer trechos e mais trechos de cor do autor paraibano. José Lins, é de imaginarmos, inchava de contentamento, sua própria obra entrava-lhe pelos ouvidos como graciosa melodia.

Terminado o mais amável dos encontros, no caminho de volta, José Lins, feliz da vida, foi aos poucos refazendo sua opinião sobre o político paulista até chegar a esta conclusão fatal: “Fulano, disse para o amigo, veja você quantas injustiças se cometem contra os nossos homens públicos!”…

Por falar em José Lins, seu melhor amigo, Gilberto Freyre, era um vaidoso assumido. Corre a anedota de que o mundo teria batido à porta de Freyre em busca de resolver problemas como a guerra, a miséria, etc., e ele teria apontado para um volume de “Casa-grande & senzala” e respondido: “Está tudo aqui, vocês não leem!”. Darcy Ribeiro dizia: “Gilberto Freyre devora elogios como se fossem bombons”. Por sua vez, Mark Twain, romancista e humorista americano, confessava com poético exagero: “De um bom elogio, posso viver dois meses”. Nosso Machado de Assis, que um dia foi Machadinho, também seguiu por essa linha dos assumidos, pois numa crônica nos revelou: “Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado”.

Enfim, para bem concluir, deixo, não sem alguma vaidade, o leitor ou leitora com o sempre sagaz La Rochefoucauld, que nos ilumina a todos e vai à raiz da coisa: “A virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia”.