O dia a dia nos consome. A cada momento fatos são revelados. Nossas atenções se voltam para escândalos e subversões da ordem estabelecida. Como cidadãos não podemos menosprezá-los, mas é importante que retomemos nossas preocupações com o objeto de nossa função social.
Ignoramos, ou momentaneamente deixamos de lado, estar no meio de profundas mudanças de padrão de vida na direção de um novo mundo. Suas consequências, seus caminhos e descaminhos, não são analisados. Mesmo porque não temos claro como fazer. Os esforços não são nesse sentido canalizados.
Tudo muda muito rápido. Internet das coisas, automação flexível, inteligência artificial, se introduzem em todas as atividades da sociedade, nossa alimentação, nossa agricultura depende de transgênicos e biotecnologia, novas energias são a base da próxima matriz produtiva, os polímeros e novos materiais fazem a sustentação dos produtos que já consumimos. Mas quem em nosso redor se preocupa em aprofundar a compreensão dessas mudanças, esses caminhos para outro perfil de coexistência humana?
Não há dúvida de que estamos entrando e aprofundando celeremente nossa convivência com um novo modelo. A era da microeletrônica como o alicerce quase único de um novo mundo está sendo superada. Uma convergência de tecnologias, como nos ensinava Schumpeter, faz com que surja um novo ciclo de investimentos e de mudanças inimagináveis. Tecnologias neurais e cognitivas mostram novas perspectivas saindo de modelos binários e predeterminados.
Thomas Kuhn, um físico, nos ensinou que a isso chamamos de mudança de paradigma. Quando não conseguimos ter respostas às principais questões que nos afligem, surge um novo paradigma, modo de pensar na Ciência que procura responder a estas. Não é melhor nem pior, mas uma base para podermos refletir sobre o que a natureza traz e não conseguimos desvendar com as ferramentas do velho paradigma.
O problema maior está em perceber que, se por um lado as técnicas e principalmente as inovações já apontam para esse caminho, nossas cabeças estão condicionadas a pensar no velho sistema. É difícil abandonar conceitos e preconceitos, é difícil perceber que há impactos muito grandes que levarão a novo estilo de vida, nova maneira de convivência do homem com a natureza.
Nesse sentido, ainda somos muito condicionados ao modernismo, em que a Ciência era fortemente condicionada pela lógica prática, pelos experimentos empíricos, como em Hume, ou por uma racionalidade que advinha do modo de sistematizar nossos pensamentos, como em Descartes ou Kant. O transcendental, aquilo que o cérebro trazia inserido a priori na civilização humana, podia ser abstraído do que o homem vivenciava na vida comunitária.
Latour, um antropólogo francês, nos ensina que a verdade não pode ser buscada dessa maneira. O laboratório não está dissociado da sociedade. Ciência, tecnologia e sociedade não são dissociados. Os problemas que são colocados, os caminhos assumidos, os riscos do incerto, passam por uma rede de articulação cuja quebra pode levar a desastres. Nenhum elo é superior ao outro, todos estão conectados se a procura é de uma sociedade mais justa.
Voltar a pensar o estrutural, em momento de transição de paradigmas técnico-científicos, passa a ser fundamental. Permitir que façamos opções coerentes, que sejam balizadas pela busca de uma sociedade futura mais justa, não pode ser postergado. Momento de retomarmos com seriedade a discussão de temas tão relevantes.
Ótimo texto, nos faz refletir sobre a contemporaneaidade e a diversidade de paradigma.
O social e a tecnologia imbricados, não dissociados, campos distintos mas em interação. Fundamental referência a Bruno Latour.