Cena do fim do mundo. 2012, o filme.

 

Um dos autores do famoso livro Os limites do crescimento, que neste ano de 2022 faz exatamente meio século que foi publicado, Jorgen Randers, aceitou o desafio de pensar o mundo de 2052, ou seja, daqui há 30 anos [1]. Na realidade, quando Randers escreveu a obra faltavam 40 anos para 2052, ou seja, em 2012. E escolheu 2052 exatamente porque faria 40 anos que haveria publicado o livro Os limites do crescimento, sob o argumento, comum, entre os prospectivistas, de considerar o tempo do passado igual ao tempo do cenário futuro, ou seja, se quero cenarizar o mundo dentro de 40 anos devo imaginar a trajetória que ele percorreu nos últimos 40 anos. Esse procedimento permite identificar as linhas de continuidades e descontinuidades em um período de tempo similar ao cenarizado. E serve de baliza para pensar as novas continuidades e descontinuidades.

No livro Os limites do Crescimento, seus autores Denis e Donella Meadows, Jorgen Randers e William Behrens III, recusaram-se a fazer um cenário para o mundo em 2100, ou seja, 130 anos depois. Julgaram, corretamente, que era impossível cientificamente e inútil pragmaticamente, em face da amplitude do tempo a percorrer, e das mudanças inimagináveis que deveriam advir. Preferiram desenvolver diversos cenários e fazer uma análise deles, para que os humanos e suas instituições pudessem visualizar melhor os processos de mudanças, e assim tomarem as decisões para evitar o pior e construir o melhor. Com isso, testaram políticas públicas e inovações tecnológicas, e suas consequências sobre o mundo real. Conforme Randers: “A principal conclusão de nosso exercício seria…sem grandes mudanças, a humanidade está pronta para crescer perigosamente para além dos limites físicos do nosso planeta”. Randers confessa que os coautores acreditavam que essa situação seria evitada com novas políticas públicas adotadas. Hoje ele considera aquela crença como um otimismo juvenil. A humanidade parece estar disposta, ainda neste século, a viver em direção à ultrapassagem, ou seja, além dos limites físicos do planeta. Porém a ultrapassagem não pode durar, não se sustenta. E, nessa situação, os humanos terão apenas duas opções: declínio gerenciado ou colapso civilizacional. 

Em 2012 Randers decidiu construir uma previsão, um palpite consistente, como ele mesmo diz, utilizando conhecimentos de especialistas (cerca de 40), um modelo de simulação dinâmica (que ele usou em 1972 e o aperfeiçoou) e com novos paradigmas, ou seja, rompendo com o paradigma do pós-2a Guerra Mundial (“felicidade via crescimento econômico baseado em combustíveis fósseis”), que está aos poucos desfazendo-se. Decidiu construir seu palpite por razões de ordem pessoal, e porque é sempre melhor ter um futuro imaginado do que nada. E, finalmente, o mais importante para nós: ele acredita que é possível dizer coisas consistentes sobre padrões e tendências para 2052; mas não sobre eventos.

Na consulta aos especialistas, ele lhes pediu que escrevessem o que eles tinham certeza do que ocorreria até 2025, em cerca de 1.500 palavras, e sem qualquer outro limite. Um desses depoimentos, que Randers denomina de vislumbre, é o de Carlos Joly, investidor argentino, ex-presidente do Comitê Consultivo Científico da Natixis Asset Management e cofundador e presidente da UNEP Finance Initiative, tendo lecionado em diversos centros de ensino superior, entre eles: Ecole Supérieure de Commerce de Toulouse, Oxford, Cambridge, Yale, Kellogg Business School, Haute Ecole de Commerce e Université de Paris-Dauphine. 

Eis o seu depoimento, resumido: 

As décadas tenebrosas.

De meio século de aumento de bem-estar estamos indo em direção a uma nova Idade das Trevas. A ascensão social foi um fenômeno generalizado do pós 1945 até cerca de 1990 (eu diria 2008 [2]). Em uma ou duas gerações, famílias saíram da situação de pobreza para a classe média…com crescimento econômico, acesso amplo à Universidade, benefícios negociados pelos sindicatos, seguro saúde etc. As horas de trabalho diminuíram e as férias aumentaram. Mas, nos últimos 20 anos isso começou a mudar. Pessoas em economias maduras pararam de relatar um aumento no seu bem-estar. Elas têm razão de estarem pessimistas. Elas estarão pior.

Na minha visão, nós estamos adentrando uma era de crescente polarização econômica, social, cultural e ambiental (acrescento – política). Em mercados maduros haverá mais pobres e mais iniquidades. Em economias emergentes nós veremos menos pobrezas (com exceção do Brasil?). Eles estão reduzindo as distâncias e os (países) ricos ocidentais estão retrocedendo. Porém ambos terão uma degradação geral das condições ambientais e um aumento na frequência e severidade dos eventos climáticos (críticos), afetando a economia mundial, embora de maneiras diferentes. 

No geral, a comunidade internacional não irá colocar em prática limites robustos para a redução de emissões até que o desastre seja iminente, e então as políticas e o dinheiro irão para respostas e remediações emergenciais, já que a prevenção será vista como não sendo mais possível. A China vencerá este jogo – na energia eólica, tecnologia solar, baterias e ferrovias. 

Simplificando demasiadamente a situação, a causa das atuais crises no Ocidente é o triunfo do capitalismo financeiro, ajudado por suas instituições neoliberais (…) e combinado com o sequestro do governo por uma oligarquia financeira e corporativa. Existem exceções, o modelo nórdico, com sua social-democracia real (atualmente ameaçada). 

Os armários, garagens e sótãos das casas das pessoas estão cheios de coisas. Porém, no nível macro, o mundo é movido por mais produção material. Governos promovem o crescimento tradicional do PIB para criar empregos e arrecadar mais impostos, e apoiam ativamente o capitalismo financeiro, porque acreditam, falsamente, que é o único caminho. A globalização resulta em mais coisas sendo transportadas para o outro lado do globo durante o ano todo, multiplicando emissões.

Ao nível corporativo, volumes crescentes de coisas são o que torna possíveis os níveis de lucros exigidos pelo mercado de ações. E, a exemplo da contabilidade nacional, as contas corporativas não precisam internalizar a poluição e (a) degradação ambiental. (Enquanto isso) nós continuaremos a ultrapassar os limites da natureza, as suas capacidades de assimilação e regeneração para sustentar a civilização e a vida (humana).

O que está sendo contado tem que mudar: a produção e o consumo de bens materiais tem que dar lugar a bens não materiais e não poluentes. Em termos simples, o que fazemos para ganhar dinheiro precisa mudar. 

O resultado é que estamos a apenas quarenta anos (agora 30) de um desastre. Em 2052 (vários cientistas afirmam que bem antes) a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera estará indo para níveis que desencadearão danos irreversíveis em grande escala. Para evitar que cheguemos a este nível, o mundo teria que cortar as emissões por pelo menos a metade. Eu não espero que isso aconteça. Gases de efeito estufa criados pelo homem irão aumentar para além do ponto de inflexão. Novas tecnologias não são uma barreira, nem a falta de dinheiro é um problema. Gastos de guerra cobrem de 2% a 3% do PIB mundial. Levaria muito menos que isso para cobrir os custos de diminuir as emissões.

No entanto, os esforços irão mudar da redução de emissões para a adaptação. Não só a agricultura mudará, mas também a localização de cidades e suas infraestruturas. Com o mercado de ações no assento do motorista, a humanidade irá almejar um contínuo crescimento econômico. 

A sustentabilidade virá a ser identificada com a sobrevivência. Nós temos que parar de nos enganar a nós mesmos com soluções tipo band-aid quando uma cirurgia radical é necessária.

Eu sinceramente espero que esteja errado. Como Romain Roland, humanista e escritor do século XIX, disse: “O pessimismo da mente não exclui o otimismo da vontade” [3].

O interessante é que Carlos Joly não é nenhum esquerdista, nem um ambientalista radical, muito pelo contrário, trata-se de alguém do mundo das finanças. Randers concorda no geral com o financista, mas acha sua visão muito pessimista, pois não vê (não via em 2012) como irão surgir, antes de 2052, mudanças climáticas autorreforçantes. Algo, no entanto, que já está nas entrelinhas do relatório do G1 do IPCC do ano passado. Parece que o mundo tende a ser um pouquinho pior do que habitualmente pensamos. Sobretudo para nossos filhos e netos que viverão, a maioria, até o século XXII. E mais grave: não discutimos o assunto nos espaços políticos e eleitorais, em nenhum país de que eu tenha conhecimento.

 

[1] 2052. Uma previsão global para os próximos quarenta anos. Chelsea Green, 2012.

 [2] As notas entre parênteses são minhas.

 [3] Frase normalmente atribuída a Antônio Gramsci, em versões diversas.