Nas próximas eleições de outubro, como votarão os bolsonaristas? Essa é fácil: votarão em Bolsonaro e nos candidatos que ele apoia. Mas minha pergunta é menos política que sobre comportamento, quero dizer, como votarão na cabine indevassável? Como se comportarão na fila para votar? Refiro-me aos mais exaltados, sem descuidar da intolerância dos menos afoitos. Um breve exercício de imaginação pode se tornar um longo penar. Para isso, basta rapidamente voltarmos às eleições de 2018. Movidos e nutridos pelas palavras de apoio ao armamentismo do então candidato à Presidência da República, muitos daqueles exaltados não hesitaram: teclaram seu voto com o cano de revólveres. Isso mesmo, com o cano de revólveres. Para que digitar com os dedos se há o dedo longo, potente e fálico de um cano de revólver?
Quem analisa e interpreta melhor toda a simbologia da cena acima evocada é a tradutora e ensaísta Luciana Villas Bôas em seu recém-lançado livro “A República de chinelos”, não por acaso subintitulado “Bolsonaro e o desmonte da representação”. Em sua análise semiológica das imagens, a professora da USP e da UFRJ entrelaça três elementos-chave: a urna, as armas e os livros. Para ela, “As imagens de armas sobre a urna são uma tomada de posição em relação à democracia e ao Estado de Direito. Ao acenar para a sujeição da liberdade à coação, do direito à bala, ameaçam, dentro do espaço em que se atualiza o princípio da soberania popular, subvertê-la”. Eis, em síntese afiada, o “discurso” que as imagens cristalizam, aliás imagens bem-vistas e curtidas nas redes sociais. Dispensável dizer que as fotos que circularam na web trazem o display da urna com a inequívoca figura de Bolsonaro, “inconfundível e cúmplice”.
Bem, e os livros? Os livros, recorda o ensaio, “surgiram” na mídia poucos dias antes do segundo turno das eleições de 2018. Foram um achado da atriz Elisa Lucinda, que, em São Paulo, logo sugeriu que os eleitores de Fernando Haddad, professor e ex-ministro da Educação, fossem com livros à cabine indevassável. O contraponto caiu na graça da população, que multiplicou hastags e posts contra as armas e a favor dos livros. Foi um “não” ao poder da força, um “sim” às letras, à linguagem, ao Direito, à cultura. Naturalmente, não terá sido a primeira vez (nem terá sido a última, esperamos) que o livro assumiu o papel de ícone do processo civilizatório.
Posteriormente, livros e armas continuariam polarizando. O presidente flexibilizaria a compra e aquisição de revólveres e pistolas e, por intermédio do seu ministro da Economia, pretendeu taxar os livros… Ações de fato coerentes com seu discurso armamentista e com seu repúdio à cultura (não custa lembrar que, oh inesperada coincidência, o desprezo às universidades e aos livros também fazia parte da ordem do dia de outros regimes políticos!).
Agora, armas sobre urnas, além do sentido literal, conquistam claramente mais um infeliz sentido político e são mais um triste capítulo de uma democracia já em frangalhos. Insuflados pelo presidente, os militares apontam o golpismo do chefe contra a Justiça Eleitoral brasileira. Ao que parece, faltam a esses obedientes soldados simplesmente conhecer bons livros — é o que pensarão muitos, e é provável que pensem bem. Todavia, os líderes máximos deveriam descansar os olhos de batalhas fantasmáticas e imaginárias, pousando-os sobre um único livro: a Constituição Federal. Nela, talvez tomados de honorável surpresa, descobririam que sua função é outra, bem outra, e igualmente digna de respeito e consideração.
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