Como o presidente Lula da Silva não tem nada de ingênuo, muito pelo contrário, a sua ideia de negociação de paz na guerra da Ucrânia parece uma brincadeira, ou uma grosseira subestimação da inteligência alheia, inclusive de líderes mundiais muito mais experientes em questões globais do que ele. Comparando o conflito com uma negociação sindical, Lula disse que Putin e Zelensky deveriam sentar-se à mesa para conversar, como ele fazia com o patrão, quando era líder do sindicato dos metalúrgicos. “A gente chegava com uma pauta, exigindo cem por cento, depois de uma ou duas rodadas, diante da resistência do patrão, baixava as reivindicações para 80% da pauta, mais algumas rodadas, a greve perdendo força, a gente fechava um acordo com 50% das demandas”. Foi mais ou menos isso que ele falou na coletiva de imprensa em Hiroshima, sugerindo um caminho semelhante para negociação de paz na Ucrânia.
Com a sua larga experiência de velho sindicalista, Lula pensa que poderia acabar com a guerra da Ucrânia, bastando que os dois inimigos aceitassem uma negociação com a sua mediação, conversa, muita lábia substituindo mísseis e tanques. Como a proposta de negociação de paz dele parece uma brincadeira, vamos brincar também como num “game” da pacificação na Ucrânia. Já que Lula não se anima muito em pacificar politicamente o Brasil, lá vai ele acabar com a guerra da Ucrânia. Primeiro, vamos supor, como partida do jogo, que ele consiga acertar uma trégua no campo de batalha, para que Putin e Zelensky venham à mesa de negociações.
Como bom negociador, Lula começaria pedindo que os contendores apresentassem suas reivindicações. Putin inicia afirmando que a Criméia e a região de Donbass são territórios russos, lembra do plebiscito que simulou debaixo de baionetas, e exige a anexação total desses territórios ao Estado russo. Do outro lado da mesa, o presidente da Ucrânia reage com raiva. “Esse cara tá de brincadeira, Lula, suas tropas não controlam nem 60% de Donbass e querem que eu entregue tudo. Não entrego nada”. E apresenta sua exigência máxima, a retirada total dos russos do seu território, incluindo a Criméia. E ainda deixa no ar a exigência de reparação de guerra da destruição no seu país.
Lula pede compreensão dos inimigos, serve uma rodada de café, solta uma piada qualquer e abre nova rodada de negociação. Conversa vai, conversa vem, a noite chega, Zelensky já cansado, aceita entregar a Criméia. “E nada mais”, completa batendo com força na mesa. Putin acha pouco, protesta dizendo que a Criméia já é russa, mas baixa a demanda para 80% do território Leste. O presidente da Ucrânia levanta, grita, protesta, chama Putin de mentiroso e termina repetindo que já está cedendo muito com a entrega da Criméia. “Se eu ceder mais, não tenho condições mais de voltar ao meu país”.
Mesmo com o impasse, Lula está satisfeito com o andamento das negociações no primeiro dia. Sugere, então suspender a reunião para o jantar e, depois da refeição, convida os dois para tomarem um uísque na beira da piscina. O experiente mediador evita falar da guerra num momento de relaxamento e estimula uma conversa sobre futebol, sempre dá certo, segundo ele. Desviando a disputa para o futebol, estimula uma catarse que, tem certeza, arrefecerá a intolerância dos dois e a violência militar. “Quem é melhor, o Dínamo de Kiev ou o Spartak de Moscou?” Zelensky reage à pergunta atacando mais ainda o inimigo. “Nenhum dos dois, Lula, o melhor time do mundo eslavo no momento ainda é o Dnipro, que aliás, tem alguns jogadores brasileiros. Mas o Dnipro está sendo destroçado pelo bombardeio russo sobre o leste do meu país”.
Enquanto eles arengam em torno do melhor time de futebol, no teatro de guerra prosseguem alguns combates, apesar do armistício. Zelensky e Putin acordam no dia seguinte, fazendo as contas dos avanços e recuos e das perdas de cada lado com essas escaramuças. No café da manhã, Lula senta alguns minutos com Zelensky, tentando convencer o presidente ucraniano a ceder um pouco mais. “Veja bem, companheiro. O Exército russo é superior. Imagine se a gente suspende o armistício e Putin lança uma grande ofensiva, toma até mais do que a região de Donbass. Não é melhor ceder um pouco e evitar perder mais território? Além da perda em vidas humanas”. Não encontrou receptividade no intransigente Zelensky, convencido que, ao contrário, com o apoio militar e financeiro da OTAN, pode ainda empurrar as tropas russas mais para fora do território ucraniano. Mas Lula sente que deixou a semente de uma pequena dúvida que deve florescer depois. Em seguida, o mediador chama Putin de lado e lembra que a Ucrânia estava para receber novos armamentos do Ocidente e poderia romper a frente russa, retomando parte do pouco território que estava ocupado. “Vocês poderiam aceitar um pouco menos, Zelensky pode ceder algo mais e acaba a guerra. Essa guerra está matando muitos russos, daqui a pouco teu povo não vai gostar, companheiro”.
Começa o segundo dia de negociações, com Lula pedindo que os dois lados refizessem as suas propostas de acordo. Preocupado com a conversa de Lula no café da manhã, o presidente da Ucrânia aumenta a oferta, aceitando ceder 40% da parte leste do território ucraniano que já estava ocupada pelas tropas russas. Além da Criméia, claro. Exultante, Lula abre um largo sorriso e, batendo palmas, passa a palavra para Putin. O presidente bate de leve na mesa e faz o lance definitivo: “a Criméia e 50% do que está por trás da linha do armistício, e não se fala mais nisso”. Zelensky se levanta, aperta a mão do inimigo, e, aleluia, a guerra acaba.
Os três se abraçam e chamam a imprensa para anunciar que Lula tinha acabado com a guerra em apenas dois dias de negociação. O primeiro a falar para a imprensa é o mediador: “Eu não disse que bastava conversar que a gente chegava a um acordo? Teve um uisquinho no meio que ajudou, é verdade, mas foi a boa vontade dos meus amigos Putin e Zelensky que permitiu este acordo no qual todos ganham. Bom, minha experiência de negociador em São Bernardo também contribuiu, não é mesmo?”.
Putin volta para Moscou comemorando a vitória, tinha anexado pedaços da Ucrânia, é saudado como o grande estadista, o povo lembrando de Pedro o Grande e de Stálin. Na Ucrânia, o povo vai às ruas para saudar a vitória e o fim do sofrimento. Que vitória? Bom, perderam parte do território, mas agora podiam entrar na União Europeia e até na OTAN, para evitar nova hostilidade do poderoso vizinho. Esta opinião não é unânime na Ucrânia. Na imprensa e nas ruas, muitas críticas a Zelensky. Várias lideranças ucranianas não gostam do resultado, parte da população protesta, e os comandantes militares sentem-se humilhados e traídos.
Alguns dias depois, as tropas ucranianas concentradas na linha do armistício iniciam uma grande ofensiva para retomada dos territórios ocupados, e que Zelensky tinha cedido aos inimigos. Mísseis russos reagem, com bombardeio de várias cidades ucranianas, incluindo Kiev. A guerra volta em grande escala.
Mesmo assim, Lula terá se tornado um forte candidato ao Prêmio Nobel da Paz.
Perfeito Sérgio
Mas, eu q recebi a cidadania portuguesa por meu trabalho de prof de Microeconomia na mais nova universidade publica do interior de Portugal, fico com o “game” da União Europeia , a favor da integridade da Ucrânia.
Viva Kiev. Viva Odessa.
Glória à Ucrânia!
Amigo Sérgio,
A alegoria sobre as bisonhas intervenções do nosso presidente “comporta temperamentos”, no meu parecer. Embora de forma pouco feliz, Lula me parece estar certo ao não alinhar nosso país aos interesses das “potências ocidentais”. Entupir de armas a Ucrânia só resultará no sacrifício de mais ucranianos. Ou alguém acredita que o país invadido pode ganhar essa guerra? Só se põe termo a uma guerra – se não for pela completa destruição do inimigo – com concessões. Os russos fizeram isso, na Primeira Guerra Mundial, em favor dos alemães, para parar com o morticínio de trabalhadores russos, de fome e frio, nas trincheiras de um combate sem perspectivas de vitória. Não há outro meio, nunca houve. E só interlocutores neutros podem ajudar nesse esforço de conciliação. Ou não? O futuro nos dirá.
Dois comentários, Clemente. 1. não fornecer apoio militar à Ucrânia levaria a uma vitória da Rússia que, aí sim, tomaria toda a Ucrânia, até porque, na visão de Putin, a Ucrânia como país. O Brasil está certo em não fornecer armas, mas se os EUA e a Europa não “entupisse de armas a Ucrânia”, a guerra a acabava, é verdade, e Ucrânia também, passaria a ser parte da Rússia. 2. Lula não tem demonstrado neutralidade, seus gestos e suas palavras são claramente de simpatia à Rússia motivado por um antiamericanismo primário. Ele não tem nenhuma credibilidade como mediador neutro nesta guerra.
Para completar o meu comentário acima, ficou truncado: “até porque, na visão de Putin, a Ucraína não existe como país”, foi uma invenção de Lênin, disse ele em um pronunciamento anterior.
Acrescento apenas um contraponto: a única exigência EXPRESSA de Putin, antes da guerra, foi de que a Ucrânia não entrasse na OTAN.
Em apoio à minha tese, cito três americanos: Henry Kissinger (que todo mundo conhece), George Kennan, ex-embaixador dos EUA na União Soviética, e um professor de Universidade americana, de quem ouvi uma longa explanação: Mearsheimer (se gravei bem o nome).
E a questão permanece: como acabar a guerra?
Com essa “negociação” é candidato certo ao Nobel da Paz, concordo. E como ele vai se candidatar a Papa?
Na nossa cultura, o “Peso da Hierarquia” faz com que comportamentos e atitudes praticados por níveis mais altos afetem os níveis subordinados, daí surgindo as conhecidas constatações: “o exemplo vem de cima” ou “a palavra induz e o exemplo arrasta”.
Por isso, estamos vendo que a corrupção das nossas autoridades, não só evoca, mas provoca e determina a corrupção dos seus subordinados.
Em outras palavras: quando um superior hierárquico não cumpre com a Lei, seus dependentes se sentem com o direito e -quase que- com a ”obrigação” de fazer o mesmo.
É evidente que isso tudo explica a destruição da Venezuela, do Rio de Janeiro e do resto do nosso País. (Fernando Ribeiro de Gusmão).
A “simulação jocosa” que faz Sérgio Buarque mostra bem que a pretensão de “pacificador de Lula” é fora da realidade. E nem é porque Lula seja “inexperiente”: muito mais porque o Brasil não está entre os países com poder e atualmente até o “soft power” anda mais fraco. Lula deslumbrado está superestimando a si próprio e superestimando o poderio do Brasil e a sua possibilidade de se apresentar verdadeiramente como “neutro” ou pelo menos com interesses definidos. Não vejo que Lula esteja defendendo os russos, está é cambaleante, isso sim, ora defende Putin ao dizer que não é o único que tem culpa no cartório, ora condena a invasão russa como fez no G7 e na ONU. Quem acha que Lula apoia Putin porque não se encontrou com Zelensky está superestimando a importância tanto de Lula quanto de Zelensky em qualquer acordo possível.
O único que tem credibilidade e requisitos para ser mediador é Xi Jinping. E não se apresenta como tal para defender Putin, e sim, pelos interesses nacionais da China. Kissinger obervou que Xi Jinping, que se comunicou com Zelensky mês passado, pode estar se posicionando para mediar entre Rússia e Ucrânia, e que o “Ocidente” não deve temer isso, pois China e Rússia “não são aliados naturais”. Nunca foram.
A China considera que a Ucrânia deveria permanecer um país independente e advertiu contra o uso de armas nucleares. Kissinger acha que chineses poderiam até admitir a entrada de Ucrânia na OTAN, o que para ele tem que estar na mesa de negociação e ser parte de qualquer acordo. Quer a Ucrânia na OTAN “como forma tanto de restringi-la quanto de protegê-la”. Pois no momento armamos a Ucrânia “a ponto de que será o país mais bem armado com a liderança menos estrategicamente experiente da Europa”.