Homem escrevendo - Gustav Calleboitte

Homem escrevendo – Gustav Calleboitte

 

Meses atrás, um amigo convidou-me a colaborar com esta revista. A princípio, embora agradecido, respondi que não o poderia fazer, considerando os muitos compromissos que já tenho – pela manhã, faço nada; à tarde, descanso; à noite, planejo as inatividades do dia seguinte – mas, em seguida, pensando melhor, aceitei. Porém, não, sem antes me livrar da grande dúvida:

– Posso escrever um monte de mentiras, sob o disfarce da ficção literária?

– Sim.

– Então, já comecei.

De fato, não tenho 24 horas diárias livres para o almoço, como dizia Maurício Romão, a respeito dos aposentados em geral. Sou bem ocupado, até. Escrevo, escrevo e escrevo. Tenho um livro prontíssimo levando chá de espera na editora e outros dois ainda dormindo no disco rígido de meu computador. Mas quem me lê agora não deve acreditar muito nisso pois, se tenho o direito de mentir, tanto posso tê-lo exercido no primeiro parágrafo quanto neste.

Na dúvida, duvide.

É o que eu sempre faço. Por exemplo: conto uma historinha – aqui ou alhures, real ou inventada, que importa? – e, em seguida, me pergunto se o leitor vai pôr meu nome no Procon por tê-lo induzido a gastar seu tempo com tamanha idiotice, ou se, ao contrário, ele vai adorar o texto, ao ponto de fundar uma ONG só pra me garantir uma pensão vitalícia após eu ser expulso da Será? (Será que serei?)

Uma historinha como esta (obrigado, Yony Sampaio): havia uma casa e um velho que morava na casa. Uma casa de campo, um velho também do campo. Na frente da casa, havia uma árvore, mais velha do que o velho que morava na casa. Uma dia, cortaram a árvore. O velho garante que a sua sombra – a da árvore, é claro – demorou um mês pra ir embora, tão acostumada que estava ao lugar.

Ou esta: Normando, filho de Orlando, pai de Dilermando e avô de Fernando, encontrou-se na rua com Wesllinson, filho de Richarlisson, pai de Eufillison e avô de Zelindson. Normando estava acompanhado de Orlando, de Dilermando e de Fernando; Wesllinson trazia consigo Richarlisson, Eufillison e Zelindson. Não conversaram muito, pois logo um ônibus desgovernado atropelou todos eles, reduzindo-os a pedaços. No enterro, juntaram-se num mesmo caixão os braços de Richarlisson, o tronco de Fernando, as pernas de Dilermando e a cabeça de Eufilisson. Noutro, foram enterrados os olhos de Zelindson, a batata da perna esquerda de Normando e as orelhas Wesllinson; no terceiro e último caixão disponível empacotaram o que sobrou daquilo tudo. Nem o cuidado de separas os Sons para um lado e os Andos para o outro tiveram.

São essas as historinhas que eu tinha pra contar, hoje, na primeira matéria como colunista da Será? Meu medo é que alguém perca a paciência e mande um recado para a revista:

– Demite logo esse cara, Sérgio.