Revolução de 1817

Revolução de 1817

 

Pernambucano é geralmente magro. Apaixonado no temperamento. Semeador na cultura. Magro, como João Cabral de Melo Neto. Excepcionalmente gordo, como Ascenço Ferreira. Dado a discussões. Principalmente quando se trata de Sport e Náutico. Aqui, é sim ou não. Condenado ou absolvido. Parece não haver meio termo. Uma graduação de cores. Já se disse que a sede do juízo final é a pracinha do Diário. Ao meio-dia.

A paixão do pernambucano o leva, de certo modo, a um traço conservador. Independente de ideologia de direita ou de esquerda. Conservador em termos sociais. Na fronteira do machismo. Conservador em termos grupais. No corporativismo de categorias. Desconfiado em relação a mudanças. Embora isto não o impeça de mudar. De fazer novas escolhas. De experimentar. De avançar. Estamos, agora, com uma governadora. E uma vice.

Cultura é seu atributo natural. Está nas suas origens. Polo onde foi fecundada a imprensa. Onde se formou o conceito de independência em Frei Caneca. No século 17. Um de seus destinos. No século 21, somos sede de modernas oficinas de arte, museus, dança, música, teatro. Editoras e revistas. Terra de poetas, ensaistas, historiadores.

Provinciais e não provincianos.

O pernambucano é, ao mesmo tempo, ligado ao passado e contemporâneo do futuro. Porque, de um lado, na escassez de recursos, mantém vivas as referências de sua história. E, de outro lado, constrói futuros. Agarrado ao fazer cotidiano. Sertanejo, agrestino ou litorâneo, o pernambucano não tem limite de espaço, de montanhas, geografias. Seu horizonte é o mar. Sua via por excelência é o Atlântico. E sua vocação, a abertura para o mundo.

Em horizonte tão amplo, vive muito para dentro do que para fora. Convive e conflita democraticamente com grupos sociais diferentes. A açucarocracia, como disse Evaldo Cabral de Melo, alonga-se em burguesia noviça. Desdobrada em economias criativas, terciárias. Classes médias diversificadas em profissões liberais, antes só de advogados médicos e engenheiros, agora de informáticos, publicitários, executivos, arquitetos, empreendedores. E, na base, o povão. A massa. Precária. Na opinião de um cronista pernambucano, olhando a torcida do alto da arquibancada do estádio do Santa Cruz.

O pernambucano é mais voltado para a concentração do que para a expansão. Mais introvertido. Não expansivo como o cearense. Sem talento de marketing pessoal. Como o baiano. Mantém o espírito de província no sentido de valorizar sua terra e de integrar-se ao todo nacional. Como disse Nilo Pereira:

“Grandes provincianos foram aqueles que lutaram pela integração. Não perderam o sentimento da terra. Nem o que significa no complexo das realidades brasileiras encaradas como uma realidade só, embora diversificada” (Pernambucanidade, 1983, pg. 385).

Não sabemos realçar o que fomos. O que somos. O que temos. Não contamos com a capacidade de mostrar, de acentuar. Novamente Nilo Pereira:

“Não celebramos nossas grandes datas. As novas gerações pouco sabem de nossas revoluções liberais, 1817, 22, 24, 48. A revolução de 17 durou 57 dias. E implantou o primeiro governo independente e republicano. A Convenção de Beberibe antecipou a autonomia de Pernambuco governado pela lucidez de Gervásio Pires Ferreira. A Confederação do Equador, na emoção de frei Caneca, anunciava em seu jornal, Typhis Pernambucano, as ideias que fermentavam a Europa.”

Como se aprendêssemos de esconder de nós mesmos. Ainda bem que Aloísio Magalhães lutou e conseguiu, na Unesco, o título de patrimônio mundial para o barroco olindense. Secretário nacional de Cultura, ele defendeu a continuidade do processo de identidade no contexto internacional. Preservando o perfil da cultura nacional. Na noção de bens culturais, materiais e imateriais.

Na economia, o pernambucano está mais ligado ao permanente do que ao passageiro. Não tem fascínio por modismos. Sabe relacionar-se com a tradição. Que promove a continuidade. E esquece o progressismo superficial. Em Pernambuco, tolera-se certa maledicência. Gustavo Krause disse: “Aqui não se suporta mulher bonita, homem de êxito e casal feliz”.

Aspecto curioso das famílias pernambucanas são os nomes das pessoas. Gerardo Melo Mourão, em Um Senador por Pernambuco – Antônio de Barros Carvalho, Topbooks, 1999, escreveu: “Pensou em assinar Antônio da Costa Gouveia de Barros Carvalho Arcoverde Cavalcanti de Albuquerque Maranhão, na sucessão de sobrenomes em que mergulham as raízes da frondosa genealogia pernambucana”. Terminou assinando Antônio de Barros Carvalho.

O pernambucano não é só atraído pela natureza humana. É igualmente fascinado pela natureza física de um território longitudinal. João Cabral de Melo Neto disse que, em Pernambuco, tudo é vertical. Salvo as linhas de seu mapa estreitado pelos castigos imperiais. Acrescento: acalentado nas barrancas são franciscanas, abraçado às águas atlânticas. Carlos Pena Filho escreveu;

“Desta planície azulverde, cidade de rio e mar, irei até onde a terra deixou terras por achar, nas claras ruínas do sol, de chão cego aos vegetais e que de amor tem apenas as patas dos animais. Entre canas, pelo rio claríssimo, aí começo, sob o duro sol do estio meu luminoso regresso”.

Pernambucanos, somos de fé, de crer. Desde os tempos da colonização. Católicos romanos, evangélicos. Religião tem sido convicção e hábito. O misticismo ultrapassa a superstição. E sugere o sincretismo religioso. João Cabral disse: Pernambuco é ponta geográfica e lança política.

Pernambuco, no percurso da história, percorreu um caminho que foi, ao longo do tempo, descartando as revoluções e assumindo as reformas. Desenvolveu uma pedagogia social. Patrocinou três revoluções na primeira metade do século 19. E, no século 20, passou a trabalhar reformas nas políticas públicas: educação, saúde, irrigação no meio rural, posturas de edificação no meio urbano.