Nesse mundo digitalizado, de blogs e portais, de notícias em tempo real e da morte dos jornais impressos, muitos leitores de hoje não imaginam como eram temidos e idolatrados os “colunistas sociais”, com espaço cativo nos matutinos e vespertinos daqueles alegres anos. E como tinha prestígio aquela “casta”, como era bajulada, principalmente nas famílias de alto poder aquisitivo, com seus jantares à luz velas, suas gravatas “black-tie”, suas mulheres de vestidos longos cheirando a “Chanel número 5”.
Não importava quanto deviam ao Banco do Brasil, especialmente donos de usinas semifalidas, até porque o Poder Público era conivente com essa inadimplência.
Diziam os mais antigos –e mais irreverentes – que nos inícios dos anos cinquenta do século passado, duas pessoas tinham força em Pernambuco: o governador Agamenon Magalhães, que voltava ao poder pelo voto direto, após ter sido Interventor durante o Estado Novo, e ainda cultivava o mesmo caciquismo de antes; e o jornalista Altamiro Cunha, colunista social do Diário da Noite.
O bom Altamiro escolhia as 10 mais elegantes, promovia bailes, era confidente de “bonecas” e “deslumbradas”, anunciava amores feitos e desfeitos, falava de artes, de espetáculos, de diversões, fazendo jus , integralmente, ao que se chamava de “mundanismo” no jornalismo
de então. Estaria tudo bem, tudo mundo muito bonito, se não fosse um pequeno, porém: Altamiro brilhava no Diário da Noite, o jornal vespertino do empresário F. Pessoa de Queiroz, proprietário igualmente do circunspecto e tradicional Jornal do Commercio, o matutino de muito prestígio e líder de um Sistema que compreendia também uma rede de emissoras de Rádio, na capital e no Interior. (A Televisão só viria alguns anos depois).
Entendia F. Pessoa de Queiroz que “colunismo social” não caía bem nas páginas do seu jornal mais nobre, onde escreviam e colaboravam intelectuais daqui e de fora: melhor que ficasse no Diário da Noite, que valorizava também o noticiário policial e esportivo – considerados na época um “jornalismo menor”.
Como nenhum jornal, matutino ou vespertino – sobrevivia sem leitores, o sucesso de Altamiro entre os remanescentes de uma aristocracia, mesmo em decadência e démodé, começou a incomodar F. Pessoa de Queiroz: ele gostaria de ouvir aqueles elogios a Altamiro sendo feitos ao outro jornal, carro-chefe do Sistema. Verdade que o JC publicava uma vez por semana uma pequena crônica sobre algum acontecimento social, assinada por Isnard de Moura, mas longe do prestígio e da repercussão que tinha Altamiro, assinando uma página inteira com seu “jornalismo mundano”. E vai aqui um parêntese: Isnard de Moura foi a primeira mulher em Pernambuco a trabalhar como profissional numa redação de jornal. E dois dos seus sobrinhos – Adonias Moura e Abdias Moura – também fizeram história no jornalismo pernambucano.
Naquela mesma época em que brilhava Altamiro, começavam a crescer no jornalismo nacional os nomes de Ibrahim Sued e Jacinto de Thormes (pseudônimo de Maneco Muller), no Rio de Janeiro; e de José Tavares de Miranda, em São Paulo, todos fazendo o mais puro e mais sofisticado colunismo social, até porque, lá como aqui, pululavam a vaidade e o provincianismo. E foi esse o argumento usado pelo jornalista Esmaragdo Marroquim, Secretário de Redação do Jornal do Commercio, para convencer F. Pessoa de Queiroz a acatar, no matutino, sua primeira coluna social. Para assiná-la, convidou o jornalista José de Souza Alencar, um jovem bacharel recém-saído da Faculdade de Direito do Recife, que ainda estudante fazia crítica de cinema e assinava no Diário da Noite uma coluna, com o título de “Night & Day”. José de Souza Alencar aceitou o desafio, adotou o pseudônimo de “Alex” e o colunismo social em Pernambuco teve por mais de 50 anos seu nome como referência nesse campo. E a bem da verdade, Alex fez escola: vários jornais do Norte/Nordeste também criaram suas “colunas mundanas” e seus titulares beberam um pouco da fonte desse novo guru, que havia desbancado Altamiro. Foram eles Jota Epifânio, do Rio Grande do Norte; Cândida Palmeira, de Alagoas; Lúcio Brasileiro, do Ceará; Pergentino Holanda, do Maranhão; Rômulo Maiorana, do Pará. Todos viraram referências em seus Estados.
Como se vê, não eram apenas os jornais de F. Pessoa de Queiroz que nadavam de braço nessa nova maré, e que iam criando, aos poucos, as colunas assinadas. Algumas vezes, com muito pouco de notícias “mundanas”, como se dizia na época. Falavam de economia, de política, de negócios, etc.
E o tempo caminhava, as rotativas não podiam parar. Os jornais, aos poucos, ganham novas caras. O jornalista Fernando Chateaubriand, filho do fundador dos Diarios Associados, que foi enviado pelo pai, no final dos anos cinquenta, para dirigir o tradicional Diário de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação na América Latina, teve papel importante na modernização da Imprensa pernambucana. Não tão importante quanto a “Última Hora Nordeste”, de Samuel Wainer, no início dos anos sessenta, com diagramação ousada e moderna, e uma política salarial que permitia aos Jornalistas dedicação exclusiva ao jornal. E sem a censura, velada ou não, que permeava nos outros Jornais. Com essa liberdade, as colunas, assinadas ou não, passaram a ter, também, mais liberdade para informar e comentar. De modo geral, as colunas dos jornais pernambucanos ganharam robustez e se tornaram fonte de informação exclusiva e confiável – tais como “Política & Políticos, no Jornal do Commercio; “Periscópio”, no Diário de Pernambuco; “Na Hora H”, na Última Hora. E dia após dia, a leitura de colunas assinadas se consolidou: não mais o noticiário meloso dos tempos de Altamiro Cunha – mas seções indispensáveis nos jornais, matutinos ou vespertinos, cada uma brigando para ser mais informativa, para ter a informação de primeira mão, para ganhar respeito e confiança dos leitores, durante muitos anos, perdendo a batalha apenas para o mundo digital, onde muitos analfabetos criaram blogs, muito mais como fonte de negócios, sem nenhum compromisso com a ética ou a verdade, alguns usados para disseminar “fake news”, sem qualquer controle por parte da sociedade, da justiça, das “big techs”. Outros tempos, outra realidade.
Dirigi a redação do Jornal do Commercio, já com novos controladores, por cerca de 30 anos. E convivi com “meus colunistas sociais” – inclusive Alex, que encontrei como “sobrevivente” quando assumi a Redação. Evidente que seu “prestígio” decaíra; ele já ocupava o mesmo espaço há mais de 40 anos – estava cansado, os leitores não eram mais os mesmos representantes daquela aristocracia açucareira, que nem havia mais.
Seguindo o curso natural da vida, a coluna dita “social” foi ocupada por novos Titulares; noticiário mudou o perfil e ampliou o conteúdo; aquele espaço continuou sendo estratégico para o jornal. Se esse “mundanismo” esteve umbilicalmente ligado à história dos principais jornais brasileiros, de Norte a Sul do País, ninguém, em qualquer lugar, sob quaisquer condições, pode negar sua relevância, mesmo enaltecendo rufiões e enganadores, rostos femininos recauchutados pelas mãos de bons cirurgiões, ressacas tremendas provocadas por uísque de má qualidade. Mas, como nos versos de Fernando Pessoa, “tudo valia a pena”….
Excelente texto, relatando em detalhes o nosso jornalismo por quem entende com profundidade.
Agradável texto de Ivanildo Sampaio. Sempre li jornal de cabo a rabo. Gostava do colunismo social. Como vivi a adolescência no Rio de Janeiro (anos 1950), conheci bem Ibrahim Sued e Jacinto de Thormes, tendo amigos de famílias que eram protagonistas desse colunismo (tive um colega de turma Dolabella; outro, sobrinho do presidente JK). Eu simpatizava com Alex, havendo conversado com ele algumas vezes. Por isso, agradou-me ler o que Ivanildo Sampaio escreveu.