O filme Juventude transviada tem uma origem um tanto peculiar: o roteiro foi escrito por Stewart Stern, com base na adaptação de Irving Shulman para uma história de Nicholas Ray. Os argumentos, prospectados por Ray, derivam do livro homônimo, do psiquiatra e pesquisador Robert Mitchell Lindner, publicado em 1944, consistindo em um estudo de caso sobre o comportamento delinquente de Harold, o sujeito de pesquisa submetido a sessões de análise e hipnose.
O filme teve o seu título adaptado na língua portuguesa. Em caso de tradução literal teria sido chamado de “Rebelde sem uma causa”. No entanto, a escolha foi bem outra! Mas, qual o impacto disso? A tradução literal destacaria a dimensão individual – no caso, o protagonista Jim. Contudo, a versão brasileira enfatizou a dimensão coletiva – a juventude – ressaltando o eixo narrativo da trama, desenvolvido em torno da trajetória dos jovens Jim, Judy e Platão.
Estava em vigor outra noção de rebeldia e ela está representada no filme, particularmente em seu título original – Rebel without a cause. Todavia, qual é o sentido dessa mudança? O alvo da revolta dos jovens é a instituição familiar e não mais a estatal; o espaço público – a rua – serve como palco de exibição das performances contestatórias, mas com o objetivo de atingir o espaço privado – a casa. Portanto, a rebeldia é, sobretudo, de natureza individual.
Ao menos até meados da década de 1940, a noção de rebeldia está profundamente relacionada com a política, ou seja, o rebelde era um militante político, sobretudo, um militante de esquerda (anarquista, socialista, comunista etc.). A finalidade da ação rebelde era a revolução, originada da ação política coletiva, considerada como a única maneira de solucionar os problemas da humanidade.
A concepção de rebeldia, indicada no título do filme, rompia com os padrões de compreensão da época, uma vez que, até aquela conjuntura, o rebelde lutava por uma causa macropolítica, relacionada à situação econômica – a pobreza acima de tudo – com o objetivo de romper com a situação de exploração a que os pobres eram expostos.
Os rebeldes representados no filme não são operários, mas jovens de classe média, detentores de boa qualidade de vida. Portanto, o processo de construção de identidade social é o ponto central do enredo. Tal construção converte-se, ao menos nessa narrativa fílmica, na primeira etapa de constituição de uma consciência histórica.
A cena de abertura introduz o telespectador na tensão dramática do filme. Jim vem cambaleando pela rua, visivelmente embriagado, parando ao se ver diante de um macaquinho de brinquedo caído ao chão. A cena tem a duração de pouco mais de um minuto, realizada em um plano único. Para a sua realização, a câmera foi postada em um ponto fixo de onde registra a interação dramática entre o ator e o brinquedo.
A maneira cuidadosa e meiga que o jovem trata do brinquedo, deita-o, fazendo do papel de presente um cobertor e do laço um travesseiro. A metáfora visual remete ao vazio existencial do próprio Jim, angustiado pela falta de cuidados, necessitando de inserção familiar, sentindo-se carente de proteção, apesar de viver em uma família nuclear, de classe média, portanto, em boa condição financeira.
A razão para a revolta dos jovens está simbolizada na figura paterna. A ausência de orientação oriunda do pai, o adulto da relação, deixa esses jovens sem capacidade de se orientar na sociedade. A identidade social é construída pela negação da figura paterna. Os valores e os projetos de vida, o papel social, assim como a projeção de futuro para suas vidas são formatadas pela negação desses elementos tal como materializados em seus pais.
A consciência histórica dos jovens, tal como representada no filme, segue dois vetores intrinsecamente ligados à autoridade dos pais. A dialética autonomia vs. heteronomia é o primeiro vetor. O segundo se refere à dinâmica conflito vs. conciliação. Na ausência de valorização de seus desejos, ideias ou reflexões, os jovens são levados ao enfrentamento, abraçando uma postura heterônoma e conflituosa.
Na representação fílmica, a juventude confronta, afronta, provoca. Os adultos em sua vida não têm, necessariamente, a capacidade e/ou sensibilidade de notar as motivações subjacentes a tais atos. Por conseguinte, a revolta vem como resposta à condição juvenil.
Juventude transviada é um filme feito para a juventude, mas com a intenção de transmitir um alerta à sociedade: o distanciamento afetivo entre pais e filhos; entre os indivíduos, famílias e comunidades ou, ainda, entre sujeitos e instituições sociais conduz à anomia e a desestruturação social.
Não foi pensado, em sua origem, como filme apologético à juventude, mas sim, como porta voz de uma mensagem: cresçam e sigam os passos de seus pais; e mais, quando os exemplos paternos não forem salutares, então que os jovens sigam em sentido oposto. Quando tudo o mais falhar, saibam que as instituições estatais serão o último suporte, ainda que seja a polícia.
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