A conhecida postulação de Rui Barbosa sobre a desilusão humana diante do avanço da iniquidade, de tão cediça, já não serve para epígrafe deste texto.  No entanto, valemo-nos dela, decompondo-a, para figurar a ignominiosa situação que vivemos atualmente em nosso país.

Comecemos pelo “triunfo das nulidades”.  Tivemos que encarar, não faz muito tempo, a nomeação para a presidência do Banco do BRICS, o Banco das potências emergentes, de uma cidadã monoglota, sem domínio perfeito do próprio idioma vernáculo – fato demonstrado em várias intervenções em fóruns internacionais – sem conhecimento de questões financeiras nem de relações exteriores.  Justificativa?  Nenhuma, a não ser a veleidade de compensá-la pelo impeachment e o ostracismo sofrido em consequência, por parte do eleitorado.

Passemos para a segunda apóstrofe: “prosperar a desonra”.  Foi-nos imposta, mais recentemente, a posse no Ministério da Justiça de um ministro do STF que enxovalhou a sua toga, ao avalizar o “fatiamento” de uma sentença de impeachment, ferindo a letra e a “mens legis” da Constituição Federal, ao desconsiderar a natureza vinculante da preposição COM, na expressão “perda de mandato COM suspensão dos direitos políticos …” 

Este ministro, aliás, já se comportara como contestador, em vez de revisor, no relatório do Ministro Joaquim Barbosa sobre o vergonhoso “Mensalão”, exasperando o relator, e também trocando mensagens com outra figura integrante do STF, para eventuais mudanças no seu voto, fato flagrado e documentado por um esperto jornalista com sua teleobjetiva.  Além disso, em discussão com o atual presidente do STF sobre a suposta suspeição do juiz Sérgio Moro, insistiu em validar gravações ilegais de hipotéticas conversas entre o coordenador da Operação Lava Jato e agentes externos, gravações essas não reconhecidas pela Polícia Federal. Em tudo, um comportamento de serviçal partidário, que nada pode ter de honroso.

A incriminação do velho Rui prossegue com a referência a “crescer a injustiça” e “agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus”. E aí assoma a figura de outro ministro do Supremo Tribunal – cujo único cacife para tal mister foi a condição de advogado do Partido do presidente da República – com a decisão monocrática de anular todas as delações premiadas dos executivos da Odebrecht, e cancelar as multas atribuídas no âmbito da Operação Lava Jato. A pecha de injustiça se consuma quando deduzimos que já há um consenso de que o plenário do STF tão cedo não se manifestará sobre tal decisão. Ou, simplesmente, a ratificará: as delações da Odebrecht envolvem mais de uma centena de deputados, e membros do Poder Executivo. O vaticínio do grande jurista está completo.

O argumento para tal decisão do ministro é pueril, para não dizer ridículo: teria havido coação de procuradores e juízes sobre os investigados. Ora, um grupo empresarial de dimensão internacional, com sólida assessoria jurídica, não poderia ser vítima de coação, como reles meliante. O que houve é que sua direção superior entendeu, corretamente, que seria melhor, para a empresa e as pessoas envolvidas, colaborar com a Justiça. E os participantes do ominoso Departamento de Atividades Estruturadas, na verdade um departamento de propinas, foram orientados para confessar seus crimes e assim reduzir as penas.  Ninguém devolve o que ganhou honestamente, sejam centavos ou bilhões de reais.  E – absurdo dos absurdos! – a prevalecer o entendimento da nulidade, pela lógica, os milhões já recolhidos ao Tesouro Nacional deverão ser devolvidos aos criminosos.

Mas os “poderes nas mãos dos maus” só estarão completos quando o juiz Sérgio Moro, hoje senador, for julgado e condenado pelo TRE, sobre supostas irregularidades eleitorais, e seja possível “acabar” com ele (para evitar a expressão chula, indigna de um presidente da república, que veio ao conhecimento público a esse respeito).  E tal escândalo está em via de acontecer. Teremos então uma total inversão de valores, o herói passando a bandido, e vice-versa.  E todo o trabalho de moralização dos costumes políticos nacionais, que parecia augurar uma nova era na vida pública brasileira, estará reduzido a uma pantomima, menos significativa ainda que as sombras do mito platônico da caverna. Será a vitória da corrupção. E teremos, indefinidamente, “more of the same”. 

O que nos resta?  Amaldiçoar os responsáveis, como fazia Arnaldo Jabor, cronista brilhante, em seus escritos?  “Desanimar da virtude”, “envergonhar-nos por sermos honestos” apesar de tudo? Melhor dirigir aos que ainda podem, mesmo parcialmente, reverter a tragédia anunciada – os outros ministros do STF – outra advertência do mestre Rui Barbosa, talvez menos conhecida, que reproduzo como peroração a este texto;

Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos!  O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde”.