João Rego

Oito de dezembro, dia da Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Recife. Todos os anos é a mesma correria: grande parte da classe política se empenha sofregamente em subir o morro, contrita, juntos aos fiéis. Marxistas, pós-comunistas, liberais, conservadores, neoliberais, todos unidos em devoção ao árduo trabalho da conquista do voto, por mais esdrúxula que seja a situação.

Se o grande enigma para a ciência política é porque a sociedade civil, muito maior que a minúscula classe política, não toma as rédeas do poder e controla o Estado, para a Religião é o eterno enigma indecifrável da morte e do pecado. O da Política: porque nos submetemos ao controle do Estado através da classe política? O da Religião porque precisamos de um Deus com um aparato moral para guiar as nossas vidas?

O fato é que, como sociedade civil, somos incapazes de nos organizarmos a tal ponto de uma grande massa poder gerir o Estado. Resta-nos a submissão aos modelos de governos e políticos que, desde a passagem do estado de barbárie para o de sociedade organizada, vêm comandando o espetáculo. Com as modernas formas de representação politica – as democracia ocidentais – esta submissão, gradualmente, se transforma em participação ativa nos destinos da política. Mas há traços arcaicos de dominação e engodo resistentes, atávicos, que insistem em nos desafiar, comandando esta relação de dominação: a cena dos políticos, muitos deles ateus, de mãos dadas e orando com olhos lacrimejantes no Morro da Conceição é um deles.

Até quando nossa democracia terá que viver com este tipo de comportamento? Muitos avanços foram construídos à custa de sacrifício e luta. As recentes ações do poder judiciário são uma delas, punindo com a prisão – antes apenas de negros e pobres – os políticos envolvidos com o mensalão. O país, agente histórico contumaz em golpes e ditaduras, vive, desde 1984, o mais longevo período democrático, com processos eleitorais limpos e uma evidente consolidação estrutural.

Mas, e a religião?

A Religião nos envolve com seu manto místico para tentar dar conta da nossa fragilidade como seres capturados pelos nossos desejos- incessantes e interditados- e aí está a origem do pecado. O outro polo em que se finca a religião é em nossa mortalidade, por mais que nossa consciência esteja impedida de saber o que é isso, a morte.

Ambos, Estado e Religião, vieram da mesma raiz histórica, quando as tribos primitivas tinham nas figuras do Pajé ou Xaman os dois poderes juntos. Estas instâncias vêm se entrelaçando, ao longo dos séculos, numa concorrência insana pelo controle das nossas almas e da nossa cidadania, nos enredando neste engodo milenar.

O Estado laico, conquista recente que teve início com a Revolução Francesa de 1789, tem sido um extraordinário salto de qualidade no processo civilizatório, mas a história também parece dar saltos para trás, contrariando as ruínas vistas pelo Anjo da História de Walter Benjamim, como o fundamentalismo islâmico.

A cena patética dos políticos no Morro da Conceição é uma expressão pálida deste atraso. E nós? Como podemos tocar nosso cotidianozinho repetitivo sem a ajuda destas duas instâncias? Quanto a depender de uma religião para nos dar conforto e certezas existências e pós existenciais, compreendo que é muito difícil abrir mão, pois reconhecer-se como seres incompletos e fundados na angústia e destinados para a morte pode ser insuportável para muitos; no caso do política e do Estado, apesar de imprescindíveis – como instâncias civilizatórias-, não. É necessário avançar num constante processo de desconstrução e reconstrução das ideologias e da práxis política na qual o cidadão possa, cada vez mais, se libertar deste engodo estrutural.

Isso certamente não ocorrerá lá em cima no Morro da Conceição.