Este texto não será publicado amanhã no Observatório da Imprensa, foi censurado pela nova editora do Observatório da Imprensa Denise Bacoccina. Mas pode ser lido aqui.
Há muita gente preocupada com a insistência das redes sociais de extrema-direita e evangélicas em continuar reprisando velhas mentiras ou criar novas versões sem perda de seguidores. Essa fidelidade capaz de reunir meio-milhão de vistas e centenas de milhares de curtidas em algumas horas foi reforçada com a atualidade das críticas do proprietário do twitter, agora X, Elon Musk ao ministro Alexandre de Moraes do STF e poderá chegará chegar a um máximo com o encontro de domingo em Copacabana, reunindo o ex-presidente Bolsonaro, o Pastor Silas Malafaia e os mais representativos políticos bolsonaristas. Embora no encontro de 25 de fevereiro, na avenida Paulista em São Paulo, o clima tenha sido comedido com o ex-presidente propondo anistia para todos, a recente intervenção estrangeira de Elon Musk relançou o clima de polarização e deverá trazer de volta os discursos de ódio contra o presidente Lula e o STF.
Alguns canais de esquerda se perguntam por que o governo de Lula não é mais ativo nas redes sociais para mostrar as realidades positivas de seu governo, a fim de estancar esse constante desgaste provocado por fake-news e discursos de ódio.
Ou é simplesmente impossível chegar até aos adeptos bolsonaristas, mesmo se grande parte são negros, pardos, pobres e nulheres, insensíveis aos alertas de que seu líder é racista, indiferente às medidas contra a pobreza e mesmo contra à liberdade para as mulheres?
Só alguns começam agora a perceber haver uma impermeabilidade impedindo aos bolsonaristas a recepção de “narrativas” ligadas aos direitos sociais. Essa impermeabilidade é criada pela maneira como funcionam as seitas neopentecostais. Elas funcionam como comunidades, incentivam atividades capazes de criar proximidade entre as pessoas e são como células ativas com reuniões periódicas toda semana. As pregações, as escolas bíblicas para crianças e jovens são constantes, semanais ou bi-semanais, não deixando espaços para outros tipos de preocupações depois do trabalho. Nisso lembram as antigas células do partido comunista com atividades para estudantes, donas de casa e operários. Hoje, nenhum partido faz isso, porém os evangélicos além de religião se tornaram partido político fundamentalista.
Numa longa entrevista concedida ao Uol, o líder petista José Dirceu afirma que Lula e o PT devem ir ao encontro dos evangélicos. Não deixou nada preciso, mas lembrou que a igreja católica entrou em decadência ao reprimir a teologia da libertação, que ia ao encontro do povo, e deixou o caminho aberto para os neopentecostais.
Muitos bolsonaristas esqueceram de que foi Lula quem favoreceu a criação da marcha para Cristo, facilitou os alvarás de funcionamento para as igrejas evangélicas funcionarem em garagens e da presença oficial da então presidente Dilma na inauguração do Templo de Salomão, de Edir Macedo. A ideia de Lula ir ao encontro dos evangélicos não é assim tão simples, pois não houve retorno favorável aos esforços petistas do passado. Muito ao contrário, para impedir a eleição de Lula, em 2022, os líderes evangélicos usavam as redes sociais para amedrontar seus fiéis com a chegada do comunismo e o fechamento de igrejas caso Lula fosse eleito. Ainda hoje a bancada evangélica procura boicotar o governo de Lula.
Embora a maioria evangélica continue sendo bolsonarista, existe mesmo uma minoria de esquerda, como o atual e combativo do Psol, o deputado federal Henrique Vieira, e a ministra verde Marina Silva.
Entretanto, quando se fala na maioria de pastores e seguidores evangélicos ela é fundamentalista, foi golpista e se confunde com a extrema-direita. Recentemente, o canal Opera Mundi dedicou um grande espaço para dois pesquisadores com livros publicados, João Cezar de Castro Rocha e Bruno Paes Manso, explicarem quais são as linhas mestras do evangelismo ou neopentecostalismo brasileiro, seguidas também por grande parte de igrejas protestantes tradicionais, como presbiterianos, metodistas e batistas.
Na verdade, quase se poderia falar num desvio evangélico ou numa refundação da teologia evangélica, por influência da igreja assembléia de Deus e de teólogos fundamentalistas norte-americanos, cujos seguidores nos EUA apoiam Donald Trump para a presidência. Trata-se da Teologia do Domínio, que num rápido resumo consiste numa recalibragem da mensagem cristã evangélica misturando-se com os preceitos básicos do Deus de Israel do Velho Testamento. O cristianismo deixa de ser só mensagem de paz e amor, como se pregava, para juntar conceitos guerreiros do Deus de Abrãao. Quem seguiu pela televisão o encontro bolsonarista do 25 de fevereiro talvez tenha percebido: não se falava nunca em Jesus Cristo, mas sempre em Deus, subentendido o Deus de Israel, donde uma identificação dos evangélicos com os israelenses (embora não sejam cristãos) a ponto de ostentarem e respeitarem a bandeira de Israel.
Nessa linha, os novos evangélicos são guerreiros do Bem contra o Mal, ou seja, defendem os valores vigentes ainda na metade do século passado sendo contra o aborto, contra o homossexualismo e contra o feminismo. Nos EUA, onde a colonização foi guerreira e a posse e o uso de armas é comum na população, há o risco de guerra civil, no caso de Trump ser derrotado ou não puder disputar a eleição presidencial. Ao que parece, pelo menos os fatos demonstram, a teologia guerreira do domínio, já transformada em partido político de extrema-direita e orientada no sentido de garantir a eleição de Bolsonaro, não funcionou com os evangélicos brasileiros, cujo pacifismo inato, mesmo no 8 de janeiro em Brasília, decepcionou os líderes golpistas.
Resta uma dúvida: por que Deus escolheu como líderes Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil? Para isso há uma explicação: Deus unge ou escolhe pessoas que nem sempre são perfeitas. E logo é citado o caso do rei Davi, herói contra Golias, escolhido por Deus, mesmo se havia pecado no caso de Urias e Bethsaba, crime e adultério. Os pastores sabem que Deus escolheu Trump, nos EUA, mesmo com todos seus erros, e Bolsonaro, no Brasil, apesar de todas suas falhas e pecados.
Há alguma lógica ou racionalidade nisso? Não, nenhuma. Entretanto, os evangélicos poderão ultrapassar os 50% da população em 2050 e criar novas leis favorecendo seu credo conservador e fundamentalista. Não será uma exceção: o Irã é uma teocracia islâmica e o governo do Hamas em Gaza é uma teocracia islâmica. E Israel é quase uma teocracia.
Coitado do Brasil, bem ser jogado às traças consegue, pior ainda foi ser jogado na mão do Evangelistão