John Singer Sargent (American, 1856–1925). Gassed, 1919. Oil on canvas

John Singer Sargent (American, 1856–1925). Gassed, 1919. Oil on canvas.

Perguntei ao Google onde existiam no mundo escolas cívico-militares. Pelo jeito, salvo engano, só na Venezuela e na Coreia do Norte. Eis aí a companhia que o Brasil está arranjando para si ao criar, por meio de governos bolsonaristas (todos impregnados de um inequívoco fascismo!), essas assombrações pedagógicas que prometem… Prometem o que mesmo? Dizem que disciplina. Uma disciplina militar mesclada a um civismo adredemente planejado. Ora, para os mais afeitos, desde tenra idade, à vocação castrense, já existem, e com amplo proveito, as diversas escolas militares do País. Ocorre, como se sabe, que nem todo mundo que estuda nessas unidades se torna um militar: muitos se tornam artistas, advogados, engenheiros civis, etc. Nesse caso, como em outros, tem um peso mimético a formação profissional dos pais, muitos dos quais são, de fato, militares.

Se assim é, em nome de que teremos essa “semijaboticaba” pedagógica? Em nome, claro, da vontade fascista ou neofascista de Bolsonaro. É um dos seus legados de líder da extrema direita. O objetivo é claro, por mais que a verdade seja disfarçada, e o objetivo, ideológico, não exatamente pedagógico. Há que se fazer a cabeça dos alunos contra qualquer “balbúrdia”, contra qualquer espírito “subversivo” e contra qualquer espírito crítico. A disciplina não sendo mais que um pretexto para impor uma ordem longe de qualquer progresso. Alega-se que as matérias serão as mesmas e que policiais militares aposentados darão uma contribuição administrativa no tocante à disciplina (reparem: aposentados! E que poderão ganhar até mais do que os próprios professores!). Militares que estarão “desarmados”… Ora, convenhamos, um militar nunca está exatamente desarmado: as armas estão todas na sua cabeça, no seu imaginário, na sua postura, na sua vocação, na sua mesa de cabeceira, como negá-lo?

Tem um quê de simulacro e muito de repressão explícita a presença de militares aposentados nesse projeto. Uma vez ressuscitados de sua inatividade, sabe Deus com que preconceitos, vícios de origem e ressentimentos assumirão suas funções de guardiões da disciplina, da pátria e da família. Uma vez empoderados, com que prazer quebrarão as cristas idealistas de nossa juventude!  

Tais escolas tocariam o hino nacional e inoculariam o gosto verde-amarelo da pátria. Há um equívoco aí: não se ama verdadeiramente a pátria por imposição, ama-se a pátria porque o amor é coextensivo à vida que se vive naquele lugar do mundo, e tal amor vem antes pela cultura que por qualquer outro meio, ou seja, pela paisagem da infância, pela culinária, pelos costumes que se aprendem quase que inconscientemente, etc. A pátria “chega” pela cultura material e pelos valores da arte, da ciência e do pensamento, não por uma idealização abstrata e imposta. Bertrand Russell, no século passado, já observava com indignação: “A bandeira inglesa sugere ao cidadão britânico batalhas, guerras, conquistas e feitos de heroísmo, sugere Nelson e Trafalgar, e não Shakespeare, Newton ou Darwin […]” (V. “Educação e Ordem Social”). Só glórias bélicas e militares. O que ou quem sugeriria a Bandeira Brasileira no mastro “cívico-militar”: Luiz Gama? Machado de Assis? Niemeyer? Paulo Mendes da Rocha? Portinari? Guimarães Rosa? Frei Caneca? O Marechal Rondon? Celso Furtado? Joaquim Nabuco? Gilberto Freyre? Josué de Castro? O “verde das matas”? O verde? Que verde? Etc. 

Pois bem, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, na semana passada, por sugestão do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, a implantação dessas escolas no Estado. Esse estranho “moderado”, para agradar a seu guru e as bases radicais, já disse no Congresso que tais escolas cívico-militares deveriam formar “novos Bolsonaros”. Que belo e inexcedível ideal! Que primor de síntese! Nada como a moderação que dá o seu ao seu dono! Enfim, o projeto totalitário da extrema direita caminha a passos largos e com altos coturnos. Assim, sob os auspícios da lei, e com a instrumentalização de meias verdades, vai se desfigurando a democracia.

É claro que a nossa Escola tem imensos problemas e grandes vulnerabilidades, mas não será com escolas cívico-militares que eles se resolverão, como se a obsessão da ordem e da disciplina fosse uma panaceia. De resto, os militares não estão preparados (até porque a própria sociedade não o está!) para esta novidade que hoje fragiliza a própria democracia: uma imensa diversidade (vide o mais recente livro do cientista político Yascha Mounk: “O grande experimento: por que as democracias diversificadas fracassam e como podem triunfar”). A diversidade requer ser tratada, pela complexidade social que carrega, com inteligência, serenidade e equilíbrio. O autoritarismo fascista, como de resto qualquer outro, é simplista e, no fundo, teme o contraditório e o matizado tecido das atuais sociedades. Nosso povo não precisa de tais escolas, a menos que acate um projeto totalitário que, em nome de abraçar a liberdade e a segurança, termine por ceifá-las.