Um dia antes da reunião do COPOM-Comitê de Política Monetária, que definiu a taxa Selic (taxa de juros de referência), o presidente Lula da Silva voltou a descarregar sua metralhadora verbal contra Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Campos foi promovido a inimigo número um do presidente da República, a quem este transfere a responsabilidade pelas dificuldades da economia brasileira, embora tenha competência apenas de coordenar a gestão monetária. “Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil nesse instante – afirmou Lula: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país que para ajudar o país”. Além de infundada, até porque o grande desajuste é fiscal e não, monetário, a arenga de Lula com Campos joga mais incerteza no ambiente econômico e financeiro mundial e nacional, o que deve ter contribuído para a decisão do COMPOM de manutenção da Selic em 10,5% ao ano. Mais uma vez, o discurso de Lula gera resultados que vão contra seus próprios interesses.
Desta vez, contudo, Roberto Campos ofereceu de bandeja os argumentos que Lula precisava para levantar suspeitas sobre a independência política do presidente do Banco Central. A sua desenvoltura no jantar festivo organizado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, com destacadas figuras da oposição e do bolsonarismo, não é apropriada para um presidente do Banco Central. A isenção política, que é exigida para quem assume o cargo máximo da gestão monetária, não permite que ele ande por aí demonstrando simpatias políticas e afinidades com partidos políticos.
Apesar disto, não existe nenhuma evidência de posições tendenciosas do presidente do Banco Central na gestão monetária. Vale lembrar que a taxa Selic mais elevada durante a sua presidência foi definida em agosto de 2022, exatamente 13,75%, a poucos meses das eleições, para grande irritação do então presidente Jair Bolsonaro. Mais do que isso, não é Roberto Campos quem decide a taxa de juros, é um colegiado de nove membros, diretores e técnicos do Banco Central, que se debruçam sobre dados, informações e simulações de tendências e expectativas para definirem a taxa que deve levar a inflação para dentro da meta. O COMPOM nem sequer define a meta de inflação, responsabilidade do CMN-Conselho Monetário Nacional, constituído por dois ministros do governo e o presidente do Banco. Para concluir, deve ficar claro que, na reunião desta semana, o COMPOM decidiu por unanimidade a manutenção da taxa de juros em 10,5% ao ano, apoiada, portanto, pelos quatro diretores do Banco Central nomeados por Lula. A confiança da sociedade e dos agentes econômicos na autonomia e isenção técnica do Banco Central é fundamental para a retomada dos investimentos e o crescimento da economia. Lula joga contra. E Campos cometeu uma falta grave.
OK, a isenção que teve Ilan Goldfajn o Roberto Campos Neto não tem. Mas quem começou a provocação, transformando Roberto Campos Neto em seu saco de pancadas, foi o Presidente Lula, desde o “revogaço” nos primeiros meses, que pretendeu revogar em bloco tudo o que foi aprovado no governo Bolsonaro sem análise item por item. O Ministro da Fazenda Fernando Haddad teve com o Presidente do Banco Central relações institucionais corretas, e o Presidente da República acalmou numa faze de otimismo nacional em julho-agosto de 2023, depois da pequena melhoria na nota do Moody’s (que, aliás, foi um erro). À medida que a situação fiscal foi piorando, foi aumentando a “irritação pública” de Lula com Campos Neto. Lula não consegue entender que o Presidente do Banco Central não manda no COPOM, e relações institucionais corretas foram por água abaixo. Não dá para culpar Campos Neto da “politização” dessas relações. Fernando Haddad buscou relações institucionais republicanas, mas Lula é que bagunçou o coreto. E quem paga a conta é a população em geral, com o aumento da perspectiva de inflação.