A forte desvalorização do Real reflete a desconfiança dos agentes econômicos da disposição do governo em se enquadrar nas regras do Arcabouço Fiscal, mais diretamente, expressa a descrença em relação aos efeitos do pacote de corte de gastos enviado ao Congresso pelo Executivo. Mesmo com a elevação da taxa de juros (Selic) pelo Banco Central, a incerteza persiste e os agentes econômicos preferem se mover em busca de ativos mais confiáveis, como o dólar, para se prevenir da elevação insustentável da dívida pública. O certo é que a inflação deste ano deve estourar o teto da meta (pode chegar a 6%) e as despesas primárias devem continuar crescendo de forma inercial (cerca de 5% ao ano), dificultando o alcance das metas fiscais.
Entretanto, não são visíveis nos radares nuvens densas ameaçando os fundamentos macroeconômicos do Brasil, e a postura do ministro Fernando Haddad e do Banco Central, já com maioria de indicados por Lula no COPOM, mostra que existem núcleos de responsabilidade fiscal no governo. Utilizando uma metáfora meteorológica, pode-se dizer que o Brasil atravessa uma turbulência de céu claro, tendo que lidar com massas de ar e redemoinhos desagradáveis, obrigando os passageiros a apertarem os cintos. A elevada demanda por dólar contém um componente sazonal e pode ser alimentada por especuladores, mas é, em última instância, uma espécie de cinto de segurança a que recorrem os agentes econômicos no meio da turbulência, vale dizer, para se prevenir contra um eventual fracasso do Arcabouço Fiscal.
O problema é que este “cinto de segurança” acentua a turbulência da economia brasileira: gera pressão inflacionária adicional pelo encarecimento dos produtos e insumos importados, e eleva o valor em reais do estoque da dívida vinculada ao dólar (especialmente a dívida externa). Depois da elevação das taxas de juros, o Banco Central vem fazendo, nos últimos dias, leilões de dólares para conter a alta e a volatilidade do câmbio, sem conseguir trazê-la para um patamar abaixo de seis reais. Isso porque a desconfiança dos agentes econômicos não está na política monetária, e sim na política fiscal, na percepção de que o governo não está decidido a tomar decisões firmes para conter o ritmo de expansão das despesas primárias, condição para obter superavit primário e impedir a elevação da dívida pública. Se não houver uma correção de rumos, o Brasil pode entrar num ciclo vicioso com o surgimento, aí sim, de pesadas nuvens cumulo-nimbus no horizonte, capazes desorganizar os fundamentos macroeconômicos.
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