IA

IA

Recentemente, fez-se um experimento envolvendo a Inteligência Artificial (IA) e a Poesia. Sem que tivessem conhecimento da autoria, várias pessoas leram poemas, escritos não só pela IA como por poetas de carne e osso ou já sem carne e já sem osso. O objetivo era, aparentemente, observar o que essas pessoas iriam preferir. Pois bem, ao que parece, a IA saiu-se vitoriosa, com a maioria escolhendo suas produções “literárias”, e os poetas, mais uma vez, “incompreendidos” e “desmoralizados”…

Uma vez questionadas sobre suas escolhas, as pessoas do referido experimento teriam explicado que os poemas da IA eram mais compreensíveis, mais fáceis de entender. Favas contadas! Eis o ponto. Nada tenho, muito pelo contrário, contra a nova Inteligência, que naturalmente já dorme, trabalha e proseia conosco! Não vi, pois as notícias não os mostraram, os poemas “artificiais” que agradaram aos participantes do evento,  mas tenho o palpite, dadas as razões que as pessoas apontaram, de que tais textos são de uma desinteligente mediocridade literária. Pelo dedo, se conhece o gigante.

Como provar a essas pessoas que poetas como Camões, Dante, Shakespeare, Hölderlin, Baudelaire, Rilke, Drummond, Guimarães Rosa (sic) e tantos outros sóis (e sós) da literatura de ambos os hemisférios não são “difíceis”, além de serem tão “naturais” como espécies ameaçadas? Como lhes dizer que eles nunca quiseram criar uma barreira de dificuldade entre suas obras e os demais seres humanos? Isso teria sido, além de um contrassenso, uma maldade sem par. Uma coisa é certa: a porta larga do lugar-comum é, por assim dizer, a antítese da porta da grande Poesia. 

Como qualquer arte, a Poesia nunca foi “fácil” nem “difícil”, mas talvez, mais do que qualquer outra, caia na situação que velho ditado caracteriza como a de gato por lebre! É simples sua falsificação, sobretudo porque facilitada pela mais comum e transparente matéria-prima: a palavra. Na poesia “autêntica”, se se pode falar assim, a linguagem dá à luz uma nova visão. Como disse Kafka dos bons livros, ela racha o gelo que há dentro de nós! A “escultura” do poema é “difícil”, muito simplistamente falando, na exata medida em que ele se afasta do clichê e cria ou apresenta o Novo. Romper os gelos dos clichês, eis a questão, um ponto a que o velho Aristóteles, em sua compreensão do papel da metáfora na Poesia, já havia chegado. O dom das metáforas, sugeriu o estagirita, é por excelência o dom do poeta, e é de se notar que não é qualquer pessoa que cria novas metáforas. A incompreensão de um poeta, sua estranheza, longe de ser um pecado, pode, por vezes, ser uma graça. Sobre isso, talvez valha a pena recordar o que um gênio da Filosofia, Ludwig Wittgenstein, disse de um gênio da Poesia, Georg Trakl: “Não compreendo a poesia de Trakl, mas ela me deslumbra”. A propósito, o bom Ludwig escreveu que “A Filosofia deveria realmente ser escrita apenas como uma forma de poesia”…

A experiência da IA com poemas também pode ser vista num contexto maior: o social. George Orwell (sim, ele mesmo) disparou, num ensaio dos meados do século 20, que, em nosso tempo, “[…] a poesia é a mais desmoralizada das artes”. Fato! O mundo contemporâneo não sabe bem o que fazer com ela. Pelo menos desde  a Revolução Industrial, os poetas sentem essa pancada, embora Platão lhes tenha dado uma bordoada tão eterna quanto arquetípica. Um poeta nordestino, Geraldino Brasil, escreveu estes emblemáticos versos: “Um médico na família: ótimo. / Um engenheiro na família: ótimo. / Um poeta: melhor  na família dos outros”. Jorge de Lima, outro nordestino, atenuou um pouco esse exílio e deslocamento existencial do poeta, escrevendo que este será encontrado “[…] quando vires um homem exaltado e abatido, / um homem escarnecido e louvado, em contínuo solilóquio, / um homem que não acampou em parte alguma lhe havendo Deus dado tudo” (“A túnica inconsútil”). 

Talvez da Poesia “natural” se possa dizer, “grosso modo”, o que disse Rimbaud da imaginação: “É a louca da casa”. Logo: vista com desconfiança. Dessa forma, devemos concluir que a Inteligência Artificial, dados os fáceis e “compreensíveis” versos  por ela gerados, precisa adquirir um pouco de loucura. Com esse fatal ingrediente, certamente escreverá poemas mais literários (embora, claro, tenha coisas melhores a fazer!). Caso isso ocorra, e os poemas se tornem cada vez mais elaborados, aí, amigas e amigos, metamos a viola no saco, pois mudaremos radicalmente de patamar antropológico… Será, então, como se dizia antigamente na Zona da Mata pernambucana, “o fim do mundo, e o macaco amarrado”! Imaginem: o mundo se acabando, e o macaco sem ter, pelo menos, como correr!