
Putin e Trump
Donald Trump e Vladimir Putin estão negociando a divisão da Ucrânia. A Rússia fica com a parte do território do Donbass já ocupado pelas tropas russas, e os Estados Unidos não ocupam o território, mas se apropriam das reservas de terras raras da Ucrânia. Com outro formato, adequado à época, os dois presidentes estão tentando reeditar, 85 anos depois, o Pacto Germano-Soviético (1939), acordo de não agressão assinado por Hitler e Stalin que continha um protocolo secreto autorizando a Alemanha nazista e a União Soviética a invadirem e dividirem a Polônia. No mês seguinte à assinatura do pacto, as tropas nazistas atacaram e ocuparam a parte Oeste do território polonês, enquanto a União Soviética avançava no Leste para dominar outro pedaço. Desde então, passando pela Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazismo, o mundo mudou radicalmente, a União Soviética desmanchou no ar, a guerra fria acabou e uma nova configuração de nações emergiu com regras de garantia da soberania territorial.
No entanto, o expansionismo autoritário emerge outra vez dos dois lados do Atlântico. A invasão da Ucrânia pela Rússia demonstra que Putin tem o sonho da restauração do poderio dos impérios russo e soviético no leste da Europa. Enquanto isso, os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, uma espécie pós-moderna de Adolf Hitler, ameaçam o mundo com pretensões hegemônicas e expansionistas, recorrendo a ameaças e chantagens para aumentar seu poder e o controle do planeta. Em relação à Ucrânia, Trump já afirmou que não existem chances de acordo de paz sem que o país invadido ceda parte do seu território ao invasor, ao mesmo tempo em que cobra do governo ucraniano o “pagamento” de 500 bilhões de dólares de ajuda militar concedidos pelos Estados Unidos (nem foram 500 bilhões nem foram empréstimos) e o domínio sobre ao menos 50% das terras raras no território ucraniano. Em certo momento, Trump chegou a sugerir que o território da Ucrânia poderia “ser russo algum dia”.
Concorrente na disputa pela hegemonia geopolítica, Estados Unidos e Rússia negociam a repartição de uma nação europeia, a Ucrânia, como fizeram, no passado, a Alemanha nazista e a União Soviética, repartindo o território polonês. Trata-se, em última instância, da repartição entre eles das enormes reservas de minerais estratégicos da Ucrânia, grupo de 17 metais fundamentais para as atividades de alta tecnologia e fundamentais para manufatura de ímãs de alta performance, motores de veículos elétricos, sistemas de mísseis, indústria espacial e armamentista, celulares e outros eletrônicos. A Ucrânia detém reservas de 22 dos 34 minerais identificados pela União Europeia como críticos, tem a maior reserva de titânio da Europa, componente essencial para a indústria da aviação comum e espacial, e a maior concentração de lítio da Europa, componente vital para baterias, cerâmica e vidro. Os Estados Unidos são muito dependentes de importações da China (importam 80% dos insumos usados na indústria estadunidense), o maior detentor de terras raras e seu principal adversário na disputa hegemônica global. Por outro lado, como cerca de 40% destas reservas estão em territórios dominados pela Rússia na região do Donbass, a divisão do território ucraniano entre os dois países concederia aos russos o acesso a grandes reservas de materiais estratégicos.
De acordo com o jornal The Telegraph, que teve acesso à proposta de Trump, para apoiar a Ucrânia o presidente dos Estados Unidos exige o direito sobre os “recursos minerais, recursos de petróleo e gás, portos, outras infraestruturas”, 50% de todas as receitas que a Ucrânia obtenha ao extrair recursos naturais e ainda 50% do valor financeiro de “todas as novas licenças emitidas a terceiros”. O jornal interpreta as intenções de Trump como uma colonização econômica da Ucrânia, um país aliado que foi invadido e que teria de pagar pela ajuda militar recebida dos Estados Unidos (que ameaça suspender se os ucranianos não aceitarem as bases do acordo com a Rússia).
Em vez de se espelhar no Plano Marshal, que os Estados Unidos lançaram depois da Segunda Guerra Mundial, apoiando a recuperação da Alemanha destroçada – o país agressor da época – Trump prefere agora punir o país que foi invadido e que sofreu grande destruição pelas tropas russas, apropriando-se de parte da economia do país. Ao contrário da Rússia invasora indenizar a Ucrânia por esta destruição (das cidades e da infraestrutura), Trump pretende aproveitar a guerra para saquear o país invadido. A negociação de um acordo com a Rússia – que invadiu, destruiu e ainda ocupa parte do território da Ucrânia – sem a participação dos próprios ucranianos, é um grave atentado ao direito internacional e ao bom-senso diplomático. No fundo, o presidente Trump pretende assinar um acordo com Putin para dividir a Ucrânia, como Hitler e Stalin fizeram na Polônia: os Estados Unidos ficam com as grandes reservas de minerais estratégicos, e a Rússia anexa um terço do território ucraniano. É isso um acordo de paz, ou a antessala de novas guerras na Europa?
Pois é, eu até tenho mais ou menos a sua visão dos fatos, e você escreve bem, claro e convincente, ainda que eu evitaria analogias com os anos 1920s do século passado porque considero que o diabo está nos detalhes. E no entanto… Qual era a alternativa? Coninuar como nesses três anos, até a destruição completa da Ucrânia, que perdeu nesses três anos um quarto da sua população? Países em guerra escondem as perdas, mas já morreram 1 milhão de ucranianos nesta guerra. Continuação das atuais providências indefinidamente? Acelerá-las com o uso de armas atômicas? Defender que um dos supostos imperialistas use a bomba atômica? OK, não é acordo, é imposição dos que têm mais armas. Mas insisto: a alternativa é qual? Utopia por utopia, sou mais por uma campanha de desarmamento. E o fim do nacionalismo de qualquer tipo.