
Mario Vargas Llosa
Ah, a América Latina. A beleza, a desigualdade, a intensidade desta terra e deste céu latino-americanos. O chão em chamas, chama Pedro, Juan Rulfo. Os mistérios da descoberta do mundo, claro escuro, Clarice Lispector. O jazz e o engajamento, amarelinha, Júlio Cortazar. A floresta e verdes indígenas, a vida é útil, Ailton Krenac?. Macondos fantásticos feitos de solidão, amor infindo, Gabriel Garcia Marques. Viam-se reverdes, o céu azul mais, sem empano, nenhuma jaça, tutameia, Guimarães Rosa, maior sertão. Curva do rio, Eduardo Galeano, coração, na mão. Morenidade, desafricanização, plasticidade, povo brasileiro, sentido Brasil, Darcy Ribeiro. Geometrias, nostalgias, ficções, Jorge Luis Borges, planeta imaginário. Não é só arroz doce, minha neguinha, o trópico, alegórico, carnaval, sobrados, Região, Gilberto Freyre. Convoca a tribo, a catedral, a casa verde, o escrevinhador, Mario Vargas Llosa, prenunciada guerra do fim do mundo. Constelação de signos, tradição e revolução, apascentados, Octavio Paz.
Jorge Mario Pedro Vargas Llosa (1936-2025). De Arequipa a Estocolmo. Escritor e político. Escritor político? Não. Escritor. Que fez da política uma instância. Um clima. Um testemunho. E fez do romance uma escritura. Uma declaração de amor. À vida. Ao outro. A vida de Vargas Llosa é ida e volta. Foi ao marxismo. E voltou. Foi à Rússia. E voltou. Foi a Londres. E voltou. Foi à literatura. E ficou.
A vida de Vargas Llosa foi uma escola. E uma escolha. Uma opção. Intelectual. Fruto de um processo. Consciente. Lúcido. Guiado por convicções. Dialogal. Com Karl Popper e Raymond Aron. Ortega y Gasset e Isaiah Berlin. Caminhando na direção do liberalismo. Sem adjetivos. Substantivamente. Confluente com o social e o democrático. Social-democracia. Para ele, o liberal deve enfrentar a realidade. Sem dogmatismo. E sem suprimir o Estado. Dispensada a obesidade burocrática. Estado é liberdade com ordem, lei e oportunidade.
O liberal em Llosa é como o Keneysiano na economia. Gradual. Gradualista. No equilíbrio. Equidistante. Longe dos extremos. No máximo, pendular. Pois o centro é móvel. A intervenção só surge para corrigir exorbitância. E para estimular investimento. A ética nele é uma estética. Na arquitetura do fazer. Beleza é fundamental. No falar, no vestir, no formular. E no escrever.
Vargas Llosa escreveu como quem respira. Com pulmões e coração. Oxigênio e sangue. Neurônios e invenção. Escreveu com o calor da tropicalidade. Com a revolta da injustiça. O perdão do desarmamento recíproco. As cores da diversidade. A elegância da maturidade. Expressando as dores e as conquistas da voluptuosa Latinoamérica.
Vargas Llosa escreveu atrelado à verdade que compartilhava com Albert Camus. À argúcia de raciocínio que somava com Raymond Aron. Escreveu como quem ama as palavras. Como intelectual que não some do debate público. Apontando eventuais frivolidades da política. Como quem admira o primeiro orvalho da manhã. Como quem mergulha na emoção das paisagens peruanas. Como quem fecha o dia com o ouro do arrebol.
A Academia sueca, ao lhe entregar o prêmio Nobel de Literatura de 2010, acentuou na justificativa: “A escolha de Mario Vargas Llosa se dá por seu desenho da cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre resistência, revolta e derrota do indivíduo”. Retrato fiel do escritor. Destacando a capacidade de se inserir na realidade de modo responsável. Ressaltando a disposição de se engajar como agente da cidadania.
Ao aceitar o prêmio, respondeu dizendo: “Sou basicamente um escritor, lembrado por meu trabalho. A literatura compreende o horizonte mais vasto da experiência humana. A vida, tal como é, não nos basta. Escrever é um ato de rebeldia contra a realidade”. De minha parte, repito: “A vida, tal como é, não nos basta”. Esta é a inspiração essencial do escritor. É sua fortuna existencial. É o que o faz pensar e digitar. É o que une, no seu sonho, talento e ação.
Ao unir propósito, vontade e atuação, Vargas Llosa inaugura, no homem, a alegria do escritor. Não o homem revoltado. Mas, o escritor realizado. Batizado nos desafios latino-americanos. E, por isso, completo em si.
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