
Bom humor
Perdemos o Papa Francisco, um líder que ria e possuía leveza e jovialidade. Perdemos muito. Dentre os últimos papas, à exceção do imbatível João XXIII, Francisco foi o que mais riu, não obstante a pesada carga de chefiar a Igreja. Pesos à parte, por onde anda o bom humor?
O humorista e moralista francês Nicolas Chamfort (1741–1794) escreveu que “Um dia sem rir é um dia perdido” (e não por acaso escreveu um “Elogio de Molière”). Posteriormente, seu conterrâneo o filósofo e jornalista Alain (1868–1951) não deixou por menos: “Se eu tivesse, por acaso, de escrever um tratado de moral, eu poria o bom humor no primeiro plano dos deveres”. Marcel Proust (1871–1922) embebeu de cenas e comentários hilários o seu imortal romance. Cervantes com seu Quixote é consabidamente uma antologia universal do humor; inspirado no espanhol, o inglês Dickens deixou páginas imortais. Nosso Machado de Assis empunhava a “pena da galhofa”. E Eça de Queirós aconselhava: “Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição que ela ruirá”.
Por estes dias, o jornalista Eduardo Affonso, num artigo intitulado “Apertem os cintos: o humor sumiu” (“O Globo”), tocou num ponto sociologicamente sensível: a atual escassez de humor em mídias como a TV aberta e os periódicos em geral. Logo no início de seu texto, anota com pertinência: “Imbuídos das melhores intenções do politicamente correto, ao jogarem fora a água do banho (o racismo recreativo, a ridicularização de minorias sexuais, a desumanização de pessoas com deficiência, a objetificação da mulher, etc.), descartaram também a bacia, o bebê, o berço e a babá”. Evidentemente, nem Affonso nem nós desejamos o retorno de piadas ofensivas e preconceituosas. A rigor, estamos em busca do riso e da moderação perdidos.
“Uma metade de mim zomba da outra”, escreveu outro francês: Joubert (1754–1824), lembrando que, para sermos justos, temos que começar a rir de nós mesmos. “Rir é o melhor remédio”, diz velho ditado, daí que nos poupe visitas à farmácia e aos médicos. As novas descobertas científicas não deixam dúvida: rir, de fato, faz bem à saúde. Mas o que vemos em torno, embora longe de um impossível óbito, é que esse “remédio” tem estado muito doente!
No lugar do melhor humor, o que tem prosperado é o sarcasmo e o escárnio, em especial nas redes sociais, a exemplo do que esbravejam líderes toscos e grosseiros. Primos pobres do riso, subprodutos infelizes de um constante discurso de ódio, eles são manifestações menos inteligentes, e isso porque o sentido é outro e unidirecionado: ser apenas ofensivo e cruel, contentando-se, muitas vezes, em ser uma “lacração”. Numa lacração, como o próprio nome já sugere, “Eu fecho (lacro) a sua boca”, “Eu o deixo em silêncio”, “Eu indiscutivelmente venci”. A lacração é um “estar acima de tudo”, um não mais além. É assim nas redes sociais, onde é preciso estarrecer e calar inimigos reais e imaginários. A “lacração”, convenhamos, é um esmagamento.
O citado jornalista Eduardo Affonso evoca o nosso imbatível Millôr Fernandes: “Fiquem tranquilos: nenhum humorista atira para matar”. Mestre do humor, Millôr talvez hoje estivesse chocado com a medíocre predominância do sarcasmo. Não que um humorista não possa usá-lo, o que não deve é fazer dele um cavalo de batalha. Aprendamos a ser sutis com outro mestre do humor brasileiro: Aparício Torelly (1895–1971), também conhecido como o Barão de Itararé. Mirando os brutamontes fascistas que empastelavam seu jornal no Estado Novo e o enchiam de porrada, o bem-humorado Barão mandou pendurar na porta de seu gabinete uma delicada placa: “Entre sem bater”!
De resto, não sejamos tão pessimistas: também as redes sociais nos proporcionam um divertido e inteligente convívio com humoristas, chargistas e cartunistas do mundo inteiro. À planetária onda obscurantista, eles opõem uma fascinante e divertida onda de resistência. Surfemos.
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