A prioridade para o transporte público é uma das grandes reinvindicações da sociedade brasileira em contraposição ao modelo do automóvel particular como meio de locomoção nas cidades. A implantação imperiosa e urgente de um sistema moderno e eficiente de transporte público é a única resposta ao caos das cidades. As cidades precisam de muito mais veículos públicos de passageiros, de vias exclusivas para aumentar a velocidade média, e de desestímulo à circulação de automóveis. E, no entanto, o esporte favorito do momento tem sido a queima de ônibus, destruindo os equipamentos que compõem a ainda limitada frota de coletivos. Foram cerca de 40 só este ano que mal começa e apenas em São Paulo. O patrimônio é da empresa de ônibus, certo, e o serviço é ruim. Mas está piorando pela redução da frota, pelo medo dos usuários, pela retirada de linhas. A queima de um ônibus significa um veículo a menos circulando e a necessidade de um investimento adicional para recuperar e ampliar a frota. O que começou com ação de bandidos para despertar terror nas cidades e vem se propagando com o vandalismo difuso sem causa ou bandeira, está sendo utilizado também como forma insensata de protesto popular por motivos diversos em várias cidades brasileiras. A insatisfação crescente na sociedade está levando a uma perigosa e inquietante pulsão destrutiva que queima os próprios equipamentos coletivos que constitui um serviço público. Pior: a sociedade parece anestesiada e excessivamente tolerante com o vandalismo e o banditismo que ameaça a vida nas cidades brasileiras.
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Essa “priorizada de defesa do patrimônio” me parece algo ambígua e perigosa porque não evidencia (ou mesmo esconde) o livre direito do povo de se indignar com o transporte público caro, insuficiente e ineficiente. E é porque é operado por empresas privadas, as pseudo rainhas da eficiência…
A indignação tende a se expressar muitas vezes de forma bem contundente, e é bom que assim seja. É perigoso misturar (como a ditadura fazia) as ações duras do povo nas ruas com os “baderneiros”, que existem, sabemos, mas são muito poucos e o próprio movimento os reconhece e repudia. Para as elites privilegiadas e seu séquito de puxa-sacos é ótimo colocar todos no mesmo balaio e abrir espaço para logo logo criminalizar os movimentos sociais. É preciso ter cuidado ao defender esse “patrimônio” para não fazer o jogo da direita, para ser bem claro. Desculpem se não me expressei direito.
Este é um conflito que só gera perdedores. Há a máfia dos ônibus, a inoperância do poder público e a insatisfação do público. Um conjunto desarmonioso que impera há décadas, sem previsão de soluções, em todas as capitais e grandes cidades do país. Ou seja, um problema municipal, estadual e nacional.
Pela sua dimensão e transtorno já mereceria estudos e projetos claros, transparentes, com participação aberta, para determinar soluções, planos, ações. Porém, o descaso prevalece e não há nada a respeito.
Assim, o conflito deve continuar a provocar chamas, até que se busquem resultados.
A primeira medida a ser tomada nas grandes cidades é o metrô com grande capilaridade. Solução de alto custo e baixo rendimento eleitoral, sempre relegada em prol do alargamento de avenidas, que custa menos e rende mais votos, embora estraguem irremediavelmente as cidades e impõe os corredores da poluição.
Dessa maneira, troca-se a solução pelo quebra-galho. Portanto, aborta-se avanços, que poderiam dar bases para otimizações na mobilidade urbana, como bicicletas e carros elétricos de aluguel, direcionamentos distintos de circulação automotiva, entre tantas medidas já testadas e adotadas pelo mundo afora.
Num ano eleitoral como este, o transporte urbano seria um bom tema para debates.
Quiçá para compromissos.