Editorial

O contra-golpe do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, abriu caminho para uma forte repressão e para o expurgo de adversários políticos nas Forças Armadas, no Judiciário, na imprensa e mesmo nas Universidades, ampliando medidas autoritárias que já vinham sendo adotadas pelo governo. Se a tentativa de golpe foi uma violência contra a democracia, a vitória de Erdogan consolida e reforça suas ambições autoritárias e religiosas, resquícios do velho califado otomano. Guardadas as proporções históricas, o contra-golpe de Erdogan lembra a reação do nazismo ao incêndio do Reichstag na noite de 27 de fevereiro de 1933. Hitler tinha sido nomeado primeiro ministro da Alemanha havia poucos meses e aproveitou o fato para iniciar uma violenta repressão aos adversários, especialmente os comunistas, abrindo caminho para a ditadura nazista. A democracia nunca foi forte e sólida na Turquia, país marcado por seguidos golpes de Estado e com uma presença marcante das Forças Armadas na política. Mais do que a democracia, o que parece ameaçado neste conflito é a laicidade do Estado turco implantada no início do século XX pelo general Mustafa Kemal Ataturk que extinguiu o califado, fundou o Estado laico e modernizou a sociedade turca. De acordo com os militares golpistas, as “tradições seculares do país foram corroídas pelo governo de Erdogan, que tem adotado medidas autoritárias contra a liberdade de imprensa e perseguido jornalistas e juízes”. A Turquia tem uma posição geopolítica altamente estratégica, entre a Europa e o mundo árabe. Mesmo moderna e cosmopolita, a Turquia continua dividida entre dois mundos: o Estado laico e democrático da Europa e o Estado muçulmano e autoritário da maioria dos países árabes. Erdogan pode pretender restaurar valores tradicionais do califado. Mas estes não cabem na Turquia moderna e cosmopolita.