O conceito de sujeito, para a psicanálise, é o do sujeito constituído por uma falta que o funda como ser desejante. Essa é uma operação que ocorre em nossa alma e que tem sua origem no momento em que, como criança, viemos ao mundo. A princípio temos uma relação fusional com a mãe, ou seja, não somos constituídos ainda como sujeito. Nos confundimos e nos nutrimos desta fonte de vida original, que é o corpo da mãe. Com a interferência da figura paterna dá-se a interdição, que nos castra da mãe. A partir daí, seguimos a vida condenados a buscar, de forma incessante e sem êxito, o preenchimento desta falta.
É movido por esta falta que nos constituímos como sujeito, sentimos os limites do nosso corpo, criamos, amamos, e sofremos.
Sem ela cessaria o desejo, o que é a morte.
Atravessados pela linguagem acedemos à cultura, ou civilização.
As figuras parentais vão sendo substituídas por outros objetos: tios, professores, amigos, chefe, o Estado, a Religião, o Saber, etc.
Ansiamos sempre por reconhecimento, um reconhecimento que ajuda a lidar com a angústia que nos funda como seres incompletos e destinados à morte, essa desconhecida.
Mas, o que isto tudo tem a ver com política?
A ultrapassagem da humanidade de um estado de vida natural para a vida em sociedade, há milhares de anos, tem várias teorias: Hobbes, Rousseau, Freud e muitos outros como a religião e a ciência. Enfim, todos tentam explicar um momento mítico, onde o homem passa a diferir dos animais por uma lei que se instaura e, através da linguagem, funda a vida em sociedade.
O Estado, herdeiro direto das religiões totêmicas -mais primitivas- e monoteístas, se impõe como esse Pai que dá coesão a vida em sociedade. Sem ele voltaríamos à barbárie, cujo exemplo mais tênue que podemos imaginar são as guerras.
As democracias modernas são o resultado de um aperfeiçoamento extraordinário deste Estado que vêm regendo a vida da civilização por séculos.
Há no cerne deste ‘sistema’ duas instâncias que, logo de início, se impõem sobre todas as outras: a sociedade civil, que somos nós, cidadãos e cidadãs; e, a classe política, composta por alguns de nós que são sacados do nosso meio para administrar o Estado.
As eleições são os momentos periódicos de reprodução e renovação deste aparato estatal que rege as nossas vidas. Semelhante ao banquete totêmico, nos reunimos periodicamente para construirmos este Pai-Estado, que tem mais força e poder do que todos nós reunidos. Os deputados, senadores, juízes, presidentes, governadores e prefeitos são semelhantes aqueles pajés que, com suas máscaras, dançavam ao redor da fogueira invocando os deuses para nos punir ou proteger.
Ao invés da clava, a caneta; no lugar das danças e da fogueira os pomposos cerimoniais palacianos; no lugar dos sacrifícios das virgens (quem não lembra daquelas cenas no cinema mudo) a serem imoladas no altar pelo sumo sacerdote, imolam parte do nosso trabalho por meio da tributação sobre a riqueza que produzimos.
Assim, o voto, esta obrigação muitas vezes enfadonha, que nos rouba o tempo da praia e da cerveja no final de semana, é o momento fundante que opera as democracias modernas. Nós, sem termos muitas vezes consciência disto, somos responsáveis pela construção deste espantalho moderno, o Estado, senhor implacável que regula as nossas vidas, do momento em que nascemos até a morte e,…até depois dela.
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DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com
João Rego
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Amigo João Rego,
Como fã dos seus excelentes artigos e pensamentos, quero deixar aqui minhas congratulações!
Seu artigo “O sujeito, o Desejo e a Política” convidam todos os leitores, à reflexão sobre a importância do voto; diante de si, da busca do desejo e do “grande pai”, (“esse aparato estatal que rege nossas vidas”)!
Não pare nunca de escrever…nosso neurônios agradecem!!!
Grande abraço
Ronaldo Farias
Será? A idéia de Estado-Pai, no meu entendimento, remete à visão do papel paterno de provedor e pode ser associado ao modelo de estado de bem estar, onde o cidadão exerce o papel de filho, e que é retribuído, inclusive, de acordo com o sistema de fidelidade ao comando do pai. Penso que no caso do Estado brasileiro, a figura de padrasto, paraa a grande massa (na visão conservadora de que padrasto) que, não sendo pai, não se sente responsável pela qualidade de vida dos enteados. Também caberia muito bem a idéia de Estado-Mãe, que vinculada uterinamente aos filhos, sustenta-os com suas tetas, negando seu leite aos não-filhos. Daí o pouco interesse que as eleições vêm dispertando e o comportamento dos “eleitos”