Sérgio C. Buarque

 

O julgamento do processo do chamado mensalão constitui o maior evento midiático do sistema judiciário brasileiro, sendo acompanhado em tempo real por milhões de brasileiros através dos diferentes meios de comunicação. A natureza e escala do escândalo, envolvendo influentes políticos do PT-Partido dos Trabalhadores, já são suficientes para despertar uma enorme atenção da sociedade; mas é amplificado pela proliferação exponencial dos múltiplos e ágeis instrumentos de informação, tanto das empresas formais de jornalismo quanto, principalmente, da rede social formada pela internet com seus sites, blogs, facebooks, e twitters.

Ninguém escapa deste olhar penetrante do big brother no qual todos observam e são, ao mesmo tempo, observados. Diante de um microfone e de uma câmera de vídeo com imagens capturadas pelo youtube e propagadas pelas redes sociais, torna-se difícil a qualquer pessoa conservar a naturalidade e a espontaneidade, mesmo para um homem público preparado e treinado na disciplina de análise e decisões jurídicas. Quando o ministro relator do STF, Joaquim Barbosa, está lendo seu voto, sabe da responsabilidade da repercussão das suas palavras e da sua decisão, diante da atenção vigilante de milhões de brasileiros, diretamente ou através da imprensa; seu pronunciamento e o voto de todos os ministros estão formando a opinião na sociedade, não só em relação ao caso concreto do mensalão como também dos princípios jurídicos e dos valores que envolvem o crime de corrupção política. Esta responsabilidade deve dominar o pensamento e os movimentos dos ministros do STF.

Mas esta hiper-exposição midiática do STF define também a imagem pública dos seus ministros e da própria Corte, analisados e julgados pela população, especialmente os segmentos mais informados da sociedade brasileira. As torcidas – organizadas ou espontâneas – gritam, esperneiam, vaiam ou aplaudem como num grande estádio de futebol virtual recorrendo a milhões de mensagens nas redes sociais. Mas, qual a influência da opinião pública sobre o STF? E até que ponto os ministros da Alta Corte refletem no seu voto o sentimento dominante da sociedade? Para os simpatizantes dos réus, a transmissão ao vivo e a cores do julgamento e dos votos dos ministros distorce a sua decisão, induzindo à condenação dos líderes do PT. Tese estranha para quem se apresenta como democrata e transparente, principalmente porque evidencia uma percepção não declarada dos petistas de que a opinião pública está convencida dos crimes cometidos pelos dirigentes do PT e, por isso, pede a sua condenação. Desta forma, se o julgamento fosse politico caberia ao STF acompanhar a vontade popular e, independente de provas e confirmações dos autos, atender ao desejo da sociedade expresso através dos meios de comunicação.

Mas não, o julgamento não é político, embora envolva políticos. O julgamento do STF não pode ser político e não pode expressar o desejo da sociedade e, pelo que tem demonstrado, mesmo com toda exposição midiática e “pressão social”, a fundamentação dos votos dos ministros evidencia serenidade e rigor técnico e jurídico. O STF é uma instituição fundamental do sistema democrático, mas a sua análise e o seu julgamento não podem ser uma expressão de uma imprecisa e efêmera vontade coletiva sempre carregada de emoção política. Mesmo que não tenham como se isolar do mundo real e das emoções políticas, o STF não pode ser permeável ao jogo dos interesses e das legítimas pressões e manifestações da sociedade, o que exige uma grande proteção institucional e disciplina intelectual.

Em todo caso, a ampla cobertura da imprensa e das redes sociais é inevitável no mundo dos bits e bytes da revolução da comunicação; mais do que isso, a exposição é desejável porque a população tem o direito de acompanhar o julgamento, saber o que os ministros estão pensando e quais os fundamentos das suas escolhas, tem o direito de opinar sobre os mesmos, criticar, aplaudir ou apoiar as decisões, mesmo com suas diferenças políticas e ideológicas.

Diferentemente dos parlamentares, homens públicos políticos, os juízes do STF não têm que prestar contas à população das suas decisões, resultado de análise e solitária reflexão sobre os processos, documentos, provas e testemunhos. Os membros STF não devem nem precisam receber o aplauso da maioria da população porque não são representantes diretos da sociedade, são funcionários do Estado com a missão de defesa da Constituição e de julgamento de processos com fórum privilegiado. Os ministros do STF compõem o órgão superior do Estado brasileiro, todos no auge das suas carreiras em cargos vitalícios (até a aposentadoria compulsória) e, portanto, não precisam agradar à população quando analisam e decidem. Paradoxalmente, o papel do STF no sistema democrático republicano consiste, precisamente, em se distanciar e diferenciar das manifestações e das aspirações imediatas da opinião pública.

Os ministros do STF são nomeados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado para o exercício do controle jurídico do Estado; na sua composição atual, sete dos dez juízes que compõem a Suprema Corte, incluindo o relator do processo Joaquim Barbosa, foram indicados e nomeados pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva ou pela Presidente Dilma Rousseff. De modo que, se alguma lealdade política pudesse influenciar nos seus votos seria, provavelmente, com os governantes que os promoveram à alta magistratura brasileira, e não com uma eventual pressão dos meios de comunicação de massa ou da opinião pública. Felizmente, para o bem da república e da democracia brasileira, parece evidente que o STF não está influenciado por lealdades e pressões políticas, julgando o caso do mensalão com a serenidade e a isenção política que cabe ao Estado e à mais alta corte de justiça do país.

Sérgio C. Buarque

Sérgio C. Buarque

 

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Sérgio C. Buarque
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