Esse artigo analisa as tendências que se delinearam nos últimos trinta anos e ainda servem para marcar o discurso de muitos dos novos prefeitos eleitos.. Um dos pressupostos que orientam essa análise é que os mandatos municipais podem ser divididos em ciclos, onde se destaca a agenda mais importante de cada ciclo, tomando como referência inicial a retomada do processo de eleições diretas para as capitais em 1986.
Em 2009, eu havia observado que as administrações municipais chegavam a uma fase de maturidade, porém enfrentando graves sinais de esgotamento do modelo definido pela Constituição de 1988, que já se mostrava com todas as suas vicissitudes, ou seja, revelando o seu verdadeiro alcance e suas grandes limitações.
Na metade da década de 1990, quando se iniciava a terceira safra de Prefeitos eleitos nas grandes cidades brasileiras, participei de uma pesquisa pelo Centro Josué de Castro, com o apoio da Comunidade Européia, onde se pretendia verificar se a democracia local tinha trazido mudanças significativas no reconhecimento de direitos e na qualidade de vida das pessoas. Tomando como referência cidades dirigidas por diferentes partidos, constatou-se que cada eleição trazia uma agenda específica para ser respondida pela administração local, cujo escopo nem sempre vinha sendo totalmente preenchido pela descentralização em curso. No primeiro ciclo, emergiram como prioridades a participação direta da população na definição das políticas públicas e o reconhecimento da cidade informal.
Uma segunda fase foi marcada pela retomada das grandes obras, várias delas sendo uma atribuição normal das prefeituras e, portanto, sem grandes novidades. Uma terceira fase, muito bem diferenciada, foi marcada pelo município assumindo o protagonismo de indutor do desenvolvimento econômico. Sob a influência do modelo de Barcelona, alguns municípios procuraram recuperar sítios históricos degradados, para estimular um turismo diferenciado que despontava no mundo todo, além de incentivar a implantação de empresas com um novo perfil tecnológico que respondessem às exigências do padrão globalizado emergente. Surge aí realmente um novo papel que supera a tradicional atribuição de prestador de serviços básicos e incorpora a parceria com a iniciativa privada na exploração ordenada das potencialidades econômicas locais.
Paralela a essas tendências, em todas as fases foi se aprofundando a responsabilidade do município com as políticas sociais básicas, como educação e saúde, de acordo com a ótica da Constituição de 1988, muito embora ainda permaneça confusa a regulamentação das competências e da distribuição de recursos entre os entes federativos no Brasil.
Nas duas últimas campanhas eleitorais, duas novas questões afloraram em boa parte das plataformas dos candidatos. A primeira questão trouxe a necessidade dos municípios assumirem também a responsabilidade da prevenção à violência, com políticas concretas de prevenção em parcerias com os estados. Uma segunda, passou pelo reconhecimento de que o modelo da escola pública atual não é mais adequado para promover a integração social, e, em conseqüência, não contribui para uma melhora efetiva na equidade que deve prevalecer em toda sociedade: é uma escola que está cada vez mais distante de concorrer para garantir oportunidades iguais para os desiguais. Daí a razão da disputa por modelos alternativos como os CÉUS ou os Centros Experimentais, que apontam reais perspectivas de futuro para os seus alunos. É importante agregar que a safra de prefeitos de 2009/2012 foi de baixa qualidade em importantes cidades, a começar por São Paulo e pelas três principais capitais do Nordeste. O índice de renovação foi um dos mais baixos na história da reeleição.
As duas questões colocadas em 2008 resurgem agora com mais ênfase na agenda dos prefeitos, revelando que a velocidade do tempo social é muito maior de que a capacidade das cidades enfrentarem a forte pressão das demandas postas pelas crescentes tensões urbanas. O novo discurso da segurança e da necessidade de um novo modelo de educação terá grandes dificuldades em razão da crise imposta pela reversão assumida pela descentralização no Brasil. O país ainda mantém regras confusas e inconclusas no arcabouço da descentralização vigente, além de estabelecer uma distribuição tributária bastante centralizada. Essa ultima característica coloca em risco uma distribuição tributária mais equânime, gerando um perverso círculo vicioso De outro lado, o governo federal não dá o exemplo, por manter uma cultura gerencial de baixa densidade e de pouca confiabilidade para boa parte dos municípios. Constata-se o aumento de Prefeitos que entregaram as Prefeituras degradadas, sem nenhum temor à lei de responsabilidade fiscal. Com exceção dos grandes municípios, talvez faltem recursos para o cumprimento dos desafios impostos pela descentralização inconclusa e, por outro lado, falta confiança de que a cultura política ainda prevalecente seja capaz de gerir adequadamente os recursos descentralizados.
*Sociólogo, professor da Pós- Graduação da UFPB e Pesquisador do Centro Josué de Castro.
José Arlindo aborda um tema crucial, que é, em resumo, o centralismo tributário exacerbado da instância federal e a consequente dificuldade das municipalidades assumirem os novos protagonismos que a sociedade lhes cobra.
Penso, todavia, que 2 pontos merecem consideração: a) a afirmação de que o “governo federal mantém uma cultura gerencial de baixa densidade e de pouca confiabilidade para boa parte dos municípios”. Bem, não sei exatamente o que o articulista quis dizer com baixa qualidade gerencial”, mas avalio seguramente o contrário: as ferramentas eletrônicas de que dispõe esse nível de governo em todas as áreas (embora conheça melhor como funcionam no campo da educação)me parecem poderos mecanismos de controle e regulação, capazes de asfixiar estados e municípios de quaisquer amplitude; b) penso que a abordagem sobre o modelo de escola (pelo menos conforme foi colocado)extrapola a questão das causas aparentemente apontadas no artigo sobre a “disputa por modelos alternativos”.
Primeiro obrigado pelos seu argutos comentários. Em relação a desconfiança gerencial, refiro-me da burocracia federal em relação aos municípios. Na verdade, uma grande parte dos municípios não se adaptou ainda às mudanças Constitucionais. Um exemplo está na obrigatoriedade da existência de Planos Diretores para cidades a partir de 20 mil habitantes. A maioria dessas cidades fazem os Planos, mas não criam nenhuma estrutura para o cumprimento das normas contida nos Planos. A tese do artigo é que as novas agendas vão se formando quando as antigas não tiveram respostas. Claro que é preciso ter consciência sobre as respostas possíveis e o tamanho das cidades.