Conselho Editorial
A morte de um Presidente da República em exercício desperta um forte sentimento de perda, tanto por parte dos aliados, como até mesmo dos adversários. Numa democracia com instituições sólidas e estáveis, a transição é tranquila e segura. Quando se trata, porém, de um presidente de perfil populista e personalista, como Hugo Chavez, sua morte pode desencadear instabilidade e grave crise política, pelo vazio que provoca na estrutura do poder. Ao longo da sua vida política e de quase 14 anos como presidente da república, com seu estilo agressivo de caudilho, Chavez dividiu a Venezuela entre fanáticos seguidores e exaltados inimigos, deixando agora uma orfandade política. Orfandade que se estende à velha esquerda latino-americana, desorientada e carente de bandeiras e líderes, depois do desmonte do bloco soviético, do desencanto com Cuba e da expansão do capitalismo selvagem chinês. O governo Chavez não tem nada de socialismo. As melhoras sociais registradas na Venezuela, tirante o palavreado ideológico e a farra do petróleo, não são muito diferentes do que ocorreu em vários outros países da América Latina, como Chile, Uruguai e Costa Rica. Especialmente na última década, o governo Chavez se beneficiou dos elevados preços do petróleo para ampliar políticas e projetos distributivos. Reduziu a pobreza ao mesmo tempo em que formou sua imagem do grande pai e protetor dos pobres. O populismo morre com o caudilho, mas ainda vai despertar muitas emoções. E a maldição do petróleo ainda deve condenar a Venezuela e o populismo rentista dos bolivarianos, agora sem Chaves, à total dependência das oscilações dos preços internacionais.
Não se trata apenas de comparar os resultados do governo Chávez com os de alguns outros países da América Latina. Como se deu essa comparação: em números absolutos?
Não lhes parece que essa questão teria de ser colocada a partir da história – como Chávez encontrou a Venezuela, em termos de indicadores sociais (saúde, educação, habitação), e como a deixou? Afora isso, em 12 anos no poder, realizou 15 eleições, referendos e plebiscitos. Foi vitorioso em 14 e respeitou o único resultado que lhe foi desfavorável. Quanto aos mais ou menos devidos rótulos de populista ou socialista, deixo-lhes este artigo de Tariq Ali:
http://www.avn.info.ve/contenido/hugo-ch%C3%A1vez-y-yo
O artigo de Tariq Ali no original:
http://www.guardian.co.uk/world/2013/mar/06/hugo-chavez-and-me-tariq-ali
Chávez ajudou a atenuar o sofrimento de muitos venezuelanos, entre os mais pobres ou miseráveis, possibilitando-lhes a existência digna que nunca tiveram; por isso o enorme apreço por ele em seu próprio país e mundo afora. Apesar de todos os seus possíveis erros e excessos, seus acertos parecem ter sido maiores!
Confiram:
Hijo de Robert Kennedy
Joseph Kennedy II: Gracias al presidente Chávez, dos millones de personas en EEUU recibieron calefacción gratis
http://www.aporrea.org/internacionales/n224462.html
Os dados sociais do seu governo estão disponíveis on-line, a partir da UNESCO e da OMS, por exemplo. E a legitimidade dos processos eleitorais dos quais participou foram atestados por testemunhos insuspeitos como os do ex-presidente americano Jimmy Carter!
A notícia acima, via EUA:
http://www.wgbhnews.org/post/joe-kennedy-ii-mourns-chavez
A Venezuela bolivariana em dados:
Repassando:
“La Venezuela bolivariana en datos y no en juicios de valor”
“Recomiendo echar un vistazo a estos datos sobre Venezuela. No niegan los problemas y los errores que haya podido haber en otros campos, pero creo que son bien relevantes. Se pueden encontrar explicaciones adicionales a los cuadros en los indicadores que se encuentran aquí”.
http://juantorreslopez.com/impertinencias/la-venezuela-bolivariana-en-datos-y-no-en-juicios-de-valor/
Caros Editores,
Ontem, deixei o comentário abaixo e, hoje, notei que sumiu… Por que Será? Seguem, mais uma vez, os dados dos governos Chávez, para além de todas as querelas:
La Venezuela bolivariana en datos y no en juicios de valor
07 de marzo de 2013
Recomiendo echar un vistazo a estos datos sobre Venezuela. No niegan los problemas y los errores que haya podido haber en otros campos, pero creo que son bien relevantes. Se pueden encontrar explicaciones adicionales a los cuadros en los indicadores que se encuentran aquí.
http://juantorreslopez.com/impertinencias/la-venezuela-bolivariana-en-datos-y-no-en-juicios-de-valor/
Emília
É um privilégio da Revista Será? ter você como leitora que discute e fundamenta suas ideias, discorda com elegância e de forma propositiva. O texto “Opinião” da Revista, como bem diz o título, é opinativo e muito curto para apresentar os números que fundamentam a tese apresentada. Quando dissemos que os outros países também melhoraram seus indicadores sociais estávamos falando de evolução no passado recente com os dados que temos e comparando com a Venezuela. Os três países citados (Chile, Uruguai e Costa Rica) já tinham, em 1999, vários indicadores bem melhores que os da Venezuela e ainda melhoraram mesmo partindo de uma base superior à venezuelana. De acordo com a CEPAL, a pobreza caiu bastante na Venezuela: de 22,6%, em 1999, para 9,9% da população, em 2008. No mesmo período, o Chile registrou uma queda foi de 7% para 4% da população (alcançando, em 2008, menos da metade da pobreza da Venezuela) com um declínio médio de 6% ao ano. A Costa Rica, que já tinha apenas 8,1% de pobreza, em 1999, ainda caiu cerca de 1,8% ao ano, chegando em 2008 com 6,9%. Considere ainda, Emilia, que reduzir de um patamar tão alto quanto os 22,6% da Venezuela é muito mais fácil que baixar dos 7% do Chile ou 8,1% da Costa Rica.
No que se refere à concentração de renda, o movimento foi um pouco diferente porque, em 1999 (ou seja, antes de Chavez), a Venezuela já tinha um índice de Gini inferior ao Chile, da Argentina e, principalmente, do Brasil. Mesmo assim, houve uma queda importante da concentração na Venezuela, de 0,498, em 1999, para 0,412, dez anos depois. Mas praticamente todos os países reduziram a concentração de renda no período, e o Uruguai declinou de 0,440 para 0,382 (1,4% ao ano) no mesmo período.
No saneamento a Venezuela já estava também entre os melhores no ano 2000 com 89% dos domicílios atendidos, acima do Brasil, do México e de Cuba (ainda Cepal). Até 2007, último ano com dado da Cepal para a Venezuela, o saneamento no país subiu apenas 2 pontos percentuais (chegando a 91%), enquanto o Uruguai partiu de 96%, em 2000, para 100% em 2007 e o Chile subiu de 92% para 96% (ambos crescendo 4 pontos percentuais) no mesmo período. Na escolaridade (anos médios de estudo) a Venezuela já tinha 8,6 anos em 2002 (já era o governo Chaves mas não tinha tempo para representar resultado de suas políticas) acima da Costa Rica, do México, da Colômbia e do Brasil. Todos os países melhoraram de 2002 a 2011: a Venezuela subiu 0,5 anos passando dos 8,6 anos para chegar a 10,1 anos em 2011; no mesmo período, o Chile subiu de 10,9 anos para 11,3 anos.
Qual a diferença? Ao contrário dos outros países, a Venezuela de Chavez contou com uma receita excepcionalmente alta de petróleo graças à elevação significativa dos preços internacionais. Em 2002, o barril do petróleo custava US$ 25, pulando para US$ 94 em 2008, evoluindo rapidamente ao ano a ano (mais do que triplica em seis anos). Daí o caráter rentista da economia venezuelana e das políticas sociais do chavismo. Foi melhor que a velha oligarquia? É possível. Mas, fica a pergunta: a Venezuela precisava de um caudilho com o discurso anti-imperialista mistificador e os ferozes ataques à oposição para implementar políticas sociais? Mesmo sem esta massa de recursos extras, os países citados não precisaram de um messias salvacionista para melhorar as condições de vida da população. Você sabe quem realizou as melhorias sociais no Chile? E na Costa Rica? E no Uruguai? Acho que não. E não sabemos simplesmente porque não foi produto de um líder carismático e populista mas de vários governos dentro de uma continuidade num sistema político democrático com alternância de poder e liberdade de imprensa. Conclusão: não precisamos de caudilho. A América Latina já sofreu bastante com os caudilhos e populista.
Gratos pela sua participação e contamos com sua critica sempre muito benvinda.
Caros, muito grata por toda a atenção.
Os números e as interpretações dos números precisariam ser ainda rediscutidos. Afora isso, esta frase me parece pouco clara, pela suposta facilidade que aponta:
“Considere ainda, Emilia, que reduzir de um patamar tão alto quanto os 22,6% da Venezuela é muito mais fácil que baixar dos 7% do Chile ou 8,1% da Costa Rica”.
Vamos, por enquanto, ao cerne da questão: os países citados têm outra história: a Costa Rica é o único país da América Latina incluído entre as mais antigas democracias do mundo; o Uruguai chegou a ser denominado a Suiça da América e, no presente, tem outro quase mito vivo no poder: Pepe Mujica! O Chile cuidou de sua educação pública bem antes do brasil; não vamos nos estender sobre isso porque a questão central é bem outra!
Admitamos que os 3 países citados não precisaram de caudilhos ou líderes populistas, tanto faz. Mas não se pode raciocinar em abstrato, mesmo que seja para falar desses mesmos caudilhos ou líderes populistas. Eis a questão: sem Chávez, a Venezuela teria alcançado os indicadores sociais que alcançou, no tempo em que alcançou? Antes dele, existia o petróleo e uma elite que governou o país por muito tempo. O que essa elite legou aos demais venezuelanos, sobretudo aos mais pobres?
Não dá pra falar de caudilhos ou líderes populistas em abstrato, enfatizo. Getúlio, no balanço geral, foi um mal, causou apenas sofrimento ao Brasil? Quem ousaria afirmar? Sem ele, provavelmente, Olga Benário não teria sido deportada nem Graciliano aprisionado, só para ficar nesses 2 célebres casos exemplares. Sem ele, sem a sua liderança carismática, teríamos tido a CLT, no tempo em que a tivemos? Apesar de sua inspiração na “Carta del Lavoro”, quem ousaria afirmar que a CLT não trouxe avanços sociais ou trabalhistas para o Brasil? Ampliemos, então, a estreita noção de populismo, para a de dominação carismática que Weber não deixou de considerar legítima. Certamente, houve algo de carismático em Chavez; houve também em Napoleão – “mutatis, mutandis”, caberia, então, a pergunta: Napoleão causou apenas mal à França?
Desculpem-me o chavão, mas acho que faltou um pouco mais de compreensão dialética no breve editorial de vocês. Dialética no sentido platônico da palavra, ou seja, que remete ao necessário exame de teses contrárias. Não dá para confinar líderes históricos como Napoleão, Getúlio, Fidel ou Chávez no branco ou preto, no positivo ou negativo. Não dá para apenas rotulá-los, simplificá-los, empobrecê-los.
E, por ter falado em Fidel, abro um parêntesis, voltando ao caso Yoani: não dá pra falar de Cuba ou discutir o seu modelo de “”socialismo”” repressivo e autoritário, sem considerar todo o peso do boicote que o país sofre ou os seus indicadores sociais, atestados por instituições internacionais isentas. Que Cuba, hoje, com toda a sua pobreza, tenha um índice de mortalidade infantil menor do que os EUA, chega a parecer inacreditável. E, no entanto, isso é real. Já sei: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte” e tudo isso em liberdade, of course! Mas sem a comida, a saúde e a educação básicas, torna-se extremamente difícil qualquer diversão e arte, não apenas para uma camada social privilegiada, mas para todo um povo.
Voltando a Chávez e a Venezuela, parece-me notável a América Latina ter contado com um líder que, apesar de tudo o quanto nele era desmedido, resgatou e prestou honras à memória de Bolívar!
Deixo-lhes ainda, este link que aponta para dados a serem ainda verificados e melhor avaliados:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/27642/50+verdades+sobre+hugo+chavez+e+a+revolucao+bolivariana.shtml
E, finalmente, este generoso e lúcido artigo que aborda os maiores desafios a enfrentar por um país diante da perda de um líder com inegáveis características carismáticas.
http://revistaforum.com.br/blog/2013/03/boaventura-morreu-o-lider-politico-democratico-mais-carismatico-das-ultimas-decadas/#.UTp7GJWlD78.twitter
Afora outros lapsos que me escaparam, só acrescentando a crase no ante-penúltimo parágrafo: Voltando a Chávez e à Venezuela…
Exigiria um post à parte considerar o quanto a grande mídia, aqui e alhures, boicotou Chávez, a começar pelo constante rótulo de tirano. Deve ter sido por bem saber dos fatos relativos à declaração de Joseph Kennedy II (link acima), que o ator Sean Penn declarou:
O povo dos Estados Unidos perdeu um amigo que nunca soube que tinha. E os pobres do mundo perderam um campeão. Eu perdi um amigo que tive a bênção de conhecer.
“Today the people of the United States lost a friend it never knew it had. And poor people around the world lost a champion,” says Penn in a statement to The Hollywood Reporter. “I lost a friend I was blessed to have”.
http://www.hollywoodreporter.com/news/hugo-chavez-dead-sean-penn-426205
Quero fazer minhas a maioria das palavras de Emília M. de Morais, sobretudo quando relembra a necessidade do exame de teses contrárias, e sua apresentação, acrescento eu. Sua argumentação se contrapõe a um editorial nitidamente na linha do parti pris, o inverso da proposta propalada pela revista. Se me disserem que é esperando os contraditórios juro que não acreditarei pois considero tendencioso todo escrito que opine tão firmemente sem considerar de modo prismático questões tão relevantes. Acredito que nada pode ser dissociado do seu contexto e as visões para serem transparentes e questionadoras têm que considerar os fatos históricos com amplitude., o que só cabeças libertas de sectarismos conseguem. Insisto sempre no que as leituras críticas podem trazer aos jovens e gosto muito quando publicações se preocupam com isto, abrindo horizontes e não os restringindo.
George Galloway é um político inglês que merece ser ouvido. Ele se opôs à Guerra do Iraque, e por isso foi expulso do Partido Trabalhista na era Blair.
Este vídeo, trecho de um diálogo com os estudantes de Oxford, legendado em português, merece ser visto e compartilhado.
(dica de Anotnio Ateu, via Facebook)
http://www.youtube.com/watch?v=jtVH5YuEMIU
Prezada Fátima
O editorial é a Opinião da Revista e, como tal, expressa nossa concepção política dos fatos e da realidade. Sempre que possível, tentamos, sem pretensões de donos da verdade (ninguém é dono mesmo, não é certo?), levantar dúvidas sobre as ideias dominantes entre os pensadores, intelectuais, formadores de opinião e pessoas bem informadas, como você e como Emília. Achamos que assim, estimulamos criticas e respostas de pessoas como vocês que fazem o contraditório permitindo que os leitores, lendo visões e opiniões diferentes e fundamentadas, tirem suas próprias conclusões. Nós respeitamos muito a opinião de todos, abrimos espaços, comemoramos as criticas, tentamos responder com educação e elegância; tentamos fundamentar a nossa opinião e tentamos contextualizar. Pode ser que, como você diz, não tenhamos feito uma contextualização correta O contraditório, Fátima, se manifesta nos comentários dos leitores aos nossos textos, tanto no Opinião quanto nos artigos e ensaios, como tem sido muito bem feito por Emilia. Na nossa resposta aos comentários, examinamos as teses de Emilia e estamos reproduzindo os novos comentários dela e acho que contribuímos todos para um bom e rico debate.
Tínhamos decidido não voltar ao assunto, deixando o debate aberto porque não é nossa intenção chegar a uma pretensa “verdade”. Mas achamos que você também, com todo respeito, merece nossos atentos comentários. Imaginamos que tenha faltado ainda um bocado de coisa na contextualização, mesmo com as opiniões de Emilia e os links que ela gentilmente anexou. Claro, sempre falta. Pedimos a você que nos ajude explicitando o que faltou, o que mais podemos acrescentar para compreender melhor a realidade da Venezuela. Concordamos com você que só “cabeças libertas de sectarismos” podem considerar os fatos com amplitude; precisamos de abertura intelectual para ouvir opiniões e pontos de vistas diferentes, meditar sobre eles, aceitar que o pensamento diferente não representa um crime ou uma afirmação maldosa e que não é sectarismo desde que argumentado. Achamos que Hugo Chavez dividiu a opinião na Venezuela e no Brasil entre fanáticos seguidores – para quem ele é o novo líder da esquerda continental com seu confuso “socialismo bolivariano” – e exaltados inimigos que ignoram as melhoras sociais que ocorreram durante o seu governo. Nosso empenho é fugir desta dicotomia e para isso temos que insistir que Chavez foi um caudilho que, como Getúlio ou Perón (para lembrar Emília), fez algumas melhoras na vida do povo. Não existe nada de tendencioso em considerar, com os elementos da política venezuelana, que Chavez explorou seu carisma numa relação fanática direta com as massas; não existe nada de tendencioso em manifestar nossa análise de que seria preferível e viável a realização de melhoras sociais nos nossos países sem precisar recorrer ao caudilhismo, à mistificação, ao culto à personalidade e ao voluntarismo de um grande líder, tudo que leva, isto sim, ao sectarismo.
Continue escrevendo e opinando neste espaço. Será sempre benvinda.
Caros, já tinha me prometido a não mais intervir porém, como vocês me citam, a mosca do diálogo me pica!
Não os conheço; aliás, conheço apenas Teresa com quem divido doces, esparsas lembranças de nossa infância em Garanhuns e amargas partilhas de recentes perdas afetivas. Minha amizade por ela permanece sagrada (nos 2 sentidos dessa palavra), acima de quaisquer discordâncias que possamos vir a ter.
Não vou entrar em detalhes do comentário acima, mas concordo com a Maria de Fátima Amorim: o contraditório tem de estar presente em qualquer pessoa que pretenda exercer o pensamento. Corre sério risco de, no mínimo, parecer bastante cômodo ou preguiçoso esperar que o contraditório venha do outro, ouvinte ou leitor. Deve ter sido por isso, dentre outros possíveis motivos, que o filósofo inglês Alfred North Whitehead escreveu em 1929: “The safest general characterization of the European philosophical tradition is that it consists of a series of footnotes to Plato”.
É tarefa reflexiva hercúlea tentar fazer qualquer crítica a Platão que ele próprio, examinando teses contrárias e contraditórias dos seus personagens, já não tenha feito a si próprio. Até mesmo o essencial da crítica à moral, formulada por Nietzsche, está esboçado no longo debate entre Sócrates e Cálicles, no diálogo “Górgias”. Por essas e outras, considero-o, não somente o maior discípulo de Sócrates, mas o grande mestre do pensar.
Confesso-lhes, então, o meu espanto: por que tinha de ser uma aprendiz da filosofia, meio amante da hipótese da Formas transcendentais, uma platônica quase convicta, que tinha de chamar a atenção de vocês, cientistas sociais, para não relegar, seja a situação concreta atual, muito particular, da Venezuela, seja o longo processo histórico que tornou possível o aparecimento de um governante como Chávez? Ok, podemos apontar vários limites e riscos no “confuso socialismo bolivariano” de Chávez, mas o que de bom ou de melhor poderíamos enxergar na direita venezuelana que deteve o poder por tão longos anos?
Deixo-lhes ainda dois recados, um particular (A) e outro mais geral (B).
A) Duvidem, como manda o lema da revista, dessas noções de caudilhismo e populismo. Elas são categorias pobres, porque rotulam, menosprezam e simplificam. Convido-os, uma vez mais, a retomar a noção weberiana de dominação carismática (legítima), muito mais fecunda para a compreensão do real e de líderes de massa tais como Chávez ou mesmo Lula. Tentem compreender por que um líder faz apelo direto às massas e pode ter com elas uma relação de veneração, mais ou menos próxima do fanatismo. É principalmente pelos resultados que podemos distinguir líderes carismáticos, sobretudo maléficos ou benéficos Se a recusa do carisma torna-se renitente e se petrifica, a gente joga fora não apenas um Hitler, mas também um Gandhi ou um Luther King! Um político tem de ser mesmo avaliado por seus resultados e os de Chávez não são desprezíveis, antes pelo contrário!
B) Vejo um risco ou um erro muito sério na imprensa e na política no Brasil e seria lamentável se vocês incorrerem nele. Trata-se de uma preocupação muito grande, eu diria mesmo uma quase obsessão, de antigos simpatizantes ou militantes da esquerda, para criticar, antes de tudo, os que, bem ou mal, hoje, estariam mais afinados com a esquerda. É o papel que, dentre outros, tem sido desempenhado com vesga competência por ex-perseguidos da ditadura: no jornalismo, por Arnaldo Jabor e, na política, por Roberto Freire. É óbvio que todos os partidos e líderes, inclusive os que se presumem de esquerda, precisam ser criticados. Ainda assim, um país que tem uma elite pensante, originária da esquerda, porém mais atenta aos erros do que aos acertos dos herdeiros dessa esquerda, esse país já não precisa de oposição à direita.
Ontem, deu até no Estadão!
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,em-washington-pobres-viviam-com-ajuda-da-venezuela-,1006814,0.htm
Obrigada por responderem; mesmo sem dividirmos doces como faz Emília com a amiga, estou aqui como atual seguidora da revista e creio que é bom que justamente os leitores anônimos e desconhecidos se expressem e mais ainda que haja essa atenção. Sei que sempre faltará algo a dizer, a discutir, mas assim são essas questões, e claro que não me arvoro a ajudar pq vcs não precisam, menos ainda de uma pessoa comum, sem nenhuma formação além do olhar atento ao que ocorre no mundo. Queria restringir os comentários tentando ser sintética mas sei que vou escrever demais, vai ficar maior que o editorial! Bom, sobre o que o texto diz e como o diz, começando pelo título, este foi o mais utilizado em toda a imprensa nacional e internacional, cabível (a meu ver, é claro) qdo da doença incorretamente escondida pelo governo – prática aliás já conhecida pelos brasileiros em tempos de Tancredo – tentando tapar o sol com a peneira.
Mais do que ressaltar a incerteza (com a qual “os mercados” estão preocupadíssimos) prefiriria ver salientados os possíveis caminhos na Venezuela. Com a morte de Chavez, mais que incerteza, se abrem novamente as duas possibilidades já existentes, situação versus oposição. Fanáticos ou não, mesmo sem Chavez há a chance de com respaldo popular (não ocorrerão eleições?), Maduro se manter no poder. A outra quase metade (fanatismo contra eufemisticamente chamados de exaltados?) tb terá a sua chance de renegar a política atual, que pode perder com ou sem o caixão de vidro. Só essa divisão quase paritária de ambas os lados já mostra que, orfandade à parte, o povo está disposto a ir à luta pelo que acredita ser seu melhor caminho, o que se constitui uma perspectiva que não sabemos onde desembocará, mas não é assim que deve funcionar a democracia? Que legado (não só o negativo) Chavez deixa, que desdobramentos poderão ter uma ou outra vitória, isso sim importa muito.
Quem se habituou a ver caminhos impostos à força como ocorria na América latina pode realmente não suportar que um homem como Chavez se torne um líder com respaldo – se não da maioria, coisa muito difícil – de mais da metade dos venezuelanos. Concordo com as adjetivações quanto ao caudilhismo, personalismo, etc, mas não posso deixar de reconhecer que, mesmo para quem preferisse um líder asséptico estilo europeu, digamos assim, este não apareceu, e foi Chavez mesmo, feio, estabanado, centralizador e com cara de povo, quem conseguiu congregar tantos em torno de um projeto, discordemos ou não do seu modelo. E como é fácil dizer “fez melhorias sociais mas…”, e desmerecer importantes feitos, ao invés de criticar numa perspectiva de aperfeiçoamento. Eu que cresci ouvindo dizer que devíamos esperar o bolo crescer pra poder ser dividido (e vendo generosas fatias indo pra boca de uns poucos), não consigo deixar de admirar, apesar dos erros, sem dúvida, qdo há algum tipo de mudança nessa lógica da iniquidade que continua crudelíssima.
A “velha esquerda” (ah, as palavras) latino-americana, saudosa e carente de líderes, coexiste com a velha e nova direita latino-americana ou de alhures, saudosa esta dos tempos dos quintais que tinham por aqui, o povo calado à força. O desmonte dos blocos socialistas ainda são chorados pq representavam uma perspectiva melhor, o que infelizmente não ocorreu. É preciso mesmo, concordo, uma renovação, quem chega, indefectivelmente. E estamos, em todo o mundo, à procura de novos caminhos pois a crise tb já atingiu o mundo rico. Ou reconhecemos como positivos os conflitos e problemas que ocorrem em países como a Venezuela de hoje ou achamos que o mundo não tem solução mesmo, que um dia implodiremos, não seria uma pena? Mas não seriam esses conflitos inerentes à democracia a que todos aspiramos que a fazem se mover?
Considero tb uma pena um povo precisar se agarrar a políticos de modelos obsoletos para quem já atingiu uma compreensão um pouco maior. Pode um povo até não ter certos atributos mas nunca vai deixar de reconhecer quem, errando ou não, luta por ele, mesmo com loas pessoais. Sou bem sincera, as conquistas sociais não devem realmente calar as críticas, mas, ao serem postas como haveriam de ocorrer quase naturalmente em qualquer modelo inclusive os anteriores (imediatos ou mais remotos), isso configura uma visão sim, mais estreita do que poderia ser. Pois se não nos abrirmos ao reconhecimento dos acertos quando criticamos os erros, incorreremos sim no que Emília (que pelo jeito está virando minha guru aqui) diz na letra B do seu último comentário. A crítica tem de existir, senão não se anda pra frente, mas cabeças não sectárias, repito, ou abrem nos seus escritos o espectro das idéias ou simplesmente as enterram.
Correção:
É preciso mesmo, concordo, uma renovação, que chega, indefectivelmente
Caros,
Soclicito-lhes conservar esta retificação a meu post anterior, “Venezuela, prós e contras” porque saiu truncado. É preciso complementá-lo com esta informação:
Entrevista com o Professor José Luiz Quadros Magalhães
http://www.youtube.com/watch?v=0Vnh3q-H3aE
Essa entrevista é excelente; merece ser assistida mais de uma vez.
Uma vez mais, muito grata pela atenção.
Nós que agradecemos a vocês pela participação tão ativa no debate aberto pela Revista Será? Entendemos que esta é a nossa contribuição, nossa e de vocês, para estimular a reflexão e a análise crítica, ampliando nossa compreensão do mundo, de nós mesmos e dos leitores da revista. Muito bom o debate e enriquecedor a interação entre pensamentos e interpretações diferentes. Serão sempre bem-vindas.
Reenviando comentário remetido anteriormente, conforme me foi solicitado por João Rego:
Este artigo de Paulo Moreira Leite aborda o legado de Chávez e as contribuições de Ernesto Laclau às discussões em torno do populismo latinoamericano:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/281963_CHAVEZ+E+A+DOENCA+DE+SEUS+INIMIGOS
Para saber mais sobre Ernesto Laclau e o livro “La Razón Populista”:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u95696.shtml
Em que pese um “quase fechamento” dessa conversa entre leitores e conselho editorial, sabemos que nem os temas se esgotam e nem a Venezuela parou, pelo contrário, engatinha nessa nova conjuntura. Então quando li este artigo com um olhar crítico sem palavras de ordem ou bandeiras fanáticas, embora claro, o autor manifeste e justifique o que aprova, questionando a postura que desaprova,resolvi por o link aqui.
Tenho apreciado muito a possibilidade que hoje se tem de duvidar do que se publica pois este é um dado novo no mundo da informação, antes inquestionável. Aliás, a dúvida e novos olhares parecem ser o que a Será? pretende.
E assim vamos ampliando as visões, sem atingirmos, claro, “a” verdade.
“Para as mídias, um homem a eliminar”
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1389