Cais José Estelita, Recife. Área degradada e de alto valor urbanístico para o qual empresas têm ambicioso e controverso projeto imobiliário. O Cais José Estelita é o ponto de encontro de visões distintas de cidade. Precioso e raro momento para discutir o Recife que queremos. Raro, porque fomos nos afastando gradualmente de uma tradição recifense que nos orgulhava: sempre tivemos bons urbanistas e gestores públicos, desde os tempos de Nassau, que fizeram da cidade um dos mais belos lugares para se viver no Brasil. O que está em jogo, além dos disparates naturais dos que parecem discutir mas apenas esgrimem acusações? Um novo jeito de fazer cidade. Cresce entre nós, especialmente no meio dos jovens, um desencanto com a cidade que resultou de um modelo de negócios imobiliários que começa a falhar e que reflete a incapacidade dos governos de investir e de regular os investimentos privados. É limitada e equivocada a dicotomia da discussão: “qualquer edificação é melhor do que deixar o lugar como está, decadente e abandonado” ou, o seu oposto: “tudo que o capital privado propõe para área não serve à requalificação urbana”. Nem tanto ao cais, nem tanto à terra. O que se deve discutir seriamente é o modelo de negócio e de investimento que tenha viabilidade econômica mas, ao mesmo tempo, gere os melhores resultados à reestruturação urbana da cidade do Recife. O que está em jogo, em termos econômicos (e, portanto, de viabilização) é encontrar um novo modelo de negócios imobiliários que seja ganha-ganha, para os investidores e para a cidade. O movimento #OcupeEstelita deu uma enorme contribuição para aprimorar o projeto e a Prefeitura negociou mudanças importantes no modelo inicial. Mas ainda é necessário melhorar bastante, principalmente no uso misto com nova configuração de gabaritos e densidades CONECTADA com a cidade (a área total construída pode ser a mesma, sem prejuízos de metros quadrados vendáveis). O uso misto dará vida e cara de cidade a esta frente d’água de valor inestimável para o Recife. E seria um fato extraordinário: um experimento urbano que honraria a tradição pernambucana de fazer cidade boa para se VIVER.
Os Editores
Nasci e vivi minha infância/adolescência no Bairro de São José, primeiro na rua Augusta (engolida pela equivocada Dantas Barreto) e depois na Rua Imperial. Coube a Augusto Lucena, com a Dantas Barreto, rasgar o bairro, deixando-lhe uma ferida em nome do desenvolvimento, à época. A frente d’água da José Estelita, que nos meus tempos de menino se chamava “faixa”, sempre foi morta e segregada do bairro de São José pelo páteo ferroviário e os armazéns de açúcar. Integrá-la à cidade, como espaço de lucro empresarial e de vivência e convivência urbana é o desafio do Projeto Novo Recife. Mesmo com os avanços sobre a proposta original da empresa exploradora, fruto da reação e movimentos, continua sendo um projeto de gueto ao avesso: isolando-o da cidade para um viver enclausurado dos endinheirados. Em especial os edifícios garagem continuarão exercendo o papel de separar o requinte da miséria a partir da avenida sul, rua imperial e o coque. Papel que cabia antes ao muro da ferrovia. Nem tanto ao cais, nem tanto a terra é de fato o desafio. Mas para isso é preciso pensar o Novo Recife num contexto mais amplo, de todo o bairro de São José, e isto é um papel não do empreendedor privado, mas do empreendedor público: a Prefeitura, com ativa participação dos donos da cidade, todos nós, incluindo os empreendedores privados. Problema para isso: a pressa, que como diz uma letra de Paulinho da Viola, é a alma dos nossos negócios. Precisa tempo para dialogar…não para duelar. No duelo o tempo é curto, quando um é muito mais forte.
Depoimento interessante e argumentos coerentes. Seria preciso muito mais gente com a sua vis]ao, para se chegar a um consenso “ganha-ganha”, de forma que as mudanças sejam boas para todos e não apenas para um pequeno grupo de privilegiados.
Concordo com o texto, principalmente sobre a necessidade de se rediscutir o que é melhor para o Recife e sua população, aflita com tantos desmandos e falta de planejamnto urbanístico. A verdade é que a discussão sobre o tema, motivada pela inquietação dos jovens, cansados de tantos descuidos da administração pública e da ganância dos grupos investidores e imobiliários, ao longo dos anos. Toda discussão entre lado opostos é sempre salutar, sobretudo, quando se busca um termo conciliador. Vamos cuidar melhor do Recife, intensificando um planejamento urbanístico, que contemple ações para atender a mobilidade, o laser da sua população, incluindo modelos que contemplem, também, o desenvolvimento econômico. Vamos em frente com o movimento #OCOPERECIFE, para ampliar e fomentar a discussão sobre esse tema vital para a sociedade.
Entendo que os intelectuais, os urbanistas, pensadores da cidade, estudantes, uma parte significativa da sociedade, todos nós, estamos cumprindo um papel importante nesse processo de repensar o Recife.
Será que algum investidor ou empresário de visão maior não vai perceber que estamos diante de uma grande oportunidade de reposicionamento e redirecionamento dos conceitos de negócio, de uma ampliação da visão de resultados empresariais, incluindo a imagem e a reputação das empresas também como um valor a ser contabilizado? Será que não esta aí o espaço e o momento adequado para se marcar uma diferença? Seria uma grande ousadia. Será?
Autoridades Recifense faça uma visita até BELÉM DO PARÁ VEJA O QUE CONSTRUÍRAM NAS DOCAS DO PARÁ, obra maravilhosa para todos.
Recife merece um local naquele modelo.
Este cais conheço desde 1962, em 1970 já estava abandonado.
Acorda autoridades RECIFENSE Pernambuco é orgulho para todos brasileiros.
“É limitada e equivocada a dicotomia da discussão: “qualquer edificação é melhor do que deixar o lugar como está, decadente e abandonado”
Pinço esta frase da Opinião para dizer que eu fazia parte da turma que pensava assim. Confesso que vejo no ímpeto empreendedor de certos investimentos como o Shopping Rio Mar, onde antes era uma favela, marcos balizadores de um positivo crescimento da cidade.
O Cais José Estelita, para mim, o que substituísse aqueles abandonados armazéns, voltando à vida uma área urbana potencialmente privilegiada seria melhor para todos.
Com a Opinião da Será? Recuo da minha visão simplista e reconheço a necessidade de se negociar entre os interesses da sociedade civil e o ímpeto empreendedor da construtora (que confesso, admiro). O Problema é que os movimentos sociais organizados sofrem de um infantilismo primitivo do esquerdismo e o setor público, no caso a prefeitura, apesar de detentora do poder político e legal, não tem uma estrutura administrativa minimamente capaz de mediar estes conflitos.
Sinto falta de um Planejamento da Cidade de 15, 20 anos à frente. Pactuado, discutido, estruturado e inteligente.
Para os mais revoltados com o Projeto da Construtora lembro uma coisa simples, banal até: a ocupação dos espaços urbanos é um dos resultado diretos das contradições sociais existentes na cidade. O fenômeno José Estelita é a materialização viva e dinâmica ( que envolve a economia, a sociedade, o poder e a história do Recife) destas contradições mais profundas que vêm estruturando nossa cidade há séculos.
Com o fim do socialismo – demarcado simbolicamente pela população revoltada em outra cidade, e, não por acaso, em torno de um aparelho urbano, o muro de Berlim -, nos restou o capitalismo moderno, insaciável em sua fúria avassaladora de criar o novo e, sobre ele ter lucro.
O que fazer? Atuar para que os movimentos sociais organizados amadureçam em sua ação política para ficarem sempre um passo à frente das grandes corporações. No acaso do José Estelita dormiram no ponto durante décadas.
Agiram muito bem diante do caso da Tamarineira e está tudo parado! E aí? Será que só se reage de forma inflamada sem uma estratégia política de defesa da cidade? Onde estão estes líderes? Não os há?
Enquanto isso na Sala de Justiça, os senhores do universo – sacerdotes supremo da produção da riqueza – deitam e gozam com a nossa parca e as vezes pueril organização política.
Arquitetos, urbanistas, jovens facebookianos uni-vos! Por que isso é só o começo.
Bravo, camarada João Rego!
E excelente o editorial da revista.
Esperava ansiosamente a Revista Será? abordar o assunto em questão, pois acompanho e respeito este espaço, onde a discussão e as opiniões fluem de forma respeitosa e me enriquecem como pessoa e cidadão.
Porém apesar de concordar com o pensamento central, exposto brilhantemente pelos Editores, onde deixa claro a importância de se discutir a cidade, fugindo do embate simplório e raso do “Velhos galpões vs Espigões de concreto”, e expõe o desejo de estabelecer uma relação ganha-ganha entre o consórcio Novo Recife e a população, percebo uma inocência tremenda ao falar que a Prefeitura negociou mudanças importantes no projeto inicial.
Afinal o que o #OcupaEstelita está propondo desde o início é a possibilidade do projeto ser discutido pela população, visto que não houve audiência pública, e que sejam cumpridos os trâmites legais, afinal sem parecer do IPHAN, consulta ao DNIT, Estudo de Impacto a Vizinhança, Estudo de Impacto Ambiental, dentre outras ilegalidades, o Projeto Novo Recife não passa de uma tentativa criminosa de saquear o espaço público com modus operandi digno da máfia italiana.
Caro Ricardo
Temos bastante motivos para discutir e questionar o projeto Novo Recife. Mas temos que tomar cuidado para não reproduzir informações incorretas (ou mesmo intencionalmente manipuladas)sem fundamento, Me refiro à propalada falta de debate e de conhecimento do projeto e, como diz no seu comentario, falta de audiencia publica. Se você entrar no youtube e procurar “Audiência Pública do Projeto Novo Recife” vai encontrar video com a audiencia realizada no plenarinho da Camara de Vereadores no dia 30 de novembro de 2012 (menos de dois anos atras). Esta audiencia foi presidida pelo vereador Mucio Magalhaes, tendo sido apresentado o projeto que recebeu criticas de diversos representantes da UFPE, do IPHAN, do Ministerio Público. O que é lamentavel nesta audiência é que a plateia nao debateu e preferiu agredir os empresarios e seus arquitetos com vaias e gritos de alta grosseria. Para quebrar o dicotomia que falamos no Opiniao, é necessário que se apresentem os argumentos e as alternativas. E existem. E mesmo que o projeto seja a alternativa, pode ser melhorado. Mas nao é com vaias e menos ainda com difusao de informaçoes infundadas que se constroi o futuro do Recife. Sergio
Somos passageiros do azul. O azul da cidade tomada ao mangue e à imaginação. Como passageiros, temos a responsabilidade sobre o passado. E sobre o futuro.
Sobre o passado, nossa responsabilidade é patrimonial. De preservar um perfil arquitetônico que diz: este é o Recife. O Recife de sempre. E não o novo Recife. Que não tem identidade com a história da cidade.
Sobre o futuro, nossa responsabilidade é ambiental. No sentido humano da expressão ambiental: relacionada com o morar, o andar, o mover-se. O viver. A responsabilidade de legar a filhos e netos um lugar propício.
A ocupação do cais José Estelita permite um olhar eterno sobre o Recife de três perspectivas. A primeira é a perspectiva do prefeito da cidade. O que é, excelentemente, o prefeito do Recife ? O defensor da urbe. Da integridade da urbe. Da harmonia entre suas partes. O cais deve exercer uma função óbvia dentro de um contexto humano e ambiental. Por isso, quanto mais concreto, pior. Quanto mais parque, melhor.
A segunda perspectiva é a da cidade das águas. Unida, nos seus pedaços molhados, por rios e mangues. Com uma clara vocação fluvial e marítima. Que é rio e mar. Que se consagra a esperado intercâmbio de transparências. Cidade líquida e certa como as águas que banham nossas manhãs diárias.
A terceira perspectiva é a da história. Observando-se o bairro de São José, de cima do viaduto, percebe-se o mapa de construção da cidade. Nos séculos que a edificaram. É preciso justapor ao barroco ali desenhado o zelo de bosque, o arremate de parque. Em convivente respeito ao que é permanente no urbano. A vida.
A grande vocação do Cais Estelita é sem dúvidas a implantação de uma marina. Mas isso deveria ter sido objeto de um plano piloto, feito por gente especializada no assunto, de modos a que contemplasse a especificidades (e complexidades, sobretudo de ordem hidráulica), de cada trecho da orla abrigada. Na falta de percepção dos incorporadores – e por que não dizer do governo local – a valiosa margem abrigada, justamente aquela que teria maior aptidão para receber um complexo náutico, já sofreu a implantação de um grande prédio, de forma irreversivelmente comprometedora …
O rugido do Leão do Norte
Quem conhece, diuturnamente, essa grande area do Recife, sabe o quão é preocupante para quem por la passa, comercialmente se instala, e, corajosamente reside, se éq ha algum ou outro cidadão em condição digna q o faça isso. Salvando, isoladamente as torres gemeas residenciais, q se estendem ao longo do cais, mas q tem q se amparar dum arsenal privativo d segurança, para q os seus sonos se tranquilizem.
São inumeros predios seculares ainda abandonados, fetidos e decreptos oferecendo riscos e danos aos transeuntes desavisados, com possibilidades d acidentes devido aos desmontes dalgumas marquises e paredes em ruinas, entre outras marginais e oportunas ocupações.
Manter o Recife Antigo como um celeiro apropriado as baratas, pros bandidos e para os ratos, creio ñ ser a sensata solução, ainda q se conservem vazios os historicos predios e outros casarões, cujo custo social para mante-los, apenas, para estudos e observações atravessariam os limites dos IPTU e outras tributações . trata-se duma região geo-estrategica, dotada d vias diversas, maritima, fluvial e urbana, entre outras concentradas valorações. Sem ter q apelar para imobiliarias especulações, Pernambuco, por Recife, se apresenta solucionando um secular entrave ocupacional urbano q persiste, via radicais tolas intervenções, hereditarias brigas d familias por ñ concluirem ao sabor d suas formais d partilhas, aliadas a inoperancia do setor publico quanto as suas obrigações.
Para a população abrir travadas portas e janelas, atraves do feito publico/privado algo q dignifique aquele central meio, elenca a releitura historico-politica Nacional para o mundo como contra-proposta, disponibilizada por meios d ajustes e reformas, para uma cidade tratada com esmero frente aos proximos seculos, assegurada pelas novas e futuras gerações.
Helio
Qualquer ocupação de espaço público (e em alguns casos do privado), especialmente em uma cidade como o Recife, com elevada densidade demográfica, sérios problemas de mobilidade, carência de infraestrutura de saneamento, dentre outros males urbanos, carece de uma discussão ampla na sociedade. Como constata o Ricardo Rego em seu comentário, os trâmites legais para aprovação desse projeto não foram seguidos. O que acontece com os órgãos públicos responsáveis por planejar e controlar o desenvolvimento da Cidade? Parece que falta capacidade, eficiência e autonomia para tomar decisões, tudo que a iniciativa privada, especialmente do setor imobiliário, tem de sobra. Com a aprovação duvidosa de um projeto polêmico, em uma área estratégica do Recife, já se inicia rapidamente a demolição de prédios para início das obras. Em pouco tempo, o fato é consumado, não se volta mais atrás, nem se fala mais disso. Foi o que aconteceu com as “torres gêmeas”, no também Cais de Santa Rita.
É preciso que fique bem claro que o caos que vivemos hoje nas grandes cidades brasileiras é, sobretudo e principalmente, resultado da falta de planejamento urbano adequado às especificidades de nossas cidades. A ocupação de um espaço remanescente e estratégico, como a do cais de Santa Rita, deve ser discutida e rediscutida pela sociedade, por meio de suas representações. Por que tanta pressa? A quem interessa a pressa? Em cidades de países sérios, esse tipo de ocupação levaria um tempo enorme de análises e discussões para, finalmente, se bater o martelo.
Cerca de 4 anos atrás conversei longamente com um Professor de uma Universidade da Suécia, que veio ao Brasil, entre outras coisas, para a convite de nossa Universidade ser o principal palestrante de um evento. Um acidente na rua, com um caminhão chocando-se com um poste, que suportava as linhas elétricas de alimentação do Campus, deixando-o sem alimentação elétrica, provocou nossa aproximação, pois que interrompeu, por um período a apresentação do Professor. Na ocasião discutíamos acerca de um tema que me encanta e que foi objeto de minha dissertação de Mestrado há uns 8 anos atrás, versando sobro o Planejamento e Gestão Ambiental, com recorte principal sobre o Planejamento Urbano (Lei das Cidades – Plano Diretor). Disse-me ele: Em Estocolmo os planejamentos urbanos da “grande Estocolmo” são realizados para 50 anos, ou seja, mirando-se 50 anos à frente. As demais cidades que a cercam elaboram seus planejamentos urbanos para prazos de 30 anos. Surpreendi-me com planejamentos de tão longo prazo, principalmente olhando “para o umbigo”, onde os dirigentes, Presidente, Governador e Prefeito não possuem o costume de legislar em prol da população, independentemente dessa os haver escolhido ou não, mas sim para atender a seus próprios interesses. O Professor, pelo meu silêncio momentâneo perguntou: e vocês aqui no Brasil, como realizam os planejamentos urbanos? Eu respondí: Professor, somos um país com cerca de 5.600 municípios. A Legislação que trata do assunto somente obriga os municípios com mais de 20.000 habitantes a ter seu Plano Diretor Urbano. Cerca de 90% daqueles que possuem seus planejamentos urbanos não os tem atualizados, e a população não é chamada a contribuir. Eu retornei com outra pergunta, questionando-o o que a população faria se o governante, em seu País, não realizasse as mudanças necessárias e não ouvisse a opinião popular? A resposta foi simples e direta. Eu meu País o povo escolhe o Governante. Se o Governante não atende aos desejos populares o povo o substitui. E aqui no seu País, como fazem? Aguardamos uma próxima eleição e tentamos fazer com que a população perceba que são necessárias mudanças. Não tendo o melhor dentre os candidatos escolhe-se o “menos ruim”. E assim concluímos uma conversa que começou com a queda de um transformador, sobrevoou a Suécia, convergiu para a avaliação dos governantes e chegou à nossa fraqueza na realização das mudanças.
Acabo de ler o editorial da Revista Será e os comentários até agora inseridos sobre o projeto do Cais José Estelita. Antes de mais nada, parabéns João Rego pela consistência, enfoque e absoluta pertinência da matéria. Assino em baixo! Um raio de lucidez na estranha escuridão que nos leva, sem fugir da tese central, a reflexões inarredáveis que se traduzem em algumas perguntinhas ingênuas estilo Garrincha:
1. Será que é tão difícil evitarmos que à cada novo projeto significativo que se apresenta no Recife aqui, tenha que resvalar para essa “dicotomia” que o editorial condena com justa razão ?
2. Será que esse repetitivo “diálogo de surdos”, a cada obra importante, não é decorrente da ausência de um mínimo de regras permanentes, emolduradas e definidas por um planejamento urbanístico sério, competente e, sobretudo, honesto, como fruto de uma discussão que envolva toda a sociedade, inclusive ouvindo a população ?
3. Sem qualquer ranço demagógico, como não ouvir o povão se é a parcela majoritária que mais sofre pela falta de uma existência digna, amontoado em transporte coletivo de péssima qualidade, deficiente atendimento à saúde, escolas públicas despreparadas, níveis de segurança ainda indesejáveis e sempre afrontado pela suntuosidade de obras que não o favorecem em absolutamente nada ?
4. Será que a cidade aguenta discussões que duram anos, abertas à cada projeto de vulto, sem que se apresentem alternativas válidas, com qualidade estética, técnica, econômica, preservativa do resgate histórico e do meio-ambiente ?
5. Será que não falta a definição de certos conceitos imprescindíveis à elaboração de um plano Diretor que estabeleça o modelo de desenvolvimento urbano da nossa cidade ? Tomemos alguns exemplos: Existe um princípio consagrado no mundo inteiro e decantado por todos os gestores públicos de que NÃO EXISTE SOLUÇÃO PARA A MOBILIDADE URBANA QUE NÃO SEJA ATRAVÉS DO TRANSPORTE COLETIVO. Por que isso não se transforma em uma política de Estado para ser encarada como inarredável prioridade? Dentro desse critério, tão exaltado e nunca cumprido, porque ainda se facilita a venda de veículos individuais ? Do mesmo modo, porque se reduz o custo de emplacamento das motocicletas, sem contar que se transformaram em maiores responsáveis pelas mortes de trânsito e congestionamento dos hospitais de urgência ? O Estado tem obrigação de assegurar a mobilidade dos veículos, mas NÃO TEM OBRIGAÇÃO DE FORNECER ESTACIONAMENTO aos afortunados proprietários de veículos individuais. O Poder Público pode bancar privilégios ? Porque ainda se permite a instalação de atividades super-coletivas, tais como hotéis, colégios, igrejas, magazines, prédios comerciais, sem garantir o estacionamento privativo dos seus frequentadores ?
6. Pelo que todos observam, de há muito, o Poder Público Municipal fez uma opção pelo ADENSAMENTO SEM LIMITES, o que levou um caro amigo, arquiteto ora fazendo mestrado em Urbanismo na Espanha, a afirmar que Recife já optou em se transformar em HELLecife e adverte às demais cidades para não seguirem o exemplo.
7. Existe ainda uma questão gravíssima a considerar e que, sem ser conhecedor do assunto eu ouso colocar em debate, de forma atrevida e rogando o perdão de queridos amigos projetistas: a má qualidade dos projetos de engenharia urbanística e rodoviária executados. Segundo a fábula do jabuti, quem avistar um jabuti em cima de uma árvore, procure o responsável, uma vez que jabuti não sobe em árvores. Se esses projetos não estivessem executados, o prejuízo se limitaria ao custo deles, mas eles foram construídos e estão aí pra quem quiser ver. Citemos alguns:
a. O incrível Viaduto de Cinco Pontas – não posso afirmar, mas deve ser o único viaduto no mundo com uma interseção no meio de sua pista – acarretando um ponto de conflito em seu percurso e ainda bem que já foi anunciada sua demolição;
b. O primor de má-concepção dos dois viadutos em frente ao Aeroporto do Recife, que nos obrigam a desembocar nos seus escapes em corredores de gelos baianos, sem falar nos inúmeros conflitos criados nos seus acessos e saídas. Vamos gostar de gelos baianos assim, na casa da …. Será que esses gelos não são a confissão da absoluta incompetê3ncia do projeto?
c. Todos lembram que a decisão sobre a construção do túnel e do maior viaduto do Nordeste, na transposição da Russinha pela duplicação da BR-232, somente foi tomada durante a construção. Não existia no projeto Executivo!
d. Na requalificação da Estrada da Batalha, além do alargamento das pistas, foram construídos DOIS ENORMES VIADUTOS E UM TÚNEL no cruzamento vindo de Piedade. Não tenho o volume de despesas, mas é surrealismo puro que uma obra desse vulto exija a permanência de DOIS SEMÁFOROS PARA PEDESTRES EM SUAS DUAS CABECEIRAS!
e. Mesmo com a solução de um túnel e o maior viaduto do Nordeste na Russinha, não se tangenciou a cidade de Gravatá que resultou invadida e devastada pela duplicação e tem hoje 7 (sete) quilômetros de auto-estrada interditados para velocidades superiores a 40 quilômetros e vale lembrar que em dias de festas (que são frequentes) a estrada fica totalmente engessada. A cidade de Gravatá tem tolerado esse absurdo porque a maioria da população à margem da estrada não vive lá e não tem qualquer relação de amor a terra, frequentando-a apenas em fins de semana.
f. Para coroar e economizar espaço, está aí a fantástica VIA MANGUE, a obra de engenharia mais cara jamais construída neste Estado. Quinhentos milhões de reais para custear quatro e meio quilômetros de uma via que, na verdade é um imenso viaduto ancorado em pilotis ao longo do mangue, ligando a ponte Paulo Guerra à avenida Antonio Falcão e que não se presta aos pedestres por falta de acesso; sem possibilidade do seu uso por transporte coletivo, que se promete resolver com a criação da faixa privativa para ônibus na Rua Domingos Ferreira. Essa solução é hilariante pois, conforme declarações de autoridades no Jornal do Comércio de 30.05, garantem que 47% (quarenta e sete por cento) do tráfego da Domingos Ferreira será desviado para a Via Mangue. Pago pra ver!! Critico com segurança, pois assisti o próprio Prefeito afirmar que o projeto tem problemas sérios em sua concepção, razão pela qual só terá um sentido aberto ao respeitável público, no sentido cidade-subúrbio. Adiantou que, para a sua conclusão e uso pleno, ainda serão necessários Cem milhões de reais!
Meu caro João: Desculpa a ocupação de tanto espaço. Abração de Ivan #OcupeEstelita
A Revista Será? traz editorial muito feliz tratando da questão do Cais José Estelita. Registra pontos de grande relevância para a discussão do controvertido empreendimento projetado para lá. Ressalta entre outros a oportunidade do “precioso e raro momento para discutir o Recife que queremos”. Tem razão. Embora hoje degradada pela perda de sentido do uso que lhe era dado, o potencial paisagístico e urbanístico daquele lugar permanece de tal modo relevante que o estudo para decisão de seus novos usos é algo de grande importância o Recife. Não é um lugar vago qualquer. Aliás, as cidades têm essa característica – têm alguns lugares únicos, relevantes e insubstituíveis. Por isso, esses lugares precisam ser planejados observando e estudando essas suas características. Não pode ser simplesmente negócio imobiliário, por mais grandioso que seja. Para essas situações só cabem planejamentos primorosos, de grande maestria. E isto não impede a viabilidade econômica de um negócio imobiliário. Mas tem que ser com notável qualidade urbanística e paisagística.
Sempre que me vejo diante desse tipo de questão me vem à cabeça um projeto urbanístico de grande valor, de larga escala e verdadeira maestria, que é o conhecido Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Tratava-se, originalmente, de buscar um projeto de transporte para aliviar os grandes transtornos que havia até os anos sessenta na ligação entre o Centro do Rio e a Zonal Sul, notadamente Copacabana, Ipanema e Leblon. Graças à influente paisagista autodidata Lota Macedo Soares, apoiando politicamente a concepção do novo projeto, e, sobretudo, ao grande arquiteto Affonso Eduardo Reidy, que em parceria com Roberto Burle Marx, fizeram o Rio ganhar uma maravilhosa extensão de um lindíssimo parque com múltiplos usos – além das vias, museu, monumento, quadras esportivas, marina e etc. enriquecendo a sua já bonita e privilegiada paisagem. Esse lindo ambiente acrescentado à cidade estende-se do Aeroporto Santos Dumont até o final da Praia de Botafogo. E tudo isso feito por dentro do serviço público.
Imaginem o que teria sido se em lugar do projeto construído a proposta fosse uma larga via dupla, com muitas faixas de rolamento, (com pedágio?), compondo um longo e sinuoso estirão do Centro à Zona Sul. Resolveria o problema de transporte, sim. Mas que horror! Que triste paisagem viria a ofender o Rio. Pois é, observadas as dimensões, a questão do Cais José Estelita guarda grande semelhança com essa obra prima que é o Aterro do Flamengo.
O Edital da revista traz ainda mais pontos a destacar quando salienta a contribuição relevante dada pelo movimento #OcupeEstelita, e as mudanças importantes que a Prefeitura já obteve no projeto inicial durante esse processo. Acerta também quando diz que é necessário aprimorar bastante, principalmente na questão da conexão com a cidade e na introdução de múltiplos e novos usos.
Para essas conexões com a cidade e os novos usos a incorporar, alguns pontos devem merecer destaque de quem pretende intervir naquela área para uma intervenção urbanística. De saída, vem a questão do agradável sentimento experimentado quando as pessoas se põem diante de uma “frente d’água” como a do estuário ali presente. De fato essas sensações são tanto maiores e mais aprazíveis quanto mais próximas as pessoas estejam desse lugar. Por outro lado, vem o fato de a velocidade de deslocamento dos observadores embotar ou amortecer essas sensações (o passeio de automóvel na via à beira d’água quase anula aquele predicado). Quanto à paisagem, vale lembrar a qualidade das vistas que se obterá de muitos pontos quando se olhar aquela área (Ponte do Pina, Brasília Teimosa, ancoradouros do estuário etc.) dependendo da qualidade do projeto adotado Imaginem a substituição da via-estirão que lá existe hoje por um parque à beira d’água que se adentrasse a se estendesse por grande parte de toda a área. Assim pessoas teriam somadas as agradáveis sensações de estar num jardim junto ao majestoso espelho d’água às possibilidades de poderem praticar esportes, fazer ginástica, caminhada e muitos outros divertimentos e atividades nos múltiplos usos cabíveis nessa área.
Então, concluímos que a essencial interação entre quem está nos jardins com a frente d’água não pode conviver com uma via de circulação de automóveis interposta. A passagem dos veículos corta, intercepta essa interação que é essencial à vida desse conjunto. Portanto, pode haver uma via ligando o Cais de São José ao Cabanga, que terá de passar por essa área, mas não deve haver uma via à beira d’água como hoje existe.
Muito importante é entender que edifícios pretendidos poderiam ser edificados tendo preservada sua privacidade (entradas e saídas independentes e privativas) e um parque poderia estender-se sob eles, ganhando a cidade e a população. Para isso, uma grande laje elevada, com desenho (planta) sinuoso e caprichoso, criaria um grande terraço que receberia o pavimento de acesso aos blocos residenciais. Suas fundações poderiam alcançar o solo e esse grande terraço-jardim (laje) serviria privativamente aos blocos (piscinas, quadras de esporte, churrascarias, jardins etc.). Sob a laje se desenvolveria um verdadeiro parque público, com jardins, quadras de esporte, pequenas edificações necessárias aos múltiplos usos necessários etc. Em algumas áreas específicas a laje-terraço abriria vãos para permitir iluminação do parque sob ela, quebrando também a monotonia desse imenso terraço.
Todos os comentarios ao editorial sao muito interessantes e relevantes para demonstra os problemas e impactos negativos do projeto Novo Recife. Mas me permitam levantar algumas questoes para aprofundar o debate e, principalmente, para que não fiquemos apenas na rejeição da mudança e, portanto, nos permita pensar em alternativas de uso sustentável e viável para aquele territorio:
1. Que alternativas podem ser formuladas para uso para da área hoje degradada e abandonada?
a) Seria o mesmo projeto com um gabarito menor, de modo a preservar a paisagem? E qual o limite de altura que não compromete a paisagem? E até que nível seria economicamente viável incluindo os investimentos adicionais de mitigação?
b) seria a retomada do Projeto Recife-Olinda, citado às vezes como referência (projeto concebido alguns anos antes pela FIDEM)? Analisando pelas plantas divulgadas, este projeto previa a implantação de mais de dez predios relativmanete altos (não sei qual a altura) provavelmente entendendo que seria necessária uma certa densidade de pessoas vivendo e circulando para tornar o espaço viável e seguro.
c) ou seria um empreendimento público da Prefeitura com a implantação de um grande parque no modelo do parque Jaqueira? Será que sem a atração de uma grande população residente e escritórios o parque seria tão visitado quanto o da Jaqueira, este sim localizado numa área de grande densidade habitacional? Além disso, cabe a pergunta: o governo municipal teria recursos para implantar e para a manutenção sem risco de degradação futura? E, por outro lado, este projeto seria uma prioridade municipal diante de tantas outras carências, como uma educação deteriorada?
2. A verticalização em determinadas áreas da cidade abandonadas (como o Cais José Estalita) não seria uma necessidade para formar um adensamento de população suficiente para dinamizar e viabilizar o uso dos espaços? Em outras palavras, não seria importante na discussão analisar o trade-off paisagem-adensamento com implicações na qualidade da cidade e na sua utilização segura e viável.
3. Nao estamos desconsiderando (ou minimizando muito) na análise o impacto econômico positivo que empreendimento de porte como este pode gerar no território, principalmente na vizinhança? Dinamização da ecomomia local (São José) com a movimentação concentrada de mais de 300 milhões de reais por ano dos novos residentes e escritórios (estimativa pessoal grosseira)? Quanta atividade econômica pode gerar no bairro? Não temos que considerar este outro trade-off: dinamização econômica versus conservação da paisagem?
4. Não estamos também subestimando o que um projeto qualquer implantado poderia gerar de receita adicional para a Prefeitura – IPTU, ISS, e ITBI – que poderia ser utilizada em outros projetos no município?
A rejeição pura e simples de projetos para a região não ajuda a mudar a cidade. Lembro de toda a campanha vitoriosa contra o projeto para a Tamarineira. Impediu o projeto mas até agora nada foi feito para tornar a área um espaço de qualidade para a cidade e para os recifenses. Nem tanto ao Cais, nem tanto à terra. VAMOS DISCUTIR ALTERNATIVAS? #OcupeEstelita