Os urbanistas e o movimento #OcupaEstelita conseguiram uma grande vitória com a decisão do Prefeito de suspender a autorização para implantação do Projeto Novo Recife no Cais José Estelita, abrindo novas rodadas de negociação para a definição do futuro da área. Como todos parecem concordar que não se pode deixar área tão nobre do Recife abandonada e degradada, a discussão deve ser orientada para a escolha das alternativas de uso do Cais José Estelita, incluindo entre elas a reformulação do citado Projeto. E para além dos fatores estéticos e históricos, as alternativas devem ser viáveis e sustentáveis e devem gerar os melhores resultados para a cidade e para as comunidades próximas.
A análise e a negociação em torno dos méritos e resultados de um projeto são muito complicadas e difíceis por conta das diferenças de interesses e de valores envolvidos. A discussão é emblemática na abordagem do desenvolvimento urbano porque envolve, entre outros aspectos, a delimitação do papel e dos espaços que cabem ao capital privado na implementação de projetos estruturadores da cidade. É indiscutível que o interesse do investidor privado é o lucro final da operação, como retorno legítimo da alocação do capital. O que, no entanto, não significa que o capital seja uma perversão destrutiva e descontrolada e que, portanto, deva ser banido das obras e projetos de interesse público. Desde que atue nos marcos de uma regulação governamental, que delimitam as regras e as possibilidades do investimento, o capital privado pode dar uma grande contribuição para o desenvolvimento e a qualidade da cidade. Investindo nos projetos e empreendimentos com retorno e que, portanto, podem prescindir de recursos públicos que seriam disponibilizados para outras prioridades.
No Projeto do Cais Estelita a relação entre a motivação privada do lucro e os interesses coletivos se expressam num trade-off entre o gabarito das edificações (para preservação da paisagem) e o tamanho econômico mínimo das edificações para viabilizar o negócio. Como a preservação da paisagem parece ser um dos pontos fundamentais da rejeição ao projeto do Consórcio Novo Recife, surgem duas questões: 1) até que altura a paisagem estaria preservada? 2) neste limite, o investidor privado tem condições de recuperar o investimento? Se não houver ajuste entre o gabarito possível e a viabilidade mínima do empreendimento, o setor público teria que assumir o empreendimento com a construção de um grande parque público de proporções maior que o Parque da Jaqueira.
Esta parece ser a alternativa favorita do movimento #Ocupaestelita que, de um só golpe, afastaria os empreendedores privados do negócio e impediria que os ricos compradores dos imóveis desfrutassem da belíssima paisagem. Mas, quanto custaria ao governo municipal? Cem milhões de reais, talvez bem mais se forem considerados os investimentos de mitigação assumidos pelo Consórcio Novo Recife estimados em R$ 64 milhões. Tratando de recursos públicos, contudo, emerge uma pergunta fundamental: este investimento é realmente uma prioridade para a sociedade recifense, cidade com tantas carências sociais e urbanas, com elevados déficits na educação? Decididamente não.
Lembram da Tamarineira? Um forte movimento de urbanistas, psiquiatras e ambientalistas levou á suspensão do projeto privado. A Prefeitura proibiu o projeto e assumiu construção de um parque e alguns equipamentos sociais e museológicos, a maioria dos quais constava do projeto empresarial (aos quais se acrescentava um shopping center como espaço comercial). Na Tamarineira a Prefeitura do Recife vai arcar com R$ 60 milhões para implantação de um belo equipamento urbano numa das áreas mais nobres e ricas da cidade. Volta a pergunta: que prioridade tem este projeto para uma região de classe média alta que já conta com o Parque da Jaqueira e, um pouco mais longe, o Sítio da Trindade? Quanto a Prefeitura poderia fazer com estes recursos nos bairros pobres e nas favelas do Recife ou em segmentos fundamentais para a cidadania como a educação? Para se ter uma ideia, os R$ 60 milhões correspondem a 12% do que a Prefeitura gastou com educação em 2010.
A discussão sobre os projetos estruturadores na cidade deve partir, na verdade, de um pressuposto: onde o capital privado tiver interesse de investir, dentro das regras e condições urbanísticas definidas pela Prefeitura, o setor público deve permitir e incentivar o investimento privado. Numa área de claro retorno econômico, como a Tamarineira e o Cais José Estelita, os recursos privados liberam os parcos recursos públicos para outros projetos de alta prioridade para o desenvolvimento que, normalmente, não interessam aos empresários. Além de poupar recursos da Prefeitura, o investimento privado eleva a receita pública. No caso do projeto Novo Recife, com quase mil famílias habitando haveria um aumento da receita só de IPTU de mais de R$ 4 milhões por ano (cerca de 2,1% na receita do tributo). Sem falar nos escritório, hotel, clínicas e lojas que vão gerar IPTU e ISS.
Onde reside o limite para o investimento privado? O limite deve ser definido pela regulação urbana que orienta a concepção dos projetos, evitando e moderando os eventuais impactos negativos e potencializando os resultados positivos. O resto é negociação explorando, dentro destes limites, as possíveis melhorias e adaptações no Projeto Novo Recife que viabilizem a reestruturação urbana do Cais José Estelita.#OcupeEstelita
Concordo com você e acredito plenamente que dá para conciliar interesses empresariais há propostas éticas, humanas, sustentáveis. O problema é a ânsia por lucros astronômicos. Nenhuma concessão é aceita para não se correr o risco de ganhar um pouco menos.
Luciana
o Estelita é a última oportunidade do poder publico fazer um parque entre a zona sul e o centro da cidade. Se foi possível fazer uma faraônica Arena Pernambuco quem disse que não é possível se fazer um Parque Estelita.
Muitas das pessoas que são contra a construção do Parque quando vão a Nova York não deixam de passar no Central Park e em Londres no Hyde Park.
Pensemos mais em perspectiva.
O Estelita deve,sim, ser transformado num imenso parque , preservando a sua paisagem maravilhosa ….
Quanto ao argumento do aumento da receita que será arrecadada com o IPTU das edificações projetadas para o Estelita: a especulação imobiliária das últimas décadas no Recife , com total conivência e aprovação do poder público, gerou a verticalização da cidade, aumentou a receita e não deu retorno quanto à melhoria e instalação de infra estrutura adequada ( esgoto, saneamento, asfalto etc…).Qual a melhoria do bairro de São José em consequência da maior arrecadação de IPTU com a construção das torres Duarte Coelho e Mauricio de Nassau? Basta olhar o entorno do cais de Santa Rita…
O resultado está aí:degradação total , sem falar na destruição da memória , dos traços , dos sinais, do olhar que devemos ter sobre a nossa cidade como escreveu Italo Calvino “A megalópole com seu aspecto caótico se contrapondo ao conceito de cidade”.
Meu caro Sérgio: Li o seu artigo e assino em baixo. Tinha preparado um texto sobre uma questão paralela que contorna esses debates intermitentes que surgem à cada projeto de relevo para a cidade. Pensei em modifica-lo à luz de suas observações, mas considero essa questão marginal de grande importância e por isso vou reiterar.
Depois de ler o bom editorial da Revista Será da semana passada e fazer um comentário a respeito do Projeto Novo Recife, observei o desdobramento da questão. Continuaram a discussão criticada no aludido editorial, limitada a uma enfadonha dicotomia com troca de acusações quase sempre de natureza pessoal, sem que se levantasse qualquer sugestão ou proposta para solução harmoniosa do malfadado projeto, até que o Sr. Prefeito suscitou um novo encaminhamento na busca de uma solução negociada.
Na oportunidade, de forma atrevida, critiquei os descalabros praticados pelos projetistas, engenheiros e urbanistas responsáveis pelos projetos implantados em Pernambuco. Erros primários, grosseiros, cometidos na concepção, na formulação e construção, com o desperdício de muitos milhões de reais e com a leniência do Poder Público e da “inteligentzia” do setor que nunca levantaram a questão da RESPONSABILIZAÇÃO pelos desastres cometidos.
Ocorre que agora essa coisa piorou na questão da Via Mangue ! Esquecem o essencial para se perder num secundário, maldito e dispensável contencioso sobre a paternidade (federal x municipal) da obra e a oportunidade de inauguração (?) ou visita (?) de uma obra inacabada, com ida sem volta.
Obra mais cara jamais concebida na cidade do Recife, teve a sua concepção discutida iniciada na administração Roberto Magalhães; prosseguiu com a elaboração do projeto no governo de João Paulo, iniciada a construção por João da Costa, está sendo tocada por Geraldo Júlio que já admitiu a necessidade de correção de rumo. Como se vê, foram muitos anos de gestação sem que se levantasse qualquer contencioso.
Hoje qualquer leigo, por mais desinformado que seja, constata tratar-se de um imenso viaduto assentado em pilotis dentro do mangue com inevitável perturbação do ecossistema; com apenas quatro e meio quilômetros a um custo médio p/quilômetro superior a cem milhões de reais; ligando apenas o Shopping Rio Mar ao Shopping Recife; sem rotas de escape em sua via Leste mas com algumas “belvederes” para contemplação da paisagem; sem possibilidade de sua utilização pelo transporte coletivo (como toda coisa de pobre!); sem consideração de seu uso pelos pedestres; e com um erro do projeto de tal monta que a sua rota no sentido Subúrbio-Cidade está inviabilizada, conforme declaração pública do Sr. Prefeito, adiantando que o projeto terá que ser corrigido com um acréscimo de cem milhões de reais para permitir sua utilização.
Lembro mais uma vez a fábula do Jabuti. Quando aparecer um jabuti numa árvore, procurem saber quem o colocou lá, pois jabuti não sobe em árvore! Sem contar os outros erros já observados, quem são os autores das misérias praticadas contra a população e a coisa pública na Via Mangue? Diante da multiplicidade dos crimes praticados de natureza administrativa, técnica, econômica, financeira, ecológica e de exercício profissional, será que é pedir muito a identificação e responsabilização dos autores dos crimes cometidos? Onde estão os órgãos de controle do exercício das profissões envolvidas? Que fazem os órgãos de controle interno do serviço público que não examinam a questão nem definem os crimes? Será que é exigir muito do Ministério Público que não se limite aos Termos de Ajustamento de Conduta e acione um rigoroso inquérito para proceder a responsabilização cível e criminal dos autores da ilicitude? Será que como crimes de “bacanas” e não de pobres roubando galinha, gozarão de eterna impunidade?
Meu Caro Sérgio
Toda lógica, isenção e bom senso, é o que vejo em seu texto.
Em analogia simplificada diria, de que adianta eu ter uma bela casa com extensos jardins, se não consigo garantir o mínimo de saúde e educação para todos os membros da família.