O Brasil se orgulha de respeitar os direitos humanos, porque proíbe tortura. Mas tolera o analfabetismo de adultos, violência tão ignorada que o assunto não é referido no Programa Nacional de Direitos Humanos, apesar de o analfabetismo de adultos representar pelo menos dezesseis violências contra os direitos humanos.
1. O analfabeto não tem o direito pleno de ir e vir: não está encarcerado, mas não lê as placas dos ônibus que precisa usar, as indicações nas estações, metrôs, sua liberdade de movimentos fica limitada. Não sabe ler a palavra “perigo”, e caminha sem perceber o risco avisado: altura do abismo, cachorro bravo, trânsito rápido. A maior parte dos acidentes em construções civis no Brasil é devido ao analfabetismo da vítima, que não soube ler o anúncio.
2. Quem não sabe ler fala com menos quantidade de vocábulos, com sintaxe e gramática que não lhe permitem usufruir de todo o poder da fala que os direitos humanos deveriam respeitar.
3. Não tem o direito de participar integralmente dos assuntos da sua sociedade e do mundo. Deu-se ao analfabeto o direito de votar. Mas vota sem saber plenamente em quem, até porque vota pelo número. Não lê o nome dos candidatos, nem os panfletos distribuídos por eles na campanha, não conhece os programas dos partidos, nem dos candidatos. Não tem o direito pleno de participar.
4. O Brasil se orgulha de ser um país com imprensa livre, os donos de jornais defendem a imprensa livre, sem ao menos lembrar que seus jornais são integralmente censurados para 13 milhões de brasileiros adultos. Nossa liberdade de imprensa não chega para dezenas de milhões de analfabetos plenos ou funcionais
Thomas Jefferson disse que um país só é democrático quando “há liberdade de imprensa e todos sabem ler”. No Brasil, esquecemos “e todos sabem ler”. Há quase 250 anos, ele tinha consciência de que a alfabetização era um direito humano fundamental, que os defensores dos direitos humanos no Brasil esquecem até hoje.
5. O analfabeto não tem direito sequer de procurar emprego, por não ler anúncios classificados nos jornais. Mas se alguém o auxilia, certamente não encontrará emprego para quem não souber ler.
6. O analfabeto não tem o básico direito à escolha. Em 2003, o Ministério da Educação preparou uma sala onde as pessoas entravam e se sentiam analfabetas: as letras de todos os informes, placas, nomes de remédios e comidas estavam embaralhadas. As pessoas descobriam e o que é não saber escolher ônibus, tomar remédio com confiança; escolher o que comer. Tudo dependia de alguém ao lado. Por isso o analfabeto evita o supermercado. Na venda da esquina, pede oralmente o que quer; no supermercado tem dificuldades, porque as mercadorias estão escritas.
7. Também não tem o direito humano de instruir o filho e a filha. Não consegue ajudar nas lições de casa do filho que aos seis, sete anos já aprendeu a ler. A partir de certa idade todo filho evolui e o pai perde condições de ensiná-lo, mas até certa idade, o pai alfabetizado pode ajudar os deveres de casa e acompanhar o filho. O analfabeto está impedido dessa participação desde o início da educação do filho.
8. Quem é prisioneiro do analfabetismo não tem tampouco o direito fundamental de escrever e ler uma carta do filho, do pai, da mãe. Esse direito humano deve estar na lista dos direitos fundamentais e para isso é preciso alfabetizar todos os adultos.
9. Uma pessoa analfabeta pode evoluir, mas só depois que deixa de ser analfabeta. No estado de analfabetismo, não tem como exercer o direito humano de lutar para evoluir na sociedade moderna.
10. Temos Estado laico, liberdade para cada um escolher sua religião, mas ao manter o analfabetismo, o Estado laico impede a possibilidade do exercício pleno da religião, porque nossas religiões têm textos sagrados e quem não os lê pratica limitadamente sua religião. Nós não estamos respeitando o direito humano de praticar plenamente a religião. O analfabeto assiste à missa sem poder ler. Essa é uma das razões pelas quais o primeiro grande passo de alfabetização no mundo foi de Lutero. Ao defendeu que todos lessem a Bíblia, traduziu-a do latim para o alemão e fez uma grande campanha de erradicação do analfabetismo para que todos lessem a Bíblia. 11. O direito à rebeldia é fragilizado. No mundo de hoje, é difícil ser rebelde sem saber ler e escrever. A pessoa pode ter a vocação íntima à rebeldia, mas pratica uma rebeldia limitada, fragilizada, se não for capaz de ler e de escrever.
12. Um analfabeto pode ter o prazer estético na escultura e na pintura, embora a falta de leitura dificulte mesmo esse prazer, mas não consegue usufruir das obras da literatura, e fica sem o direito ao pleno prazer estético.
13. O direito à inclusão social. Em uma tribo indígena em que ninguém sabe ler, todos são incluídos, mas na sociedade moderna, quem não for letrado não se inclui socialmente.
14. Direito ao futuro. A pessoa que não sabe ler tem dificuldade de penetrar no futuro, porque o futuro é letrado, exige compreensão das coisas escritas, exige escrever.
15. O analfabetismo é uma forma de tortura constante. Tantas lutas fizemos para acabar com a tortura no Brasil, tantos morreram sob tortura e contra a tortura, gritando “Tortura Nunca Mais” e nem lembramos que sobrou a tortura do analfabetismo. O prisioneiro do analfabetismo é torturado todos os minutos em que está acordado convivendo com o mundo moderno. Sofre tortura brutal, não física, mas mental.
16. Conhecer a bandeira do seu País é um direito humano fundamental negado aos analfabetos brasileiros. O analfabeto brasileiro não conhece a bandeira do seu país. Se forem misturadas as letras do lema “Ordem e Progresso”, um analfabeto continua achando que é a bandeira brasileira. Ao negar a alfabetização a 13 milhões de brasileiros nos tempos de hoje, 30 ou 50 ao longo de nossa história republicana, o Brasil lhes nega direito de desenhar sua própria bandeira, porque ela precisa ser escrita.
Se deseja cumprir plenamente os Direitos Humanos, o Brasil deve erradicar o analfabetismo ou tirar o lema “Ordem e Progresso” da nossa bandeira. Nada deve estar escrito na bandeira antes de declararmos com credibilidade que o Brasil é um território livre do analfabetismo. Lamentavelmente temos hoje duas vezes mais analfabetos do que quando a nossa bandeira foi criada. Em 1889, o Brasil tinha 10 milhões de habitantes dos quais 6,5 milhões eram analfabetos, hoje são 10%, mas correspondem a 13 milhões. E a bandeira é republicana. Foram republicanos que a fizeram. Tiveram a sofisticação positivista de escolher o lugar de cada estrelinha representando o céu do Brasil no dia 15 de novembro de 1889, e não se lembraram de que 65% dos cidadãos daquela república não iam compreender a bandeira que eles inventaram. Foram republicanos brasileiros, os republicanos que consideram que o povo se limita à elite alfabetizada, rica, instruída, e ignoram o povão que não conseguiu passar pela barreira do analfabetismo. A mesma elite que cento e vinte anos depois se orgulha de respeitar os direitos humanos sem se preocupar em mudar a bandeira ou erradicar o analfabetismo.
Mesmo os militantes pelos Direitos Humanos esquecem da violência que é o analfabetismo. Falamos em defender os Direitos Humanos e não incluímos a erradicação do analfabetismo no Programa Nacional de Direitos Humanos.
Durante o regime militar, a tortura maltratava os corpos, mas sua erradicação não foi tarefa do Ministério da Saúde, e sim dos militantes pelos Direitos Humanos. Da mesma maneira como a luta contra a tortura não era um assunto do Ministério da Saúde, a luta contra o analfabetismo não é tarefa do Ministério da Educação. A erradicação do analfabetismo deve ser apenas responsabilidade do Ministério dos Direitos Humanos. É ali que deve estar o compromisso. A erradicação deve ser feita por educadores, mas a luta pela erradicação deve ser por dos militantes pelos Direitos Humanos.
Para isso, é preciso parar de ignorar as violações invisíveis aos Direitos Humanos.
Belíssimo texto, conte comigo como cidadão para acabar com o analfabetismo neste País.
Obrigado!
Sim, o analfabetismo, violência contra os Direitos Humanos. Agora seu foco foi o analfabetismo…. Sei que outras violências serão atacadas: os jovens que sim frequentam escolas e Leem mas não sabem o que estão lendo. A placa do ônibus é lida por todos os que precisam de ônibus para se locomover. Mas param por aí. E SE VIRAM pela incrível capacidade de SE VIRAR do nosso povo. Mas e o resto? País rico é sim o país sem pobreza, MAS QUAL POBREZA? Nossos governantes não entenderam que delas há muitas…
A placa não é lida, é adivinhada se o analfabeto tomar sempre o mesmo ônibus. Se precisar ir a outro lugar, ele não consegue adivinhar. Cristovam
Cristovam Buarque é bonito o seu discurso, o que faz para acontecer o fim do analfabetismo em nosso país ?
Escrever o artigo para atrair você à luta por uma revolução na educação e pela educação.
Cristovam
Gostaria de ter seu apoio para os muitos projetos de lei no congresso sobre está luta.
Educação…Educação…Educação…
Boa noite Senador Cristovam,
acompanho o trabalho do senhor há algum tempo e também acredito que um país livre do subdesenvolvimento deve priorizar a educação plena de seus cidadãos. Continue na luta e saiba que existem brasileiros como eu apoiando o senhor em suas causas.
Um abraço.
Com este incentivo vou continuar.
Cristovam
Estimado Senador Cristoam Buarque costumo acompanhar suas aulas de cidadania e civilidade no Senado Federal e me pergunto o que vamos fazer de realmente eficaz para sacudir esse País que encanta o mundo com seus recursos naturais e tem um povo tão desigual e desrespeitosamente tratado em suas necessidades mais elementares enquanto outros se vangloriam e desrespeitam desperdiçando safadamente os recursos de todos. Um abraço
Obrigado pela mensagem. Cristovam
Quando penso que o Sr. obteve apenas 2,6 milhões de votos em 2006 para presidente do nosso país empunhando a bandeira da educação, volto a ficar tão triste quanto me senti à época, vendo quão ignorante e infantil ainda são os nossos irmãos. Felicidades para o Sr. e SEJA FELIZ.
Sr Cristovam Buarque,
Gosto muito da forma como focaliza a questão da educação no nosso país. Tem meu apoio e não é de agora ! Desde que veio à Paris e nos brindou com uma palestra lúcida, sobre a situação dos emigrantes.
Eu penso que devemos apontar o problema da educação brasileira sem delimitar regiões. Creia, mesmo entre nós, há incrivelmente muitos analfabetos funcionais – MILHARES. Não falo dos que não se utilizam nossa lingua como instrumento de comunicação diária…Falo da nova emigração.
Sequer temos os exames do ENCEJJA (por exemplo) na França… Não existem incentivos à distância para aqueles que pretendem voltar, os que vieram do nada e continuam…sem nada.
O governo brasileiro não parece se interessar pelo tema (analfabetismo), ao menos nesse pedaço da Europa, no entanto, emigrantes brasileiros no mundo todo, juntos, formam o PIB de 2 estados brasileiros… originado do muito (com esforço) enviado mensalmente às famílias no Brasil, para o sustento, para a compra da casa própria, para os estudos dos filhos, entre tantas outras ajudas familiares intercontinentais em que cada emigrante participa.
Forte abraço Mestre e conte com minha admiração.
culpados pelo analfabetismo são os políticos, e se o analfabeto vota sem saber ! e porque o congresso não representa o povo e sim seus interesses, na bandeira brasileira não se deve tocar o que temos que fazer com urgência e erradicar o congresso .
A Educação é o caminho que leva o país à democracia plena,ao desenvolvimento sócio-econômico ,à liberdade ,à justiça . É a verdadeira revolução que gera o nascimento e o sentimento de uma “Nação”. Continue na sua luta pela educação,Senador…
Prezado senador,
há muito admiro seu trabalho e lhe dou pleno apoio.
Se for possível,sugiro maratonas pelo país em defesa da educação para construirmos a verdadeira liberdade das pessoas e nos tornarmos cidadãos.
Meu grande (territorialmente) e ao mesmo tempo pequeno ( na luta, na esperança) Piauí sonha com a distribuição da justiça por intermédio da educação do seu povo.
Parabéns.
Acontece que é muito mais fácil enganar uma legião de analfabetos.
Mestre Cristovam, estou a alguns anos acomanhando sua luta em defessa a Educação Nacional e admiro muito seu trabalho, adorei esse texto e repassei pra alguns colegas de trabalho. Parabéns pelo seu trabalho.
Parabéns Cristóvão, belas texto e chocantes palavras, porém verdadeiras, concordo plenamente com o Senhor, chego a me revoltar quando vejo a realidade da educação brasileira, sou apenas uma cidadã que admiradora do seu trabalho, quero dizer-lhe que no depender de mim, estarei sempre na batalha de uma educação de qualidade e equidade juntamente com o senhor.
Lembremos: O Mestre Cristovam foi apeado do Ministério da Educação por Lula pelo telefone….. depois veio a Pátria Educadora……Pobre Brasil