David Ricardo – economista

 

A beleza das teorias reside na efetividade de sua aplicação. Em 1817 um economista britânico de origem judaica portuguesa (depois convertido anglicano) de nome David Ricardo publicou uma das mais geniais ideias que baseiam a estruturação do comércio internacional. Em seus “Princípios de Economia Política e Tributação” trouxe a “Teoria das Vantagens Comparativas”. O brilho da teoria de Ricardo reside na possibilidade de economias menores em termos absolutos poderem se inserir com sucesso no comércio internacional ao se observar os chamados “custos de oportunidade”. 

Imagine uma economia X que produz trigo, por exemplo, utilizando menos insumos em relação a um país Y, e esse último, por sua vez, produz arroz utilizando menos insumos em relação ao país X. Dessa forma, cada um deveria se especializar naquilo que produz de forma mais eficiente, comerciando esses produtos entre si. Essa teoria é o que se chama de “Teoria das Vantagens Absolutas”, já prevista por Adam Smith. Agora, e se o país X produzir tanto mais trigo quanto arroz em relação ao país Y?  Como estabelecer uma relação comercial entre esses países? 

Para entender isso, deve-se observar uma grandeza chamada “custo de oportunidade”. Ricardo utilizou o exemplo de dois países, Portugal e Inglaterra, na produção de vinho e tecidos. Considerou que Portugal produziria mais tecidos e vinhos do que a Inglaterra. Suponha que Portugal produzisse 10 litros de vinho em 40 horas e 10 metros de tecido em 60 horas. A Inglaterra, no entanto, produzisse 10 litros de vinho em 60 horas e 10 metros de tecido em 70 horas. Ao totalizar esses números, tem-se que Portugal gastou 100 horas e a Inglaterra 130 horas para produzir a mesma quantidade de produtos. Calculando agora o custo de oportunidade, temos que o custo dos insumos para a produção de vinho (60h – 40h = 20h) é maior em relação ao custo para a produção de tecidos (70h – 60h = 10h). Imagine que Portugal se concentra na produção de vinho. Em 80 horas já teria produzido 20 litros de vinho (anteriormente tinha gastado 100 horas para fabricar os dois produtos) e a Inglaterra em 140 horas já teria dobrado sua produção de tecidos (teria gastado 130 horas para fabricar os dois). Tanto Portugal quanto a Inglaterra se inserem no livre mercado internacional, os dois em situação melhor do que estavam antes. 

No início do ano de 2020 se instalou no plano mundial uma pandemia que não era vista há cerca de 100 anos. Em período que se confundiu com a Primeira Guerra Mundial não foi a pandemia, mas a guerra que levou a consequências políticas e econômicas que terminaram na Segunda Guerra. Uma crise econômica sem precedentes colocou a Europa de joelhos, alçando ao poder figuras como Benito Mussolini e em seguida Adolf Hitler, em um verdadeiro golpe à democracia. Crises econômicas são momentos especiais em que “salvadores da pátria” aparecem com seu discurso fácil para problemas difíceis, culpando atores imaginários, geralmente alguma grande potência, instituindo o sempre bem vindo discurso de exploração dos países pobres pelos ricos e poderosos.E que apenas um estado forte é capaz de combater a essa exploração, que se deve produzir tudo dentro do país para não se depender dos produtos estrangeiros e que se deve defender a indústria nacional, inclusive fazendo com que se pague mais a poucos industriais amigos do governo e com forte “lobby” às custas da população.

Para colocar mais um ingrediente na mistura, assistimos à invasão da Ucrânia pela Rússia. O mais surpreendente foi a reação ocidental, que apesar de não defender militarmente o país invadido devido às relações internacionais e ao cenário geopolítico, implementou um volume nunca visto de sanções econômicas ao país invasor. É algo que está indo além das medidas de Estado, sendo imposto às empresas e pelas empresas, haja vista que nunca o mundo foi tão conectado. Essas medidas começam a preocupar nações com líderes autoritários como a China e suas empresas, que não podem renunciar aos mercados ocidentais desenvolvidos. Percebe-se um movimento na direção da defesa das democracias, liderado pelo Ocidente e por suas empresas, agora fiscalizadas pelas redes sociais, e aquelas parecem que não levavam em consideração onde estavam vendendo ou fabricando seus produtos, com interesse apenas na mão de obra barata, sem observar se estavam (ou estão) fortalecendo regimes antidemocráticos. 

E na cauda desses acontecimentos começa a volta de discursos contra o livre mercado, impulsionados pela preocupação, durante a pandemia, de que as grandes produções de material médico estariam localizadas em países como China e Índia, um regime autoritário e outro com um certo flerte ao autoritarismo. A dependência europeia da energia russa e a crise logística atingindo todas as cadeias globais são dois grandes exemplos de crises geradas pela globalização unicamente econômica e suas relações com países autoritários, grandes responsáveis pela inflação mundial atualmente. As empresas deveriam se aproveitar das novas mídias e das tecnologias para incentivar a liberdade e as democracias. A fabricação de produtos deve mirar nos países livres, com ambiente de negócios estável, sem lembranças ditatoriais. As empresas devem ser ferramentas de uma globalização mais ampla. Mais do que econômica, democrática. Estatais e substituição de importações são receitas do passado.  Amigos do rei produzindo às custas do povo. Casos como pandemias e guerras são estados de exceção. E como tais devem ser tratados. Vantagens comparativas, democracias e liberdade. Esta é a receita para o crescimento e para a paz.