João Rego

Moisés conduzindo o povo hebreu na travessia do deserto. (Charlton Heston em Os Dez Mandamentos).

Moisés conduzindo o povo hebreu na travessia do deserto. (Charlton Heston em Os Dez Mandamentos).

Peguei a Revista VEJA desta semana e senti o peso das denúncias de corrupção nela. Lembrei-me do tempo da ditadura quando não sabíamos de nada e a corrupção sangrava a nação de forma desenfreada e silenciosa: ponte Rio-Niterói, Transamazônica, etc..

O que mudou?

Certamente se formos olhar pela ótica de uma natureza humana escrota, nada mudou. As víboras continuam se reproduzindo, de geração em geração, como tudo na vida. Do ponto de vista das instituições—estas sim, os verdadeiros pilares de uma democracia— avançamos muito. Mas como um cidadão comum vai ter esta percepção sobre as instituições e suas virtudes, se o Supremo recentemente acabou de se dar um aumento salarial despropositado? (Quem toma conta dessas pomposas raposas togadas?). Resposta difícil, confesso, mas de fato nossa democracia vem se consolidando desde sua lenta transição, de forma sólida e estrutural — ao estilo e ritmo que nossa herança cultural permite.

O problema dessa impossibilidade de perceber o funcionamento da democracia é que na vida cotidiana o sujeito está enfrentando seus desafios pessoais que o impedem de ver, ou de minimamente estar informado para além da sua individualidade –exceto se marqueteiro, cientista político ou militante. É só bomba na mídia, nas redes sociais, no cacete a quatro.

Aí, vêm as forças atávicas da nossa cultura política, sempre esperando um salvador, ou um pai poderoso que possa nos levar ao caminho do Éden. E o caminho natural do eleitor – espremido pelas demandas da sua vida, que para muitos já é muito acima do que pode suportar-, é deslizar capturado por esta rede fácil e cômoda da omissão política (é tudo farinha do mesmo saco) ou então, o oposto, radicalizar projetando imaginariamente, numa paixão desvairada, todas as qualidades para o seu candidato, tornando-se cego para os dos outros.

Não há Pai nem há Éden, apenas vida social em efervescência construindo história.

Enquanto imperar o baixo nível de percepção e (i)maturidade política de autonomia do eleitor, vamos tocando, eleição após eleição, esta modorrenta e primitiva forma de reprodução do poder político. A cada eleição, um novo espetáculo. Preparado com esmero pelos marqueteiros e suas pesquisas de opinião; alimentado pelos sábios cientista políticos, ávidos para excretarem sua sabedoria e até cronistas avulsos como eu, também querendo umas migalhas de reconhecimento.

E o eleitor? Será que está fadado a ser sempre alvo e objeto de manipulação destas forças? Como uma reserva de mercado, ou curral eleitoral pós-moderno? (Viram que até socialistas passam seus eleitores de pai para filho?).

Penso que algumas reflexões deveriam estar na agenda do eleitor que, talvez, quem sabe, ajudassem a romper o círculo alienante destas eleições-espetáculos.

A primeira é ter a certeza que sem Estado e suas instituições voltaríamos a barbárie. Ou seja, ruim com ele, pior sem ele. Diante desta inevitabilidade que a história nos impôs, vem uma segunda dica: evitar idealizar o Estado e seus representantes como pessoas e instituições que deveriam ser honestas e imaculadas. Esta é uma visão infantilizada que o eleitor tem com relação ao seu representante, substituto da função paterna. Quanto mais eu me coloco nesta posição, mais eles gozam de uma posição privilegiada sobre mim.

É recomendável –pelo menos o que me vem à mente agora – que o eleitor tenha uma atitude de crítica e de controle sobre seus representantes durante o exercício do poder e não apenas no período eleitoral: neste “vale tudo” do engodo midiático, suportado pelas ideias e discursos de conquista de poder.

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Setembro, 2014

DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com