Sempre desconfiei do excesso de expectativa que nós depositávamos na democracia. Naquela época – durante a ditadura militar de 64 – essa era uma palavra que evocava a saída do inferno autoritário para o paraíso.
Nós a queríamos Ampla, Geral e Irrestrita, mas, como um feto mal desenvolvido, ela veio lenta e gradual e cheia de vícios. Pacote de abril, senadores biônicos, eleições indiretas, o escambau. Houve ainda uma diverticulite no meio do caminho e, na hora do seu nascimento, aquele que apoiara o golpe durante vinte e tantos anos, por força do destino, é chamado a dirigir a nação (o pão do pobre só cai com a manteiga para o lado de baixo). Com seu indefectível bigode e os Maribondos de Fogo embaixo do braço, Sarney tem a honra de dirigir a transição para a democracia. As eleições já haviam começado em 1982, com a volta dos exilados e nunca mais paramos…Ops, outro acidente: Collor e o impeachment, …Ufa, passamos incólumes. Bem, estamos com mais de três décadas de eleições dentro de ambiente democrático – um fato inusitado para uma república forjada à base de golpes e regimes de exceção.
Mas, o que é democracia mesmo?
Esta parece ser uma pergunta simples, mais não é. Primeiro, porque uma mesma palavra carrega dois importantes significados: a democracia como uma visão ideal, utópica e inalcançável – assim como a santidade para nós, pobres mortais; e a democracia para classificar as formas modernas de governo. Estas, são ainda muito novas, têm apenas 200 anos e nasceu com a Constituição Americana de 1776.
Nessa constituição, cujo cerne está na igualdade entre os homens, como desejo ou uma visão idealizada, forja-se o primeiro sistema de governo com traços democráticos, os quais perduram até hoje.
Acontece que muito antes deste ato, em 1651, Hobbes em seu Leviatã, já apontava para a necessidade de uma instância superior em força a todos os homens: o Estado. Sem o qual “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. Ou seja, o desafio é a permanente luta e controle entre a barbárie – que está dentro de cada um de nós – e a civilização. A obediência à Lei, que viabiliza a vida em sociedade.
O termo Democracia — e não subestimem o valor das palavras— tem vinte e cinco séculos. Ou seja, quinhentos anos antes de Cristo os gregos já usavam esta palavra para definir um governo de participação direta fundada na igualdade entre seus cidadãos. É certo que escravos e mulheres não usufruíam deste privilégio, o que durou muito tempo para que estes fossem incluído nessa igualdade. No sul dos Estados Unidos, negros só puderam votar na década de sessenta. As mulheres, em alguns países civilizados, na década de setenta.
A ciência política tem dados e mais dados, sem contar milhares de teses, sobre diversos modelos e tipologias de formas de governo democráticos. Citamos apenas de Robert Dahl, alguns de seus pressupostos, universalmente aceitos para identificar uma democracia, são a existência de instituições que garantam: a. Que os funcionários sejam eleitos; b. Eleições, livres, justas e frequentes; c. Liberdade de expressão; d. Fontes de informação diversificadas; e. Autonomia para associações e f. Cidadania Inclusiva.
Acontece que na prática a coisa pega, pois não há nenhum caso de experiência histórica onde uma nação tenha exercido com plenitude todas estas funções. Isto porque há uma clivagem ou abismo estrutural, muito superior às ideologias partidárias, que são os grupos (intelectuais, políticos, econômicos, etc) que formam a elite política de uma nação. Estes atuam, muitas vezes, de forma difusa, disputando entre si fatias de poder. No outro lado, a sociedade civil que, através dos processos eleitorais e grupos de pressão, delegam seus representantes para brigaram a seu favor nesse jogo tão velho e incessante quanto a própria morte.
Podemos, com facilidade, desconstruir cada um desses seis pilares que definem um regime democrático. Um exemplo: fica muito difícil aceitar que meu voto, o de um profissional liberal, seja igual e tenha o mesmo peso do dono de uma grande construtora que “ajuda” na eleição de centenas de deputados estaduais, federais, prefeitos, governadores e vereadores — basta que estes estejam na linha de alcance de seus projetos; a liberdade de expressão também, ela existe de fato, mas faltam-me os meios de comunicação para que minhas ideias atinjam um grupo relevante de pessoas. Mais uma vez estou em tremenda desvantagem para os detentores das grandes redes de televisão, rádio e jornais. Posso votar e ser eleito, como garante a constituição para qualquer adulto residente no país. Mas se eu não for um influente líder de partido e tiver minhas conexões financeiras que possam pagar os marqueteiros e outros custos de campanha, entro em desigualdade de condições.
Como se vê, democracia é algo profundamente imperfeito e inacabado. É um processo em permanente mutação, cheio de incertezas — aliás esta é uma das suas características intrínsecas— que pode, inclusive, ser devorada por dentro como estão fazendo as republiquetas bolivarianas. Entretanto, abrir mão dela imaginando que um sistema autoritário ou antidemocrático poderá ser melhor é um equívoco inaceitável, pois a história recente já demonstrou que, de esquerda ou de direita, as ditaduras trazem o Leviatã de volta, onde, sem aqueles seis pilares preconizados por Dahl, a vida poderá ser “sórdida, brutal e curta”. O caminho é o fortalecimento de uma cultura democrática que perpasse todo o tecido social — desde o indivíduo até as instituições—, de forma dinâmica e estruturalmente consolidada. Mas aí já é outra conversa.
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João Rêgo como sempre nos brinda com seus textos. Eu era menino em São Paulo e presenciei a campanha do Jânio Quadros, com o “varre varre vassourinha”. Muitos tinham na lapela de seus ternos uma vassourinha dourada. Umas forças ocultas depuseram o presidente e o vice assumiu. A população, com medo do tal do comunismo foi às ruas, rodeando a catedral da Praça da Sé. O povo estava envolvido e preocupado. Faltavam alimentos, o País produzia pouco, sendo mero exportador de insumos. A segunda guerra mundial j´´a tinha acabado, mas as sequelas eram presentes, e a Guerra Fria contaminava as relações entre os países. Também assisti à campanha para que a população doasse ao governo o que pudesse. Minha irmã doou um cordãozinho de ouro e recebeu um anel onde estava escrito: doei para o bem do Brasil. Será mesmo que a doação foi para o bem do Brasil? Naquela época não existia essa tal de transparência. Depois me mudei, ou melhor, vim na mudança para o Rio de Janeiro. Em São Paulo comprava-se banana por dúzia, no Rio era a peso. Também menino ia para a fila da venda comprar farinha, arroz, feijão, …, tudo em sacos de papel. As quantidades eram limitadas. Estávamos no regime militar. Quando fui para a faculdade, estava na época em que tinha que “servir” à Pátria. Optei por ser militar da reserva, fazendo meu curso somente nas férias. Cursava Física na antiga Universidade do Estado da Guanabara. Era mal visto pelos meus colegas pelo meu cabelo de “reco”. Era vigiado pelos militares porque era aluno da Faculdade de Física. Cheguei a ser prensado pelos militares disfarçados e seguido por várias vezes, pois acreditavam, ou queriam acreditar que todo físico era maluco capaz de fabricar bomba atômica. A Faculdade era invadida pelos milicos sob o pretexto de que tinham recebido denúncia de bombas. Eu não fazia avaliação de juízo e nem de valor naquela época. Trabalhava muito e estudava muito. Via o País em torvelinho. Depois da Faculdade, ingressei em outra e por aí segue … fui tomar real conhecimento da situação, lembrando-me de conversas com meu avô e meu pai. Com o passar dos tempos cheguei à conclusão que desde que os Portugueses cá se instalaram os problemas começaram. Dom João VI, nos brindou com várias “cousas”. Para fugir de seu País empenhou o Brasil para obtenção de recursos junto ao Banco da Inglaterra, e somente conseguimos pagar essa dívida décadas e décadas depois, a duras penas. Também, sem me alongar, tem aquela história das plaquinhas onde os portugueses punham prá fora os moradores para acomodar a comitiva do Rei. Os historiadores, coisa que não sou, podem melhor atestar que sempre houve uma pequena tendência prás bandas de cá de acordos e toma-la-dá-cá. A principal diferença entre os tempos é que temos atualmente muito maior agilidade na obtenção do conhecimento ou da informação. Afora isso, investiga-se muito mais, não sei se por ardor político ou por outras coisas. Os tempos nos indicam uma necessidade de mudanças. Todavia, as verdadeiras mudanças ocorrem de dentro para fora dos indivíduos. Vêm com o caráter e personalidade. Enquanto assistimos a embates políticos rés do chão, pessoas autoritárias se considerando donas de um País, pessoas aculturadas exóticas ganhando votos devido a slongans engraçados, ainda temos muitas dúvidas se realmente algum dia seremos um País sério. Varre-se para debaixo do tapete a sujeira e os montes vão aparecendo. Ninguém se atreve a levantar todo o tapete para olhar o que está por debaixo, pois que quem governa determina quem irá fiscalizá-lo. Assim, os Joaquins Barbozas, ou os Moros passam a ser uma grande exceção. Investiga-se por longo prazo, julga-se por prazos alongados e soltam-se os presos em maior rapidez, proporcionalmente aos interesses existentes. As leis facilitam esses jogos de prende e solta. Assim, temos poucos exemplos a seguir, vemos que com o jeitinho se resolve tudo, que de braços com o poder somos inalcançáveis. Precisa-se dizer mais alguma coisa? Creio que não!
Quem diria que o preço da democracia poderia ser, como certa vez já citado, o mesmo da liberdade: A eterna vigilância. SERÁ?
o que e democracia e a vontade da maioria , ( simples ) e não precisamos falar dialeto tribal! a palavra e impedimento e so o povo pode resolver essa podridão.
Meu caro João: gostei muito do artigo, que substancialmente subscrevo. Ele me fez lembrar umas palavras de Churchill, já muito repisadas, mas oportunas e verdadeiras. Portanto, encerro o comentário repetindo-as: A democracia é o pior de todos os regimes políticos, salvo todos os demais.