Helga Hoffmann

Taxista de São Paulo - foto de autor desconhecido.

Taxista de São Paulo – foto de autor desconhecido.

Região central de S.Paulo, segunda-feira de Carnaval 2015. Tomei um taxi no fim da rua Baronesa de Itu, para ir até o Instituto Vita, na rua Mato Grosso. Trajeto que normalmente faço a pé em meia hora, mas eu estava atrasada. Logo nos primeiros metros o taxista me passou um panfleto, uma folhinha correspondente à metade de uma folha A4. Não consigo ler em veículo em movimento, mas olhei rápido e parei no final “INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL DO POVO PELO artigo …………… com apoio dos militares”. Havia um número de artigo ou lei, mas não registrei.

O taxista explica: – “Me deram isso aí quando passei na Paulista. Tem que tirar esses ladrões que estão roubando o povo.”

Começo com a minha arengada contra um “impeachment” (palavra que, aliás, não aparecia no panfleto). – “Mas com impeachment vai piorar!”

– “Não é nada de impeachment. É intervenção pelo povo. A senhora defende a Dilma?!”

– “Não, sou contra a Dilma, a Dilma é péssima, mas tira a Dilma e põe o Temer? É o mesmo bando. E o senhor quer ditadura militar?”

– “Não, tira a Dilma, tira tudo. Faz eleição de novo. A eleição foi roubada.”

O taxista já estava agitadíssimo, gesticulando, mostrando o panfleto, olhando para mim no banco de trás, mas ainda retruco:  –  “Mas a Dilma foi eleita, ela ganhou a eleição.”

–  “Foi roubo, essa eleição. A senhora viu que esse ministro da justiça se reuniu com os ladrões?

– “Sim, mas o Cardozo se reuniu com representantes da Odebrecht, uma empresa enorme, que opera também fora do Brasil, ele tem que se preocupar se for desempregar muita gente. O ruim é que foi secreto.”

– “O Joaquim Barbosa disse que o ministro da justiça se reuniu com os advogados dos ladrões. Eu fiz uma poesia para o Joaquim Barbosa, e ele me escreveu uma cartinha agradecendo. A senhora quer ouvir a poesia que escrevi para o Joaquim Barbosa?”

– “Sou fã do Joaquim Barbosa. Que bacana que o senhor fez uma poesia p’ra ele. Mas eu já estou atrasada.”

– “Eu queria TANTO ler para a senhora a poesia que fiz para o Joaquim Barbosa!”

Aconteceu de verdade, assim como está contado. Subi a escadaria que dá para o Vita, um tanto embasbacada. E me arrependi. Devia ter me atrasado e ouvido a poesia do taxista de Santa Cecilia em homenagem a Joaquim Barbosa. Hoje de manhã fui reler os artigos relevantes da Constituição de 1988. Como quase tudo nas leis brasileiras, a redação é suficientemente vaga para permitir interpretações divergentes. Continuo contra o impeachment, que a rigor nunca houve, pois o Collor renunciou antes. Que ilusão messiânica é essa dos defensores do impeachment!

Aaah!!  E antes que algum entendido em movimentos sociais, de imaginação fértil, pense em solidariedade racial: o taxista era branco.