Tomar o povo a praça é normal e justo no regime democrático. Na história recente do Brasil e do mundo, páginas indeléveis foram escritas pelas manifestações de rua contra o abuso de poder, a corrupção e a falta de liberdade, destacando-se as manifestações em favor das Diretas, os caras pintadas contra Collor, as passeatas de junho de 2013, a primavera árabe, todas devidamente inseridas no espaço das garantias democráticas, a dizer, no Estado de Direito e democrático. É importante salientar que tais manifestações, no caso brasileiro, foram possíveis em razão da anterior conquista da democracia, que vem a ser um sistema de governo contendo um arcabouço de normas e instrumentos de acesso do povo ao poder, cabendo-lhe, ao povo, coordenar a própria estruturação das instâncias administrativas, de execução, legislação e julgamento (a estrutura clássica justapõe como harmônicos os poderes executivo, legislativo e judiciário). Impõe-se anotar ainda que a conquista da democracia, no Brasil, resultou de forte esforço das gerações anteriores, cujos jovens foram torturados, privados de liberdade e excluídos da vida pública brasileira. Respeitar a democracia por eles construída é o mínimo que se pode esperar da geração atual. O que é espaço democrático? É aquele em que há palavras para todos os gostos, ouvidos para todas as vozes e vitoriosos sem derrotados, convivendo aqueles que disputaram opiniões de maneira pacífica, após o embate, sem ataques pessoais, a democracia pressupondo necessariamente o respeito ao indivíduo diferente, à ideia diferente, à convicção diferente, é o mundo da pluralidade e das diferenças que convivem e devem conviver harmoniosamente e com respeito recíproco, preservando- se especialmente as relações pessoais. Urbanidade e educação fazem parte desse conceito, portanto. Essa é a razão principal por que choca tanto a invasão da esfera privada dos agentes de governo pelos movimentos sociais, a exemplo do que ocorreu recentemente com a ocupação da rua onde mora o Prefeito do Recife por integrantes do Ocupe Estelita. A ocupação em torno do prédio da Prefeitura e de praças e avenidas públicas, quando legítima a pretensão do grupo social reivindicante, e desde que observados certos limites de duração e de pacifidade, é razoável. Mas, de outro lado, a família do Prefeito e as famílias dos seus vizinhos têm direito à privacidade e a se manterem distantes da atuação governamental: a casa do Prefeito é seu asilo inviolável, assim como é a casa de todo cidadão. Significa que ocupar o palácio pode; a casa do rei, não. No caso do Estelita, além do mais, com todas as vênias de seus integrantes, a legitimidade é muito questionável, porque a insurgência é contra a aprovação de um projeto que passou nas diversas instâncias de organização de nossa vida social, tratando-se de reação infantil e lúdica, desrespeitosa, portanto, à democracia que lutamos para implantar.
Sobre o autor
João Humberto de Farias Martorelli
Nascido em 26/09/55. Formado pela Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 18/08/77 (Turma Torquato Castro – foi laureado e orador da turma). Foi membro efetivo do Conselho de Recursos Fiscais do Município do Recife (1981) e Procurador Judicial da Prefeitura do Recife (1981/2001) com atuação na Procuradoria Fiscal (ambos os cargos, ingressando por concurso público). Foi também Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife, no período 01/01/86 a 02/05/88 e Conselheiro Federal da OAB, Seccional Pernambuco, no triênio 98/2000. Ex-Conselheiro e Ex-Presidente da Causa Comum. Membro da Associação Internacional de Juristas Democratas. Membro do Conselho Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (até 2005), sediado em São Paulo, Vice-Presidente da Regional do CESA/PE. Chairperson do Comitê de Legislação da AMCHAM (2003). Fundador de MARTORELLI ADVOGADOS, Escritório de Advocacia Empresarial com atuação em todo o Nordeste, com 30 Anos de atuação. Vários artigos publicados em coluna quinzenal no Jornal do Commercio e um livro em edição privada, “O Cofre é o Coração”, reunindo alguns dos artigos. Presidente do SPORT CLUB DO RECIFE (2014).
Postagens Relacionadas
2 Comentários
Deixe uma resposta Cancelar resposta
Postagens recentes
-
Será que agora vai?nov 22, 2024
-
Jornada de trabalho e produtividadenov 22, 2024
-
Onde está o nexo do Nexus?nov 22, 2024
-
Janja xingou e levou um sabão da mídianov 22, 2024
-
Brasil, o Passadonov 22, 2024
-
Camões, 500 Anosnov 22, 2024
-
Última Páginanov 22, 2024
-
O ódio político no Brasilnov 15, 2024
-
Quem mentiu: Trump, Putin ou The Washington Post?nov 15, 2024
Assinar Newsletter
comentários recentes
- sergio longman novembro 24, 2024
- JOSÉ RODRIGUES DE PAIVA novembro 23, 2024
- helga hoffmann novembro 22, 2024
- José clasudio oliveira novembro 20, 2024
- helga hoffmann novembro 19, 2024
Alcides Pires A Opinião da Semana Aécio Gomes de Matos camilo soares Caruaru Causos Paraibanos civilização Clemente Rosas David Hulak democracia Editorial Elimar Nascimento Elimar Pinheiro do Nascimento Eli S. Martins Encômio a SPP Estado Ester Aguiar Fernando da Mota Lima Fernando Dourado Fortunato Russo Neto Frederico Toscano freud Helga Hoffmann Ivanildo Sampaio Jorge Jatobá José Arlindo Soares José Paulo Cavalcanti Filho João Humberto Martorelli João Rego Lacan Livre pensar Luciano Oliveira Luiz Alfredo Raposo Luiz Otavio Cavalcanti Luiz Sérgio Henriques manifestação Marco Aurélio Nogueira Maurício Costa Romão Paulo Gustavo Política psicanálise recife Religião Sérgio C. Buarque Teresa Sales
Em boa hora, o autor, João Humberto Martorelli, nos brinda com uma explicação que nos leva a ver como funciona a democracia. O fato, na realidade, nos mostra alguns abusos que se comete em nome dela. O caso que envolve o “cerco” a casa do prefeito do Recife e que, atingiu seus vizinhos e, de fato, condenável. Sou a favor dos protestos, porém dentro dos limites. Parabéns pelo excelente artigo.
Uma análise lúcida e de bom senso. Equilibrada.