Pois é, amigos, a nossa razão tem limites. Para bem servir-nos dela, convém ter boa consciência deles. Até porque não temos melhor recurso para pautar a nossa vida, interagir com os outros viventes, cogitar e ser, segundo a fórmula de Descartes. À proclamação de Karl Popper – “a razão crítica é a única alternativa descoberta, até hoje, para a violência” – acrescento: é também, no plano individual, a única escolha para não cair no misticismo e na superstição.
Desconsideremos, de saída, libelos acusatórios radicais, como o de Saint-Just, “socialista utópico”, na expressão de Marx: “L’esprit est un sophiste qui mène les vertus à l’échafaud” (O espírito é um sofista que leva as virtudes ao cadafalso). E mais ainda a concepção primária de Lutero: “A razão é uma puta”. Não temos aí a serenidade de juízos críticos, apenas aflorações emocionais de quem reage a uma ameaça às suas crenças. Cabem, no entanto, as ponderações de Sérgio Paulo Rouanet, para mim o melhor pensador brasileiro vivo, sobre fatores condicionantes da razão.
Em seu livro “A Razão Cativa”, Rouanet discorre sobre esses fatores, na verdade perquiridos desde o tempo dos filósofos gregos. O primeiro condicionamento vem do simples fato de que o exercício da razão depende da vontade humana. É esta, como pré-condição indispensável, que impulsiona aquela para as suas conquistas. E é por isso que se costuma dizer que os homens agem como sentem, e não como pensam. Em outras palavras: para que as convicções se consolidem, e orientem ações, o sentimento e a emoção têm um papel a cumprir.
Outros condicionamentos existem, de natureza psicológica individual, como investigou Freud, ou socioeconômicas e políticas, como alertaram os marxistas, ao falar em “ciência burguesa” e “ciência proletária”. Mas, como já disse, é preciso assumi-los, para poder lhes dar combate. Sem o otimismo ingênuo dos velhos iluministas, nossa proposta é, na expressão de Walter Benjamin, “avançar com o machado agudo da razão”… Pois “a razão deve tornar transitáveis todos os terrenos, limpando-os dos arbustos da demência e do mito”.
Há, no entanto, questões para as quais a razão, mesmo liberta de seus cativeiros, não encontra resposta. Pode até formular explicações alternativas, só que ambas inalcançáveis pelo espírito humano. É o que Kant chamou de “antinomias da razão pura”. Vamos tentar apresentá-las, resumidamente.
A primeira diz respeito à origem do mundo. Pode-se afirmar que o mundo teve um começo no tempo e é limitado no espaço, como também pode-se aventar que o mundo não teve começo nem terá fim, e é ilimitado no espaço. A segunda é sobre a natureza da matéria, que comporta as explicações: a) toda substância composta no mundo é constituída por partes simples; e b) nenhuma coisa composta no mundo é constituída por partes simples, nem no mundo existe nada que seja simples. A terceira refere-se ao livre arbítrio: além das leis da natureza, como origem dos fenômenos, haveria espaço para uma “causalidade pela liberdade”, ou tudo no mundo acontece unicamente devido às leis naturais? E por fim chegamos à fronteira entre ciência e religião, ao pôr em causa a ideia do “ser supremo”. Existiria um “ser absolutamente necessário” como causa do mundo, ou não há o tal “ser”, e o mundo simplesmente não teria causa?
Aos olhos de hoje, podemos dizer que, das antinomias apontadas por Kant, duas – a da natureza da matéria e a do livre arbítrio – perderam o sentido para uma abordagem científica, ao menos na maneira como foram formuladas. E a última está ligada à primeira, pois um começo do universo levaria à ideia de um agente causador, o “ser supremo”, enquanto a sua infinitude, no tempo e no espaço, elidiria a hipótese da divindade criadora.
Mas eis aqui o momento de admitirmos os limites da razão: não podemos conceber, no plano da realidade observável, nem uma coisa que surja do nada, nem tampouco outra que não tenha tido um começo nem venha a ter um fim. E, para os racionalistas, a ideia de um “criador” apenas desloca o problema: como teria, ele próprio, surgido?
Nós, materialistas, conformamo-nos com os limites da razão. Resta aos crentes o recurso à religião, como suporte para a “insuficiência” dos sentidos (e do cérebro): Praestet fides suplementum sensuum defectui.
Lido, com satisfação mais um artigo de Clemente Rosas, e, aprendido como sempre, (embora não esteja a altura de tanto), concluo, por final, lembrando o que nos ensinaram quando crianças: “O Criador, não teve principio nem terá fim… ), ai,
só nos resta procurar o entendimento da razão.
não tem criador! fico com a ciência e exatamente a razão