Conta-se que Murilo Mendes, caminhando pelas ruas de pacata cidade mineira, deparou-se com uma mulher debruçada na janela de sua casa. E, não se contendo, deteve-se, empertigou-se e discursou:
– “Meus parabéns, minha senhora! Mulher na janela é coisa que não se via há muito tempo!”
Surpresa, a homenageada recolheu-se ao interior da casa. Mas o poeta seguiu seu caminho, com a sensação do dever cumprido.
O episódio me faz recordar o poema de João Ramiro Mello, meu velho companheiro da “Geração 59”, sobre o tema, que assim começa:
“Uma janela aberta na manhã
e a paisagem límpida.
Janela-fonte:
de mulher ou de flores.”
E termina com um quadro perfeito:
“Uma janela aberta na manhã
com uma mulher nos braços”
Mais discreto, sem o radicalismo do bardo mineiro, e por isso mesmo mais bem sucedido, vivi experiência semelhante, ao registrar, de viva voz, um momento de beleza, lembrando Keats – também poeta – para quem “a thing of beauty is a joy forever”. Querem saber como?
Tive, por vários meses, uma vizinha de prédio, cujo nome nunca soube, que tinha uma forma especial de sorrir. Aquele sorriso selvagem, que se abre horizontalmente, sem elevar os cantos da boca, e que eu via no cinema, no rosto de algumas “starlets” da minha devoção, como Kate Jurado e Betta Saint John. A cada vez que nos encontrávamos no elevador, eu era brindado com ele.
Uma vez, enfim, nos vimos sós, sem testemunhas, e achei o momento adequado para a proclamação, feita de forma compenetrada:
– “A senhora tem um belo sorriso.”
Mulher experiente, com estilo de professora universitária, e, por suposição, realizada, tanto no plano familiar como no trabalho, só teve um segundo de surpresa para iluminar-se outra vez com o sorriso, e contestar:
– “Ah, sim! Muito obrigada!”
Mas chegamos ao andar dela, a porta do elevador se abriu, e completei o meu recado, com a recomendação:
– “Portanto, não o poupe!”
Ao modo do velho bolero, “la puerta se cerró detrás de ella”. E eu subi mais alguns andares e cheguei à minha porta, pacificado e feliz.
***
Sem pretender equiparar-me a Clemente, cronista de escol, permito-me contar historinha, digamos, análoga que inadvertidamente protagonizei. Restaurante cheio em sexta-feira de Brasília, amplo salão naquela azáfama de auge de almoço, burburinho de conversas entrecruzadas. Falávamos, os cinco amigos, de Cristina Kirchner e eu disse que a achava bonita. “Como assim? – reagiu um interlocutor – aquela velhota?” Do alto de meus setent’anos cometi a frase, agora copidescada em benefício da síntese: “Toda mulher é bela em qualquer idade, pra quem sabe vê-la.” Não percebi que falara mais alto que o necessário, a boutade ouviu-se na mesa atrás onde quatro mulheres, todas lindas em variados estágios da meia idade, bateram palmas, cumprimentaram-me: “Muito bem!”, “Bravo!”, “Obrigada!”.
Meu caro Marco Antônio, você foi, além de verdadeiro, mais feliz do que eu: seu comentário foi ouvido e aplaudido por várias dessas adoráveis criaturas. Mas não me queixo. O sorriso me bastou.
Obrigado pelo comentário.