O Estado brasileiro arrecada muito e, no entanto, não investe na construção do futuro e sequer enfrenta as emergências e necessidades imediatas. Ineficiência e incompetência gerencial são grandes, mas não suficientes para explicar este paradoxo. Existe um estrangulamento estrutural que compromete parcela elevada e crescente dos recursos disponíveis pelos governos. Dois itens de despesas com grande rigidez estrutural levam quase metade das receitas totais da União (cerca de 45,1% do total do orçamento federal): a Previdência social (juntando INSS e aposentadoria e pensões dos funcionários públicos) e os Serviços da dívida pública (juros e resgate do principal). Em 2014, os gastos com a Previdência chegaram a R$ 495,60 bilhões, representando 26,6% do total do orçamento federal, e os Serviços da Dívida custaram R$ 343,00 bilhões, ou 18,40% do total (dados da FGV-Fundação Getúlio Vargas). Para se ter uma ideia de desproporção destes gastos, em 2014, foram alocados pela União apenas R$ 100,30 bilhões para a saúde e R$ 100,20 bilhões para a educação, quase o mesmo que o dispêndio com benefícios para aposentados e pensionistas do setor público federal que chegou a R$ 92,40 bilhões.
Previdência e dívida pública constituem um peso do passado que carregamos no presente (pagamento para inativos e para cobrir dívida assumida há vários anos) que nos limita na definição de prioridades que preparem o futuro do Brasil. Estamos presos ao passado e vivendo um presente de carências e restrições. Pior é que a Previdência tende a crescer bastante no futuro por conta do processo rápido de envelhecimento da população, aumentando o número de inativos e beneficiários; e os gastos com a dívida pública só não sobem se o governo conseguir gerar um superávit primário para pagar os juros e amortizar parte do estoque, reduzindo a disponibilidade efetiva para investimentos e projetos que constroem o futuro.
O desafio do reequilíbrio fiscal é muito maior que fechamento das contas públicas deste ano e o orçamento de 2016. Se não enfrentarmos, desde agora, esta enorme desproporção do passado frente ao futuro, revisando os fatores estruturais e inerciais destes dois grandes componentes das despesas públicas, o Brasil marcha para o desastre em alguns anos. O orçamento federal está no limite da possibilidade de arrecadação e cobrança de impostos e não conta com recursos para os investimentos em educação, infraestrutura, inovação, saúde e segurança. As medidas propostas pelo governo para o buraco fiscal de 2015 e 2016 são necessárias mas apenas emergenciais. E as emergências vão continuar afundando o Brasil se não houver uma estratégia radical para equacionar os dois fatores estruturais da herança decorrente de decisões equivocadas no passado.
Mudanças tão radicais enfrentam grande resistência política e envolvem aspectos delicados do sistema financeiro. Serão viáveis apenas quando este conflito entre o passado e o futuro for compreendido pela sociedade e pelos formadores de opinião, o que requer uma ampla negociação política e articulação das lideranças com capacidade de convencimento da sociedade e com disposição para quebra das estruturas que impedem o desenvolvimento do Brasil. Em relação à Previdência existem propostas sérias e fundamentadas de mudanças que aliviariam a carga social do Brasil no médio e longo prazo sem prejuízo da proteção aos idosos mas também sem os privilégios e desvios atuais do sistema
A dívida do setor público também deve ser objeto de uma negociação política e técnica do Estado com os principais credores para o reequacionamento do estoque e dos prazos, de modo a aliviar as restrições fiscais do presente e, mesmo, a dimensão do superávit primário. Sem nenhuma postura unilateral do Estado, os governos convidam os grandes portadores de títulos da dívida pública para rodadas transparentes de negociação. Os credores sabem que, no ritmo atual, marchamos para uma insolvência futura que ameaça o valor de face destes títulos e, portanto, seus ativos financeiros. A falência do Estado atinge a todos, incluindo os aposentados e os credores.
A gravidade da crise fiscal é uma advertência e, portanto, um forte argumento em favor de uma reestruturação profunda nos componentes do orçamento público federal que leve a um equilíbrio fiscal estrutural. Tratar como uma questão ocasional e transitória pode, ao contrário, adiar o problema. Este é o momento das grandes escolhas.
Calote não. Credor do governo é qualquer um que direta ou indiretanente (via fundos) comprou uma Letra do Tesouro.
Reforma da previdência, sim. Mas de verdade, eliminando os privilégios dos funcionários públicos do escalão mais alto, nos três poderes. O Brasil é dos poucos países em que a Previdência não ajuda nada na melhoria da distribuição de renda. A desigualdade na renda recebida a título de pensões e aposentadorias é tão grande quanto a desigualdade da renda em geral. Quem ainda não sabe disso, que comece a olhar os dados.
Análise fundamentada. Visão de Brasil além da incompetência do presente.
Concordo com a Helga Hoffmann:a reforma da previdência tem que ser abrangente e impiedosa ,com a eliminação dos privilégios dos funcionários do alto escalão, dos três poderes.Isso já possibilitaria um grande avanço na eliminação das desigualdades da renda e ,também, na sua distribuição.Corte das mordomias,portanto,seria um grande passo .