Multidão queimando suposto herege na fogueira – autor desconhecido.

 

O Presidente do Brasil, eleito em 2018, caminha para ser reeleito em 2022.

Claro que é muito cedo para qualquer prognóstico mais consistente. Afinal, política, como dizia o velho político mineiro, é como nuvens no ar. Rapidamente se desfaz uma configuração para dar lugar a outra. Apesar disso, o risco existe. Todas as pesquisas mostram a aprovação majoritário de seu governo, de sua pessoa, assim como, as intenções de voto o colocam no topo. O surpreendente é que esses níveis de aprovação se fazem em meio a um conjunto razoável de declarações e medidas preocupantes do ponto de vista democrático, mas também nacionais. Declarações machistas, homofóbicas e antidemocráticas, amplamente conhecidas, pois fazem parte de seu repertório de deputado federal durante 28 anos. Mas, também, declarações mais recentes contra a adoção de medidas de defesa do meio ambiente, das terras indígenas e unidades de conservação; posições negacionistas da ciência e dos efeitos da pandemia, que caminha para alcançar 200 mil óbitos no País, e, para encurtar a lista, as posições internacionais adotadas pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), em sentido contrário à tradição reconhecida internacionalmente da diplomacia brasileira. As últimas posições do Brasil no plano internacional, quanto a questão dos direitos humanos, e em particular no campo dos direitos das mulheres, nos tem colocado ao lado de países como Afeganistão, Irã, Qatar, ou seja, países muçulmanos fundamentalistas e contrários às tradições do Ocidente. Verdadeiros sinais de retorno à Idade Média, sem preocupação com direitos humanos, sem cuidados com o meio ambiente, com desprezo pela ciência e pela democracia. E mais, perseguição às expressões diferenciadas de cultura e um ódio anti-intelectualista assustador. Os adversários são considerados como inimigos, como se numa guerra estivéssemos, e não como adversários, o que se faz habitualmente na política democrática.

O que mais me preocupa, no entanto, é que o País está sendo levado ao descaminho. Ou, para ser mais justo, persistindo no mal caminho para o futuro. Em 1978 o Brasil era uma economia média e a China era uma economia pobre. Hoje, a China é a segunda potência econômica do mundo e o Brasil continua uma economia média. Nosso país já foi a sexta economia do mundo, em termos de PIB, atualmente é a nona, e em breve será a décima primeira, pois o Canadá e a Correia do Sul devem ultrapassar o Brasil nos próximos dois anos. A continuar o passo de tartaruga em que nos encontramos há cerca de 6 anos, logo chegaremos a décima quinta. Em termos de PIB per capita, que é mais interessante, ocupa entre o 50o e 64o lugar, a depender da fonte de informação. No ranking da qualidade da educação básica, ocupamos um mísero 59olugar. Ficamos atrás de países como Uruguai, Chile, México, Costa Rica, Jordânia, Moldávia e Servia. No ranking global da felicidade, o Brasil caiu da 23a posição em 2015, para a 32a em 2019. Aliás, nos últimos 5 anos caiu em todos os rankings, exceto, os de aumento da criminalidade, do tráfico de droga, de mortes violentas, e, mais recentemente, de corrupção e desrespeito aos direitos humanos e à natureza.

Com a revolução tecnológica em curso, o nosso atraso econômico e social deve aumentar. Além disso, a persistir o caminho que adotamos, a marca da intolerância, que cresceu entre nós nos últimos 5 anos, também tende a crescer.

Não bastasse tudo isso, as recentes experiências de governantes de pouco apreço pela democracia mostram que o segundo mandato vem sendo ainda pior. Sem possibilidades legais de uma segunda reeleição, trabalham para mudar a ordem legal, no sentido de lhe garantir a continuidade no poder. Como fizeram Orban, Erdogan e Maduro, entre outros. A vitória do atual presidente pode nos levar no mesmo caminho, o do autoritarismo e do obscurantismo.

Não será fácil vencer a candidatura do atual Presidente em 2022.

Creio que poucos entenderam o que realmente se passa no País, o que representa o personagem presidencial e o que significou o resultado eleitoral de 2018. Incluo-me entre esses. Mas, não recuso o esforço de superar esta ignorância, persistentemente. Para isso exponho algumas considerações ao debate, sem nenhuma garantia de que esteja certo.

Primeira. A adoção das políticas identitárias como centro da política pelos partidos democratas, particularmente de esquerda, no poder desde 2003, criou um fundo de estranhamento, senão de recusa e mesmo rancor, que começou a se manifestar no País a partir de 2013.

Segunda. A desagregação do PSDB, com suas sucessivas derrotas eleitorais (2002/2006/2010 e 2014), ademais do envolvimento em atos de corrupção revelados pela Lava Jato, deixou um vazio para os setores mais conservadores do país. Uma orfandade que a candidatura do PSL em 2018 galvanizou.

Terceira. O PT alimentou o preenchimento deste vazio de muitas formas, além de não realizar reformas essenciais – tributária, previdenciária, política e administrativa. Além de não realizar investimentos estratégicos na Educação e na Ciência e Tecnologia, estimulou no país a divisão entre o “nós” e o “eles”.

Quarta. A maneira como foi conduzida a reeleição da Dilma causou muitos rancores na Nação, na medida em que a agressividade com os adversários foi excessiva, com verdadeiro estelionato eleitoral.

Quinta. Há uma mudança mundial da dinâmica política, aparentemente pouco registrada. Se os Federalistas estavam corretos e foram vitoriosos no processo de instalação do governo representativo, com a ideia de que as pessoas não votam em seus iguais, mas nos líderes, constituindo uma elite dirigente, os ventos atuais parecem estar produzindo movimentos divergentes, com eleição de iguais. O exemplo da Itália com o M5S é perfeito neste sentido.

Sexta. A criação de fatos diversionistas, como o entrevero recente entre o secretário nacional de cultura, Mario Frias, e o humorista Marcelo Adnet, tem sido favorável ao Presidente, protegido das denúncias de suas medidas mais extravagantes e, sobretudo, de sua ineficiência administrativa e política. Discute-se o trivial.

Sétima. O presidente representa o homem médio brasileiro: machista, homofóbico, disfarçadamente racista, com pouco apreço pela democracia, grosseiro e metido a valentão. Ao que se acrescenta a desconfiança em relação às ciências, que ele não compreende, e o desprezo pelos intelectuais, sempre vistos ambiguamente pelos analfabetos funcionais.

Oitava. A oposição política partidária, além de dividida entre os petistas que querem manter a hegemonia a todo custo, e os outros partidos cansados desta hegemonia, tem se mostrado ineficiente, lenta e atrapalhada.

Nona. A reação aos desmantelos orais do Presidente não desgasta sua imagem, pois é nela, com todos os traços denunciados, que os eleitores votaram e lhe deram vitória. E tendem a votar outra vez. Denúncia nos círculos de amigos, desgasta menos ainda a imagem presidencial. Se a oposição mantiver este terreno de disputa estará caminhando para o suicídio.

Décima. Uma oposição vitoriosa requer, além de coordenação interna e uma denúncia das ineficiências que interessam realmente ao eleitor médio, uma proposta consistente, que convença a maioria das pessoas que elas estarão melhor e o país em um bom rumo, seguindo as propostas apresentadas pela oposição. Com um líder que inspire confiança, funcionando como um garantidor do cumprimento das promessas.

São essas as considerações. Quais as errôneas? Quais as lacunas?

A única forma de vencer eleitoralmente o presidente atual nas eleições de 2022 será com outra oposição e, sobretudo, outra postura oposicionista.

E termino me perguntando: que faço aqui, que não é meu lugar no embate político?