Teresa Sales

10 de dezembro de 2015

No último mês do ano, sempre gostei de apreciar as luzes de natal. Estava em Paris na passagem do ano 2007/2008. A imensidão de castanheiros-da-índia do Champs Élysées iluminados de azul e dourado enchia a vista. Voltei ao Recife a tempo de ver algumas praças e a Avenida Agamenon Magalhães enfeitadas. Parecia cabotinismo de uma recifense de coração, apaixonada pela cidade para onde acabara de retornar. Mas foi verdade: as cores ao longo dos chorões do Canal do Derby eram as mesmas de Paris.

No ano seguinte, na mesma época, viajei a São Paulo, cidade que aprendi a gostar nos 33 anos em que nela fui bem acolhida. Meu voo chegou tarde da noite. O taxi deu voltas até chegar ao meu destino no bairro do Itaim Bibi e, lembro bem, não reclamei. Estava fascinada com a iluminação de prédios residenciais, lojas, hotéis, flats e ruas. Mais tarde veria a Avenida Paulista, o Shopping Iguatemi e, mais pobremente, porém com mais longa tradição de iluminação natalina, a Rua Teodoro Sampaio.

Era uma época de euforia econômica. Estávamos no início do segundo mandato do Governo Lula. A bolha financeira dos Estados Unidos e que se espalhara pela Europa, no Brasil fora por um tempo contida por uma política econômica que, com a ajuda dos bancos estatais, segurou a onda do consumo e do emprego. A abertura para os produtos chineses enchera o comércio de luzes de natal a preço de banana. O país era uma festa.

Nos primeiros dias desse dezembro de 2015 volto mais uma vez à capital das terras bandeirantes. Meu deus, quanta diferença! Num sábado pela manhã pude andar pela Rua Teodoro Sampaio sem ser atropelada por sacolas de compras. O coração do Shoping Iguatemi revestiu-se somente de umas árvores iluminadas de luzes vermelhas, onde sempre houve um verdadeiro palco de figuras em movimento alusivas ao natal. Naquele ano de euforia, no espaço acanhado de hoje, uma fábrica de brinquedos de Papai Noel lembrava o melhor da Quinta Avenida em Nova York.

Não teria exemplo mais emblemático da crise brasileira. Ali, em São Paulo, centro da vida financeira e cultural do nosso país. Não lembro de um final de ano tão sombrio. Não bastasse a crise econômica a se refletir no comércio, no bolso dos consumidores, vivemos também uma crise política de enormes proporções, a espalhar descrença e falta de esperança. “Isso é o nosso país”, é a frase mais ouvida em conversas dessas que se tem em lugares públicos.

Volto às luzes de natal. Certamente a iluminação pública das Festas em Bezerros (região do Agreste de Pernambuco) não se compara às que me referi àcima. Mas têm ainda hoje para mim a magia da meninice, quando estas festas eram passadas na casa dos avós paternos, a grande família dos dez filhos de Yoyô Guilherme. A emoção das luzes todas da cidade a se apagarem a meia noite para voltarem a se acender com o novo ano estampado no alto da Igreja da Matriz em substituição ao ano velho. A rua da Matriz enfeitada, barracas servindo bebidas e comidas, carrocel, onda gigante, barcos para diversão dos meninos, cadeiras nas calçadas, a casa de Tia Lilia para onde nos dirigíamos todos quando se aproximava meia noite para a grande confraternização. Depois, quando a velha tia já deixara esse mundo com seus 104 anos bem vividos, meu primo Flávio Antônio, na mesma rua da Matriz, manteve o velho costume. Até que, a violência urbana se espraiando das grandes cidades para os recantos mais pacatos, atingiu Bezerros. E, de muitos anos para cá, já não se apagam as luzes a meia noite.

Essa é a crise brasileira mais funda. A que atingiu a sociedade e tem sua máxima expressão na violência urbana a confinar as famílias em fortalezas trancadas a sete chaves, privadas da convivência cidadã nas ruas.

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