Tarcisio Patrício de Araújo (*)
No ano 2000, li com prazer e deleite uma charge de Miguel Paiva – no Jornal Gazeta Mercantil – que rezava o seguinte:
FAZ 500 ANOS QUE O BRASIL FOI DESCOBERTO.
FALTA DESCOBRIRMOS A CURA.
Peças de humor têm esse efeito: sacodem você. E são algo que, como poesia, prosa ou ensaio, devemos saber ler: sem preconceito. O que está dito acima, longe de representar desesperança, significa inconformismo e contém germe de transformação.
O Brasil tem cura, o que implica tornarmos o país uma real República: mudarmos o padrão da Política, da governança pública, e o cidadão tomando as rédeas do processo de transformação. O cidadão exercendo plena cidadania. Não se sabe quanto tempo durará essa passagem. Mas estamos neste processo de mudança.
O Movimento pela Ética na Política nasceu da orfandade. Somos parte de uma imensa parcela de inconformados com os rumos recentes do país, mas órfãos de representação política no atual leque de partidos e de principais representações da sociedade civil. Ou seja, inconformados, insatisfeitos – mas sem um canal orgânico de representação política. Mas, ao mesmo tempo, realistas. É isso que temos e é com isso que lutamos. Alternativas são construídas a partir da desagregação, da escassez de opções.
O que no momento sofremos tem, infelizmente, grande contribuição de um grupo político que chegou ao poder a partir do discurso de uma “nova forma de governar”, o que incluía promessa de ferrenho combate à corrupção. Mas que sucumbiu ao compadrio, ao patrimonialismo, à corrupção, porque de fato já pratica isso, como partido, pelo menos desde 1989 – como testemunham depoimentos de Hélio Bicudo, Paulo de Tarso Venceslau, César Benjamin, Fernando Gabeira, entre outros.
Esse grupo político promoveu um salto qualitativo, em escala ampliada, do padrão de corrupção na política. Trata-se de um verdadeiro salto tecnológico. E mais uma vez o país perdeu oportunidades. Desde a instituição da moeda Real, em 1994, o país avança, mas vem perdendo oportunidades de modernização. Os governos do atual grupo político, o PT, no comando da Nação – particularmente nos dois primeiros mandatos –, que possivelmente tiveram a maior chance de concretizar razoáveis reformas (política, tributária, previdenciária), deixaram de aproveitar oportunidades por conta de um projeto de poder pelo poder.
Um projeto que levou ao que chamo de corrosão institucional: cooptação de lideranças em escala pensada e ampliada, corrupção na governança, destruição de elos solidários na organização e nas representações da sociedade civil, desmoralização completa da política, achincalhamento do Congresso.
Tal corrosão foi, felizmente e por avanços conseguidos desde a Constituição de 1988 e de mudanças administrativas a partir da era do Real, contrabalançada pelo fortalecimento do Ministério Público e da Polícia Federal, além da contribuição de uma nova geração juízes. Foi o que propiciou um firme e perene processo de investigação que atinge afiliados não apenas do atual grupo político no poder, mas também associados de outras legendas partidárias. Acreditamos que o país não perderá esta chance.
Contudo, muito de mudança e de modernização haverá de ser processado para que se tenha uma rede republicana de Tribunais de Conta e de todas as instâncias investigativas e de justiça no país. Uma justiça que precisa ser de acesso democrático e republicano a todos, em particular aos negros e pobres (a maioria) que mofam em cadeias, sem culpa formada; que são humilhados pela má polícia, que são torturados em delegacias. Uma injustiça ainda insuficientemente enxergada, infelizmente.
O Movimento pela Ética na Política partiu de um núcleo de pessoas com militância política pela via da esquerda, pessoas que cedo se livraram da submissão a equívocos representados pela desatenção com princípios democráticos. Pessoas que rejeitaram o bordão da condenação da “democracia burguesa”. Pessoas que não têm medo nem preconceito de ressaltar o imperativo da ética, da democracia, da cidadania – elementos vitais para o país.
Sob tais princípios, e buscando cumprir o papel a que se propõe, esse Movimento clama pela retirada do Deputado Eduardo Cunha da Presidência da Câmara, o que abre possibilidades de uma oxigenação dessa instituição. A permanência dele só interessa ao atual Governo, porque desgasta iniciativas desse Colegiado em busca de uma solução política para o presente impasse. E prolongamento de impasse, na conjuntura política e econômica do país, só interessa a quem reza pelo caos. Este Movimento aspira por mudanças, por transformações, por um Brasil efetivamente republicano.
www.facebook.com/etica.democracia
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(*) Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco e Consultor. É membro fundador do Movimento pela Ética na Política.
Parabéns Tarciso, o sue artigo reflete, com leveza e conteúdo, o sentido maior da formação dessa frente pela ética na Politica de nosso país.
“Ética na Política” é um bom mote, ilustre professor. Mas me parece que é um pouco querer começar pelo fim. Quem já conviveu com políticos sabe disso. Não se pense que se contam às dúzias os Pelópidas – para nos valermos de uma unanimidade. Longe disso.
Não, o político, por virtuoso que tente ser, é um dos seres mais angustiados do mundo. Nem traficante sob sítio se lhe equipara em tensão e adrenalina. O mundo dele é o mundo dos sinais, dos gestos, das entrelinhas, da força e, eventualmente, até do jeito. Em suma, o da reeleição, meu preclaro .
Ninguém pense que ele chega em casa com um pacote de pão da padaria do Rosarinho e bote a neta no colo. Ele tem internalizado um medidor permanentemente ligado que o alimenta do quão uma fala ou um gesto “repercutiu”- no dizer imbecil da classe.
Quando o ilustre entra em casa, dois asseclas já o estão esperando para um peditório renovado e lhe colocam sob o nariz uma agenda de maratonista. Tudo isso para chegar ao topo da pirâmide: a vereança, a Assembleia Legislativa, a Câmara Federal, o Senado, o Supremo e até à Presidência. Nem a mulher dele o aguenta e Brasília se presta de maravilha para uma sucursal.
Pergunto, então: por que começar por eles? Deles temos os execráveis e os bons. Os milionários de ocasião e os que, movidos por idealismo e tensão, morrem cedo, muitas vezes cedíssimo. Preciso citar?
Hoje estou no Recife. Numa caminhada no calçadão, diante dos melhores prédios do Nordeste, vejo ambulantes depositarem centenas de quilos de sacos plástico na areia, à espera que a maré alta as lamba para o fundo. Pouco se lhes dá que uma tartaruga centenária morra asfixiada. Eu começaria por ética na calçada. Depois por ética em casa – no estrito cumprimento de horários.
Depois no trânsito, impondo um rodízio draconiano na circulação dos carros particulares. Assim, ao cabo de percorrer – não necessariamente pela ordem – uns cinquenta elos, a sociedade se encarregaria de nos depurar do tumor da incompetência pública e chula .
Começar pelo político, porém, ilustre Mestre, eu acho de todas as propedêuticas é a mais ingrata. Eles são impermeáveis, Professor. Delcídio -aquele – hoje já estava rindo, pelo que dizem os jornais. Desculpe a intromissão numa seara tão pantanosa. Mas aprendi que é melhor sempre começar pelo começo. Com rodinhas laterais na bicicleta.
FD
Não dá pra começar dos dois ?
Tarcísio, parabéns pelo artigo, parabéns pela posição corajosa e decidida em favor do Brasil.
Arlindo,
agradeço pela generosa referência ao artigo.
Alcides,
Fico contente por você ter gostado do artigo. Um abraço.
Tarcisio
Leandro:
Concordo. Dá para começar dos dois. E em cada instância, uma trincheira. Sem linearidade. Em cada momento, o necessário, o inadiável.
Agradeço pela leitura e pelo retorno.
Tarcisio
Prezado Fernando Dourado Filho,
Tenho minha visão crítica de políticos e da política. Mas longe de expressar seu ceticismo. Acho que há excessos na caricatura que o senhor faz dos políticos. Conheço alguns bem melhores que a maioria, pertencentes a partidos politicamente antípodas. Mas não me cabe, pelo menos no momento, nomear alguns, embora ao lado de Pelópidas eu poria o político não-parlamentar Gregório Bezerra, por exemplo.
Acho que atitude cética, como qualquer atitute humana, fica melhor quando casada com certa elegância: aquilo que se vê no seu texto, e que faltou ao retrato que fez do político como se todos fossem iguais. Não são.
Discordo mais: não creio que se trata do fim. Nas circunstâncias, é inadiável que a Política neste país, mais do que em outros, mude, se transforme em algo melhor. É o momento.
Outros detalhes do quotidiano, que o senhor cita – e que são elementos do nosso habitat de subdesenvolvimento – são quotidianamente parte de minhas aulas. Sempre encontro momentos para, em minhas aulas de economia brasileira falar, por exemplo, da infelicidade de ter que lutar pelo direito elementar de utilizar a faixa de pedestre sem ser ameaçado por veículos dirigidos por pessoas ensandecidas, ou simplesmente mal-educadas ou aparentemente analfabetas em se tratando de urbanidade. E isso ocorre mesmo no espaço da UFPE, em que circulam pessoas da extremidade superior da pirâmide educacional.
Em cada instância, um trincheira.
Ceticismo generalizante e absoluto como o que senhor formula pode alimentar descrença absoluta e contribuir para perpetuar a inércia de nossa claudicante cidadania.
No mais, agradeço pela atenção na leitura de meu texto e lhe digo que partilho seu inconformismo com nossas mazelas quotidianas. E informo que estou entre aqueles que gostam de respeitar horários (de reunião, de aulas, de compromissos em geral). E acho que pessoas que fazem isso não são tão raras no país. Portanto, como diz Leandro, pode-se trabalhar em mais de uma trincheira ao mesmo tempo. Não vejo linearidade em processos que são, essencialmente, sociais.
Tarcisio
Tarcisio
Essa é uma curiosidade q eu tenho. Os políticos conscientes não conseguem conscientizar os políticos inconscientes ? É claro q qdo se fala em consciência, se fala de um conceito bastante relativo. Mas a consciência a qual eu me refiro é a consciência de Marx. Dá pra seguir esse caminho ou a coisa é muito mais complexa ?
É verdade, professor. Seguramente é dar prova de ingenuidade esperar que processos sociais obedeçam a certa linearidade. Da mesma forma que não está errado propugnar movimentos que corram em linhas paralelas e que, oxalá, mais adiante se juntem numa só. É também procedente que o momento pode estar turvando minha capacidade de separar o joio do trigo, daí a tendência marcadamente reducionista de distinguir mal os bons políticos, na falta de políticos bons. O exemplo de Gregório pede sempre uma vênia. Jamais cansarei de ouvir João Prestes contar como foi a temporada moscovita dele, já que o pai o incumbira de escoltar o velho líder pelas ruas desertas da capital do Império. Segundo João, ele vibrava até com as filas intermináveis.
A verdade, professor, é que devo estar mesmo contaminado por tudo o que vi nesses últimos dez anos – talvez os menos profícuos de minha vida. Por conta de visões focadas no aqui e no agora – vide urnas -, perdemos de forma dramática o bonde da história e estamos numa situação quase falimentar. Essa característica tão enraizada em nossa gente de buscar a satisfação imediata em detrimento dos ganhos de longo prazo é de uma estultície que tem características únicas. Mas esse não é o espaço para debatê-las. Para quem é de minha geração – a de 58 -, contudo, o momento conspira para que nos sintamos passageiros de uma montanha-russa. Ademais, a força da retomada é cada dia mais escassa. Mas talvez esteja tirando as coisas por mim.
Para sua satisfação, numa vertente muito próxima à que o senhor esposa, meu bom amigo Luiz Felipe D ‘Ávila – embora também seja conhecedor das mazelas irritantes que transformam a imensa maioria de nossos políticos em oportunistas contumazes – acredita piamente que 2018 nos dará um Congresso renovado. Aquinhoado, ademais, por três dúzias de jovens parlamentares de primeiro mandato legislativo, mas que veem de experiências tidas por exemplares à frente de prefeituras por todo o país. Recentemente ele levou-os a Harvard para um programa de aperfeiçoamento de instrumentos de gestão e administração pública e os jovens líderes parecem comungar dos melhores princípios de responsabilidade fiscal – o que não é pouco diante do que vemos. Em 2022, diz ele, metade das bancadas contará com figuras que dignificariam qualquer Parlamento no mundo. Ora, seis anos não são uma eternidade.
Isso dito, Professor, veja nas minhas palavras mais uma provocação do que uma generalização desesperada. A política já foi um de meus temas favoritos e embora tenha passado boa parte da vida rodando mundo, onde quer que chegasse eu bombardeava meus interlocutores com perguntas sobre as práticas locais. imagine quantas vezes não vi aquela brava gente enrubescer diante de minha indiscrição ao inquiri-los sobre a truculência do regime de Pinochet; os porres de Galtieri; a “ditadura perfeita”do PRI mexicano; a tibieza de Hollande; a gerontocracia soviética e o apodrecimento em vida de Mugabe. Hoje essas coisas já me interessam muito menos. Foi como se um imenso manto de ceticismo tivesse desabado sobre o cenário, dificultando distinguir quem é quem no picadeiro.
Desejo vida longa a seu movimento. O fato de não me enxergar num ponto futuro por certo que oblitera o afã juvenil que me moveu um dia. Ademais, muitos anos de vida em São Paulo – uma terra capaz de incubar enormes desastres políticos nacionais como Lula, Maluf, Jânio -, me distanciaram da política como tópico obrigatório da mesa do bar e dos círculos da academia. Até as intervenções ácidas e clarividentes de Villa, Mainardi, Reinaldo, Coutinho, Demétrio e de tantos outros, hoje já soam como um tedioso “déjà vu”. Pois, diante de telas de TV similares, milhares de políticos ali referidos escarnecem do que ouvem sobre si próprios e cravam um olho no que interessa: seus eleitores – aqueles de quem ele depende para se segurar lá em cima – que seguramente não assistem a esses programas. Daí ter a política despencado tão radicalmente em minha escala de interesse, cedendo lugar às práticas comezinhas a que aludi. Mas, parabéns. Precisamos de homens como o senhor. Nesse quesito, eu já não faria qualquer diferença.
Prezado Fernando Dourado,
Vejo que a despeito de não comungarmos a mesma disposição para alguma militância (eu, aos 65), temos muito em comum. Gosto de seu texto e, apesar de não totalmente identificado com sua iconoclastia política, tenho prazer em ler Diogo Mainardi e os outros que você agrupa com ele. O Villa me entusiasma menos.
Aceito plenamente a vênia ao exemplo de Gregório Bezerra. Meu respeito é pela fibra e pela seriedade, mas nunca me identifiquei com o lado moscovita dele. De há muito rejeitei tudo que represente stalinismo ou venha a se aproximar disso. O sonho socialista – herança de meu pai – durou poucos anos (dos 16 aos 19: menino na vida, menino na política; e felizmente a “vacilação pequeno-burguesa” me impediu de mergulhar nas águas da clandestinidade – definitivamente, eu não era “cut out for the job”). Hoje acho impossível uma substituição satisfatória do mercado. Utopias socialistas levam a ditadura, já o admito também há bastante tempo.
Sinto enjoo diante da política que se vê aqui e alhures. Mas não consigo me desligar de alguma militância. Difícil, para mim, ver o pais atual – que merece pelo menos um capitalismo decente ou razoável – e não fazer nada. É cansativo o labor perene por algo parecido com cidadania. Tento algo, embora sem convicção de que eu venha a representar diferença relevante para mudanças.
Em compensação, é um prazer trocar ideias, em particular com quem tem prosa tão substancial e elegante como a sua.
P.S: Alguma mudança deverá haver na composição do próximo Congresso. Mas meu otimismo não vai muito longe a respeito do que virá. Gostaria de ser surpreendido.
Leandro,
Consciência só se for de expressiva parcela da população. Consciência e ação. Infelizmente o Brasil não tem sido muito animador a respeito. Talvez tenhamos que passar por crises maiores até o povo brasileiro mudar de patamar cívico. Mas sempre acho que se deve fazer algo. Inação só piora as coisas.
O importante é não deixar extinguir a chama em nós.